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600020841U
ANNAES
DA
MARINHA PORTUGUEZA
POR
IGNACIO DA COSTA QUINTELLA,
Vice-Almirante da Armada Real, Conselbeiro @Estaq
do Honorario, Conselbetro do Real Conselbo da
Marizha, e Socio Honorario da Academia
Real das Sciencias.
Kip
i ae
7 / feo ,
SO s) - ae eee
TiN? oe ~ rt ,
LISBOA
Na TrroGraria DA MESMA ACADEMIA.
1839.
24% .e. 185...
ARTIGO
EXTRAHIDO DAS ACTAS
DA
ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS
DA
SESSAO DE 9 DE DEZEMBRO DE 1836.
D etermina a Academia Real das Sciencias, que
sejao impresses 4 sua cesta, e debaixo do seu pri-
vilegio, os Annaes da Marinha Portugueza, gue the
fordo apresentados pelo sew Socie Honorario Ignacio
da Costa Quintella.
Joaquim José da Costa de Macedo,
Secretaria Perpetuo da Academia.
nossas. admiraveis Conquistas na Asia, porei em toda
a sua luz. estawerd: ado- m..parte.para de-
monstra-la ‘daquella mesma Historia , € entdo alguns
celebres Navegantes do Norte , que os seus Compatrio-
tas levantdrao até 4s nuvens, como se forao novos Ga-
mas, ec Al ro lugar, que
a Albuquerques, descerd6, a occupa o lugar, q
gualmente demonstrarei, que das tres rh bagd
sents Bueza Vina edeph e Ingleza , gue ihvadir
uistarao hum org: __ - ms a Portugue-
za.a.que menos opprimio os Povos daquella riquissima
parte do Mundo, ainda Le "coktiaterteo ic e
yiolencias, que a Justiga imparcial condemna.
’ara dar algumas luzes a quem, com menos ida-
de, methor saude , e mais conhecimentos do que eu, in-
aad fazer a ek, 3) mceranee servico. de escrey
pe cas quanto
fe Authores
ate. tratarao dos faa et
! | com b puri » © ESCOm
ndo, nos pontos controversos (que nao © $40, poucos )
coe gerd aa re
maior. ie havcoe. e
jon cone ppt hee ieee migos on
pn nlite
M: ria da Conta © Si
nao sé. me
sis oF itos agra fs € badptossp e adquirir,
nesta gen tl etic 2, a
= rl
sta de quatro Memorias , comprehendo os mesmos ob-
jectos relativamente 4 Asia, e Africa Oriental. Na
terceira explico o Governo Politico, Administrativo,
e Economico da nossa Marioha em Portugal, e suas
Conquistas.
ik
4
9°
ciente altura , se levassém mastareos de gavea , que nes
ses tempos ainda se nao conheciao. O gurupés, quasi -
tZo alto como. o mastro do traquete, e fazendo com a-
quilha hum angulo de mais .de 45°, sustentava huma.
verga pouco menor que a deste. Assim o velame des-
tes navios reduzia-se a tres vélas redondas; e huma
re
Latina. He evidente , que similhantes maquinas nao-
podiao ter a mobilidade necessaria para manobrar na
presenca das Galés, que pela sua agilidade, e auxilio
dos remos, tomavio todas as direcgdes que Ihes con-
vinha, a despeito dus ventos, huma vez que o mar
as nao embaracasse.
As Esquadras navegavao em huma, ou muitas co-
lumnas, segundo o numero das Galés de que se com-
punhao. O Sugar do General , ov Almirante era no cen-
tro.da linha, ow esta fosse linha de marcha, ou de ba-
talha: se navegava: em duas colymnas, era a sua a de
barlavento; ¢ a.do centro, se navegava em tres colum-
nas. De dia. trazia, sempre a-sua bandeira larga, e de
noite-farol_na p6pa, como signaes constantes de direce
g40o. Os combois navegavdo a sotavento, ou ‘a barla-
vento da Esquadra , segurido as circunstancias.
Na presenga do inimigo, as Esquadras formavdo-
se em linha de travez, isto he, todas as embarcagdes
ficando com. as -proas voltadas. para o inimigo, deixan-
do sé entre si.o intervallo necessario para que os res
mos de humas nao embaragassem os das outras, € para
que as Gales. inimigas nao podessem introduzir-se. no.
meio dellas; porque a Galé investida por ambos os
lados , ou por hum lado, e ao mesmo tempo pela proa, |
ou Pepa , rarissima vez escapava de ser tomada.
huma Esquadra em linha de batalha igualava
d
em extensdo a sua contraria, a vantagem era igual, |
supposta a jgualdade das embarcacdes, e equipagens: .
mas quando huma Esquadra excedia a outra.em nume- .
2
il
nhao os inimigos-tempo folgado para as cercar, e rene
der.. .
Estes principios devido ser familiares aos bons
Generaes daquelles seculos, por se-deduzirem da boa
razao0, e dos exemplos das batalhas navaes dos Cartha-
inezes , Gregos, ¢ Romanos, que pouco differido. dos
Bortuguezes nas armas, e€ construcgao dos navios antés
da invengao da polvora, e douso da artilheria, que
fez perder ds Galés a sua importancia absoluta, como
mavios de guerra, e 86 lhes deixou .alguma importan-
cia relativa até certo témpo, segundo .as Costas ou
Mares em que se empregavao.
Nido sendo da minha intenc#o escrever hum Trae
ctado de Tactica Naval antiga, creio ter dito quanto
‘basta para se entenderem melhor os nossos ‘Historiado-
res, e os factos narrados nestas Memorias.
No anno de 1112 falleceo o Conde ‘D. Henrique,
a quem succedeo seu filho D. Affonso ¥, (entao meni-
no ), Principe igualmente Guerreiro, Politico, e Patrono
dos homens de genio, cujo longo Reinado foi huma.se-
rie de conquistas, e victorias eloriosas, que nao me per-
tence relatar; porém nao esquecerei, que em 1160 foi
a celebre jornada do Judeo Hespanhol Benjamim Tu-
dela, 0 qual partindo de Hespanha por terra, visitou
‘muitas Provincias da Asia, e regressou .4.Europd no
anno de 1173, enchendo de assombro os‘seus:contem- _
-poraneos, ¢ deixando espalhadas as sementes do gosto
das viagens, que depois fructificarfio tanto: na Peninsuld.
1180-- Achando-se em Coimbra.o .celebre D. Fuas
Roupinho, hum dos mais intrepidos, e predosos Caval-
deiros-do seu tempo, soube ElRei que andava ‘huma -Es-
guadra de Galés Mouriscas interceptando as communi-
cacdes maritimas de Lisboa (1), ¢ encartegando D.
(1) Para formar a relacio destas tres batalhas , ‘¢onsultei -a‘Monai-
2 wu
13
obedece , Ihes poupava agora: ésse trabalho. D. Fuas,
que nao via Porto,-em que recolher-se, nem outra al-
ternativa, que a fuga, ou a peleja, escolheo esta, reso.
luto a morrer como até alli vivera. O combate foi des-
‘esperado , Como devia esperarsse do caracter do Gene-
ral , e dos soldados Portuguezes daquelle seculo, on-
“de o valor era .a primeira, e quasi a urica’ qualidade
‘que se exigia dos- homens. He lastima, que se ignorem
as Circunstancias desta meimoravel batalha! Nella aca-
-bou D. Fuas Roupinho, e se perdérdo’ onze Galés, sal-
vando-se ainda as restantes para prova decisiva de que
os vencedores ficdrdo' tio derrotados como os vencidos.
He quanto pude descobrir de accgSes nayaes no
Reinado deste grande Monarcha, que falleceo no anno
de 1185, deixando o Throno a seu filho D. Sancho I.
Reinado @EIRei D. Sancho I.
Este Principe teve talentos, e virtudes dignas do
Throno; e em hum seculo de calamidades, de fomes,
"guerras, epestés, ndo s6 mostrou o animo de hum gran-
de Soberano, mas tambem os talentos de hum consum-
mado Economista Politico; tal. he o elogio, que Ihe
faz hum sabio-Escritor Inglez, que nao he prodigo de
elogios (1). |
' Nido achei memoria de outra expedic#o naval em
todo o seu Reinado, que o cerco, e tomada de Silves,
de que you tratar (2). |
(1) Clarke, The Progress of Maritime Discovery , Cap.° 1.°
(2) Vede Duarte Nunes de Ledo, Chronica d’EJRei D, Sancho I. —
‘Historia Geral das Viagens, tomo 2.°, L.° 22 —.EBrandio, Monarchia.
Lusitana, tomo 4.°, Cap.° 7.°, ainda que este Escritor nao falla da
Fsquadra Portugtieza, de que nio teve noticia, —: Acenheiro, Chroni-
cae dos Reis de Portugal, Cap.° 9.° mas conta este facto no anno d&
189, :
Certo e fora do Med:terranee. Nem og Pescadores Por-
fugiizes $2 resiring:20 2 pescur rcs S2us mares, pois
corst2 cue os de Lisboa. e¢ Perte fzerio hum Trarado
com Eduarco HI, Rei de Ingiaterra, pra pescarem
62: Costas dzque.!e Paiz, e nas Provincias ¢a Franga,
gu= entZo0 depenlizo daquei:2 Corca <2}. Est2s ureis
especitazOes .au2 hoje taivez pareg2o a muitos exagge-
Facas, erao faceis naquelies tempos, em cre s6 Tavira
tinha seus proprios setenta harcos ce pesca, e muitos
nav:os de naregac20 Co mér 2ito, e as outras Cidades
mar:i:mas de Portugal o mesmo a prororg3o.
NO Reinado cesze Principe se comegarz0 a mtro-
duzir cm Porrugal as Sciencias Mazhematicas, envoiras
nas auimeras da Astro'ogia Judiciaria (2); e o famoso
Napolitano Flavio Gioia descobrio a Agutha Nautica,
Foto que muitos anos depois he que se achou a sua
ariacZo0, e se fora0 pouco a pouco inventando metho-
dos miis ou menos faceis e seguros }para_a conhecer
diariamente no mar. Mais tarde descobrio-se , que a
mesma Variagdo tambem variava; e a pesar de mitha-
res de opservacées, ignoramos ainda as leis, que pro-
duzem esta segunda Varizc30; e so sabemos, que em
materia t40 importante a Navegag3o, resta muito para
descoorir.
1336 — Deu ElRei o commando de huma Esqua~
dra de vinte Gales, guarnecidas com dois mil homens,
a D. Gongalo Camelo, que sahindo de Lisboa nos fins
de Agosto, appareceo na Costa da Andaiuzia, e foi
surgir na bocca ce hum riacho, quatro leguas ( entendo
(1) Vejase a Memecria sobre a Guaxima, de José Henricues Fere
veira, rotoms 1.9, paz. 1.‘ das Memorias Eccnomicas da Academia
d2zs Szencias dz Lisboa; e tambem a outra interessaste Alemoria de
Constast: 9 Boseiso de Lacerda Lobo, no tomo 4.° pag. 312 da cite=
dz Cniierqao Acideanta.
(2, Skenowias de Literatura da Academia das Sciencias de Lisboa,
tomo 8.9, pag. 143, © seguiates.
3
3 que levavio's Gallia Ve Dale ©
Pes sii ikveleet pan ‘mais de cem
mbarcagées no transporte da “primeiro )genero4
or que: durow até 1550 gr annem sre te
tantas, que navegavao differentes partes) (4).)) 10'S
saad
por se haverem estabele em Lisboa im
de fe commerce de rari ‘Nagées; eusthiiviowe: oat
muitas vezes mais de quatrocentos vasos a Ca ode
ol 1 edndreey oasitozrerrenoMl o2ab-ormeven 0%
ag pg a B91
Chronica, Cap.°h 90, gt-
cacalipan nas Memorias da Academia de
C3)” Gorogratis bh rss inden Foe» tomo pF 117. snsen
pida ignorancia dopelobes idan ence a rpeiasediale
form idavel wa apparencia, do que na realidades «© )4
“r" Chegado:o ‘Conde de Barcellos ao Alparve; esas
Pe se a Esquadra | Castelhana , forte leicadeads
-commandada pelo Almirante Tovar ; ‘havi
ror fet a Costa, o attribuiova
panico , e'sem mais:conselho , nem disposi¢ao ,
no anticipado , corre a buscar ‘Os inimigos emt
desordem , * que acontecendoestarem pelo» mar =a
Ihadas muitas boias das redes. dos pescadores , avdias;
e tres léguas de distancia, arridrao.as velas oito Gas
Iés', © forao demanda-las a remos: as owtras continuds
rio, a navegar comilvente sone e bonan
nee older se nchario perth rs ues
amon seat tos ah de Julho descobrirao estas ‘on hele
das Galés Castelhanas, que estay4o surtas em hum
loge chara “entdo Salres. Affonso Annes das Leis
timeiro as vio; € communicou a noticia‘ao
carregou logo, fazendo o mesmo as “mais
Galés, ” porém nao quiz servir-se da Galeora para cha-
da Esquadra, como © Annes Ihe aconse-
pa ag envio da briosa resistencia : indy eal den
mi.
49°
com duas)grossas cadéas, que a atravessavio ; ede huma;
ede outra: } fa terra proximta muita gente, ‘com
trons, @ engenhos para os’ proteger..O Almirante ‘Hes-
panho i chepou ‘sem obstaculo a Sacavem, e reconhe-
posigio dos ‘navios , © julgando-a_ inatacavel
mi Tejo; o que os In ttambem fizerao a
smbro (1). Admira, que hum Official tao: in
Jigtnte y como" Tovar , nfo tentasse queimar ‘os paaro
amontoados em hum Rio estreito, aproveitando a occa
siio- Ehcebe de maré e vento sa que -
padia lhe naqnella estagao! Th
Jest Asia vA 7 de Margo entrow no Tejo
asian a Castelhan de oirenta navios ; entre
grandes , com muita gente de guerra. O seu
intento ert f ardent diversio ds operacdes militares,
wees no Alemtejo entre o o El.
el D D. Bernando reforgado com as tropas Inglezas'do
, seu alliado, ¢ o Exercito Hes-
rou-se a Armada sobre Lisboa até Seteni»
oeseraceatstn ‘andes hostilidades. por: ito e
dutea’' margem do Tejo, sem a menor
Mas se a nossa Marinha acabou neste eina
liz, no seguinte a»veremos renascer das suas. praetor
tomar hum alto vdo, que sd declinow. com a morte
@ElRei_ D. Sebastido. ) abel
a) hater ElRei B. Fernando no anno de age 7
«ae
are | Reinede @EIRei D. oto Te “ he
‘i «| oi oo soll lee
“rm wdhdeoes mais? ‘brilhante da-Gloris Portugueza ‘cos
ek NT deste illustrado Monarcha , porte
rem nelle principio aquelles immortaes descobrimentos ,
que. se. vamente -dilatando, a par dos*pro~
Fernio ’
8 pda he » Capri gs! orth atime bce)
42
mandariem seu Real Nome, e que pertencerem @ sew
Officio, ‘sob pena de serem punidos como. os que nao
cumprem os mandados de seu_ Rer= (1). Lore
As clausulas desta Carta sio notaveis, por com-
hep mee parte’ da ju 40 do Almirante
Carta det weer eae Pte determinou El iy D. Diniz ‘na
rta 3; que extracto
seu Reine e e péde aricab conbtetes
m ue o que e Ofc de Almirante estavya reduzido nas suas
poe a melhor quanda 'trdcar da
nossa Legislacio aofiodR
“1. Antes 5 se sntereapse das viagens para des
“novos ‘Paizes, cumpre. dizer
seu author o Infante’ D. He ue (2). ramen
Nasceo’ este: magnanimo Principe a ya Margo
de Seedae donde e desde os primeiros annos mostrow inclina=
militares, e estudo das Sciencias , a
gue applicou dence logo, habilitado por buny juizo
» © exceilente | memoria. O seu cer, que Porta
conhecer , gt
ninsula , € cercado de mar. pelo outro,
Conc oe e anys se ed
pone f Os clementos oO ue ge
ra ser nelle poderoso, crease bie Commercio ma=
sielhie comm. Os pores de Africa existentes alem dos
limites, a que se estendia a navegacio costeira da Bar=
beria, dos quaes davado confusas noticias algumas anti=
gas Viagens, mais , ou menos acreditaveis, e as jor=
nadas realizadas per a Asia nos dous ‘seculos
pr ere 1
are) Vede ‘Barros, Decada a4 Le aabeuhous ii
43
os primeiros descobrimentus, mandando pequenas eme
barcacSes 4 sua custa ao longo da Costa de Africa pa-
ra o Sal, que nao sendo ainda bem manobradas, e di-
tigidas , adiantarao pouco os conhecimentos -praticos
d’aquelles Paizes , como irei mostrando na ordem
chronologica, que me propuz seguir.
Nas duas expedigdes de Ceuta em 141g, ¢ 1419
ampliou o Infante as suas ideas nas frequentes conversa-
¢des com os mercadores Mahometanos, que alli concor-
riao de Fez, de Marrocos, e de outros Reinos, e Provin-
cias do centro.de Africa , que estavao em relagdes com-
merciaes com os do Egypto, e da Arabia. Assim con-
sta, que por elles souboa dos Jalofos , que confinao
com as raias Austraes do vasto deserto de ‘Sarah e he
provavel, gue no discurso das suas indagacées sobre a
direcc4o, e posicao daquelles differentes Povos, viesse a
confirmar-se em que as Costas da Arabia erfo banhadas
pelo mar, bem como as da Africa, pela banda do Orien=
te, noticia de que o seu raro talento talvez conjectu-
rasse, que continuando a correr para o Sul a porcao
da Costa Occidental d’Africa ja conhecida, se chega-~
ria a hum ponto, mais ou menos remoto, onde br
cosamente ella havia mudar de direccao para o Nor-
deste , e. fazer hum Cabo, cuja descoberta seria da mais
alta importancia aos Portuguezes, para abrirem cami-
nho as Regides Orientaes tao cubicadas.
Seria aqui o lugar conveniente para lembrar os
dous celebres Mappas, de que fazem mengao alguns Es
criptorcs nossos: o primeiro trazido pelo Infante D. Pe-
dro 4 volta das suas viagens no anno de 1428; e€ 0 se~
gundo, que ‘se diz achado noCartorio de Alcobaga em
1528, desenhado mais de cento ec vinte annos antes:
ambos tenho por apdcryfos (1), 4 vista do que moder=
G1) Vede as duas Klemcrias do Conselheiro Antonio Rideiro dos
6
44
pee escrevérao a favor, ou contra a sua authenti-
ona al; pan de abalizado mcrecenentety om a
A. gromasee: a execugao do seu yasto pla
no de _descobertas one os conhecimen ae
ab, Sacre aly € no seu
herd huma seme Naune
ca, e de Geografia, para organizar a qual chamou Sas
bios nacionaes, ¢ estrangeiros com vantajosos partidos ,
entre elles o Mestre Jaime da Ilha de Malhorca , fa
moso pelos conhecimentos nas Sciencias auxiliares da
N 0, que vinha ensinar, e na construce’o de
Cartas Geograficas , a Escola de Sagres converteo
depois em C rtas Hy rograficas Planas, por nao servi~
rem aquellas para o mae da Navegacio (1), some
‘ durérao seculos (ainda ha menos de trinta annos
havia outras no Mediterraneo ), até que Mercator ere
Fibs a primeira intitulada Sobre alguns Mathematicos rathipeaihdl
etc. , ¢ a segunda =:Sobre os antigos Mappas Geograficos do Infante D.
Pedio=E a Memoria do Academico Sebast ido Francisco. de Mendo.'Tri-
goz0, que tem por titula=Sobre os.Descobrimentos dos
etc., ¢ todas se achio no tomo 8.° das Memorias de Litteratura da Aca-
demia Real de Lisboe—Vejase tambem a Obra do diligente Historias
dor yee ay caer e-em. ny Faris Maritime Dis-
‘ae"y Fe» que nega a verac Mappas 5
ca ia do Teneate General Stockles, que vem no. volume
mS eate n ene desoe ov agumentoy favor del
es
ae Gomeae Vede o origem das Mathematicas, etc. do mese
46
que Sat ere ae a saat decinddaineptae ——
DB itignrs! comega-lo.y eeaeT wanb
> ElRei yoko. fol ge ero. -$6-tinha: orFituloide
gedor. Reino) achava-se na Capital
DoUuc: faeces faltando-lhe as das Provincias»do
Norte, que puarche via va reunir-se na Cidade do Por+
tng pra Sere d’alli, transportadas por mar) a Lisboa.
_carecia!. de mais tempo, do que tardaria
hes osmacrese aie odes: de
armar promptamente as rea capazes.
navegar, e expedi-las logo para’ o Porto, a-fim de que
reforgando-se com os navios daquella Cidade, embar-
cassem as tr ee ee
trada do Tejo; * pois’ que deste soccorro dependia a
Senn ‘Capital, tonite a de ‘Be-teilo o Reino.
_Existido apenas em Lisboa alguns desmantelados
navios, faltos reparos, ede aparelhos, ¢ os:Arma=
zens quasi nada continhio; e comtudo-era de i
riosa necessidade aprestar em poucos dias: ——
gud ‘O’zelo, co aa produzirao aqui. os
‘costumio produzir, sendo bem ‘dirigi-
4 oe yeah ad as NagGes em oe a Moral publica nao
esta corrompida. Acudiraéo todos a obra tao necessa~
ria: ovArcebispo de Braga D. Lourengo Vicente), Pres
0" cheio de se hora ae e do papleaen 8 guerreiro da
seculo , \encarrega em Regia da superinten-
dericia do SSesieie wenn huma langa na mao, ¢ o
roquete yestido sobre a armadura), corria a cavallo
a todas as partes em qué havia trabalhos , em -
do nelles: Religiosos ,» Clerigos, ¢ Seculares, © quals
quer qualidade; -e se alguns se aventuravdo a querer-se
escusar por motivo do Seu caracter sagrado , respon~
thdo a Feria Lopes —Chronica do dito Rei — a
tbe Rodige ds Cunha. ae er
il
48
songa ve Cebxaivs , Alcaide »Mor de ‘Obidos , Pe
segui “0 partido de Castella, a quem elles cide
mandou o General’ desemt algumas tropas, ‘e
‘queando @ Villa; passou 4°Cidade do Porto.) =
2yeid Vio-se -0 bom resultado “da prevengio dE
Rei em vsahir a tempo de Lisboa a sua
: p 0 Tejo a pt di
ana’,
dra ue a 26 entrou
, saber an
to bordo Pedro ‘Afan de "Ribera. Surgirio os ini
i inks parila & Cidade, cingindo: ‘toda. a:
sde Sant Catharina até ernie Uivanteae
Epc oe fick desta Tinha espalhario. muitas embar
guarnecidas; estacionando Galés er
a para vigiarem 0 Rio; de maneira, que ficou a
Cidade perfeitamente cercada'da parte do mar, a unica
podia vir-lhe soccorro: e o Exercito') deixando
cis a ema yveio no dia ‘28 ae
ites para comegar as operagdes do
Bey, o a ralheia do objecta: distas Memo:
Ms.) Shaw ch op yd 5
“ied
ou oe
pa prghyeten da a er alla
scone AN que poucas
Secs Lg @ cei e foi vigorosa-
mente nada), e Sepals | occupava ,
Beem os reunidos i tropa gu que odes mbareéraa
navios.> . eho rae sOner]Ve SE
én endo © aqui demittido Gonsalo Rodrigues av Sous
say) por se itava _aaeencnary peti meee
em ome PEIRe . Gong
eee reenact D.!
Sie 20 Saat evils oe AAD a Ast 0
Ce cen Acenheiro diz, que foi no dis ‘poekaplicats , on 2b ee]
~~
*
com ne D aia 0 cot ico as doze -Néos-restasie
a ae gl e tocando 0s i
usados. naquelle tempo.) & ss
da cageeaces. i ot > quacedaieae
ece-la., ou » Imitando © seu
pe Naos de a sua divisio ; e neste ee
lés hito o 4 ~amancada encastadas
do Bchitpeotedect hee she le
rage hae" sloop pagan os inimiges ati para ‘rewnineé hae
r
“hits O Almirante: Tovar, re ado opportune: © mee
mento de. Roig
,
54
de Sevilha', que elevou a sua Armada a dezeseis Ga-
1és, sessenta © huma Néos, e eae muitas embarca-
cceetiee uends. Kim consequencia deste
Eien els eee ‘plano offensivo em de-
feuive. Micvdeas sbbarie praia os navios' ¢
-¢ amarrar as Galés te epalddes qu terra, ‘ond
: ndante; e ‘alguns woldados, a
da marinhagem. olwmine
“I ota ex speriencla? nostro em breve ovacertedidestas
= 8, ue a 27 de Agosto (1), aproveitando-se
Hailes tc de terem maré de cheio dea
by pio do Sol, sahirio com as suas Galés na direc.
gio de Oeste, figurando nos movimentos hunr exerci-
cio de manobras ; ; ¢ chegando defronte do Arsenal, on-
de a nossa Esquadra estava disposta pelo modo que ja
expliquei, voltérao de repente sobre see e vierao
commette-la; fazendo ao mesmo tempo ataques falsos
pe rte de terra, para attrahir alli a atengio dos cer-
cadaos ees wi.
ElRei, a cujo cuidado nao ‘escapava movimento
algum dos sitiantes por mar, ou por terra, ao
quella occasifio. observando do Palacio do Cas
evolug6es das suas Galés, e logo que ellas vir rigid
penetrando-lhe o intento, correo a galope 4 Ribeira,
onde achou ja muitos soldados, e moradores bem at-
mados que vinhao soccorrer os navios, ea sua presen=
# i > nefles tal valor, que quando. os Castelhanos
rechagados com muitos mortos, efe=
1 de huma Galé, cujo Commandante
Shen maenes na a a Serer
i
i
ake ye ay
Mus Denk
58)
vidade dos Infantes, do genio: guerreiro da N
Pia cata ssommas” nto ae podie | i
tes. de novos tributos, que nio se o Jangar, sem
convocar Cortes, ¢ descobrir por ee a —
inviolavel :
| emprestimos, ¢ bantite’ severa econo-
inistragao da Fazenda, Examindrio-se pelos.
Parton Reino’ ‘be navios de Guerra, e Commercio:
em estado de navegar: repardrao-se os que. -erdo susce=
ptiveis de fabrico, bit teslens alguns estrangeiros,; e&
rao-se de novo as Galés que faltavdo para
ae Sa de trinta, de que se queria com~
a, armamento se encarregou ao
Pagan ‘ea Gomes Loureiro a in~
sie Falicatecee: a aie de guerra einen cuja. coms:
missao se deu ao Infante D. Henrique nas Provincias:
do Norte, tendo por ponto de. reunito a Cidade do
Porto; e nas outras Provincias ao Infante» D. Pedro,»
com o ponto de reunifio em Lisboa." \ sup obw tea
Era de absoluta_necessidade reconhecer o estado
das forti de Ceuta, e os seus meios de defen=
sa; mas de hum
tasse- Geoaiiage nos. Mouros. | € outra”
obteve ElRei com este ardil: Chamou o Prior-do-
to D. Alvaro ves “psi recent e o General do
Affonso ‘Furtado de Mendonga , e instruindo-os em ‘se=
da unio s do Core
ce oeiiie eo o Infae
Bea | oe Soe ia Calls, © ‘
os
o da ‘sua “verdadeira comarissioyy os aa
, modo. tio disfareado, que nao excie.
:
59
texto de tomarem refrescos, surgirdo em Centa , onde
se dilatd4rao quatro dias (1), sondando de noite o Por-
to, e examinanda de dia a Cidade. Seguindo dalli a
sua viagem para a Sicilia, derao a embaixada 4 Rainha,
e recebida a resposta negativa, que esperavdo, voltae:
rao a Portugal com escala por Ceuta, a fim de recti»
ficarem as primeiras observagoes. . f
ElRei’ os ouvio em publico, com fingido senti-
mento do mao successo da negociacio , e em particular’
foi bem informado do estado da Praga 4 vista ‘de huty'
modelo, que na sua presenga construio, e lhe explia'
cou o Prior do Crato, em que represeritava a Cidade’
com a sua Bahia, e nesta os melhores pontos: pdra
ancoradouro , e desembarque. Com estas noticias sé de=
rerminou detodo ElRei aemprehender a expedicdo, ea
communicou logo 4 Rainha D. Filippa. O mesmo ‘fez
em segredo ao Condestavcl, que estava ‘no Alemteo's
indo para esse effeito encontra-lo, com pretexto ‘de’ hi
ma cacada a Monte Mor o Novo , onde ouvid da
bocca daquelle Heroe a completa approvagio do‘ sew
projecto. Era porém necessario communicar este - a0
Conselho de Estado, o que fez em Torres Vedrasq
achdrao-se presentes 4 discuss’o deste importante nego
cio’ (2), a Kainha, os Infantes', o Conde de Barcel4
los ,.o Condestavel, os Mestres das ‘Ordens de Chris
to, 8S. Tiago, e Aviz, o Prior do' Crato ; o Marechal
do Reino Gongalo Vasques Coutiriho ,; Martim -A fion~
so de Mello, eo Alferes Mor Joio Gomes da Silvas
.. ‘‘Parece que ElRei esperava opposigao da parte de
alguns Conselheiros, porque guardando-se ‘ainda: na
guelle seculo o costume do Senado Romano, onde‘ ed
votos se--dav4o de maior para menor, e competindo
| | re Ou!
C1) Assim o diz Mattheus Pizano no seu Livro da Guerra, de Cons
ta, nem pndia em menos tempo fazer-se similhante reconhetiajentd,
(2) Acenheiro, Capitulo 21°; pas: oe se coe
8 ii
61
quelle seculo o General em Chefe cemmandava o na-
vio, em.que hia a sua. Insignia), 0 Conde de Barcel-
Jos, seu irmaZo natural, D, Fernando de Braganga , fi-
Jho do Infante D. Joao , o Marechal Gengalo Vasques
Coutinho, o Alferes Mer Joao Gomes da Silva, Vas-
co Fernandes de Ataide, e Gemes Martins de Temas,
Commandavio as Nées, D. Pedro-de Castro , Gil Vas-
_ ques da Cunha, Pedro Lourengo de Tavera, Dicgo
“ Gomes da Silva, Jodo Rodrigues de Sa, Jodo Alvares
Percira, irmio do Condestavel, Gencalo Annes de
Sousa, Martim Affonso de Sousa,.Martim Lopesde Aze-
vedo, Fernzo Lopes de Azevedo, Luiz Alvares Cabral,
Ferndo Alvares Cabral, Estev20 Soares de Mello, Men-
do Rodrigues de Refoios, Garcia Moniz, Paio Rodrigues
de Araujo, Vasco Martins-de Albergaria, Alvaro da Cu
nha, Alvaro Fernandes Mascarenhas, e Aires Goncalves
de Figueiredo, Fidalgo de noventa annos, que'se veio
offerecer 20 Infante com. taes instancias, que obteve
commando de huma Nao. Offerecérao-se-lhe tambem do»
ze Cavalleiros de Baiona quasi da mesma idade, que ten~
do servido em toda a guerra contra Castella, estavao apo-
zentados comendo as tencgas que ElRei thes havia. dado; e
posto que o Infante procurasse dissuadi-los, vicese obriga-
do a acceita-los. ‘Tanto erao ardor, que animava a Nagao! ©
A morte da Rainha D. Filippa, acontecida nes-
te tempo; ea peste em que ardia Lisboa, pozerio ain-
da em contingencia a expedigao; que talvez se nao
realisira , apesar de se acharem feitas todas as despe-
sas, € O armamento frompto, scm a actividade, e ree
solucao do Infante D. Henrique.
Finalmente no dia 23 de Julho, dcixando encar-
tegado o Governo do Reino, com Titulo de Vice-Rei,
ao Mestre de Aviz Fernao Rodrigues de Siqueira (1), se
(3) <Acenheiro, Cap.? 21, pag. 216,
69
seu sobrinho ,“ para atacar a Cidade da banda do mar.
ElRei D. Joao, que pelo aviso:que recebéra, ja ‘tinha
mandado bum bom reforco dquella Praga, mal soube
agora por Tarifa da sahida do armamento de Grana-
da, nao perdeo hum instante em concluir os aprestds
de- hum poderoso soccorro, capaz de mallograr as ese
perangas que Os seus inimigos fundavo em hum plano de
campanha to bem combinado: e era tala abundancia de
munigdes navaes, ede guerra nos Arsenaes de Lisboa, qe
poucos dias depois sahio de Lisboa (em Agosto) 0 In
fante D. Henrique por General da expedicao, levando
comsigo o Infante D. Jodo; e para o Algarve expedio
ElRei os Infantes D. Duarte, e D. Pedro para condu-
zirem dalli novas forcas se necessario fosse. No achei
‘nos Escritores o numero de tropas, e navios que le-
vou o Infante D. Henrique; 0 qual chegando 4 bocca
do Estreito, encontrou huma Fusta, em que vinha
Affonso Garcia de Queirds com Cartas do Conde de
Vianna , participando ter Muley Caide occupado ja
<om as suas tropas a parte oriental da Almina , combi-
mando os seus ataques com os do Exercito sitiante, em
qjuanto as Galés bloqueavao o Porto. ve
_. . A’ vista da Armada Portugueza, entrando vagae
wosamente com vento bonancoso pelo Estreito, o Rei
ee Granada, que se achava em Gibraltar prompto a
embarcar para se ir unir a seu sobrinho, e gozar do
friunfo que reputava facit, abandonou esta idea, e es-
ealheo por mais seguro ser dalli espectador do successo,
- A fortuna nao quiz que o Infante D. Henrique
tivesse a gloria de destruir © armamento naval de Grae
mada; porque em quanto navegava a buscar a Praca,
fazia o Conde de Vianna huma sortida 4 testa da.sua
Valente guarnigdo contra as posicées, que Muley Cai-
€ occupava no monte. A acgao foi disputada com des-
“perado valor por este intrepido Granadino, a quem
73
de nevoeiros, mais ou menos espessos, que nZo deixa-
vao enxergar bem o que era; e ainda que a razio di-
ctava a alguns, que existia alli huma Ilha, a supersti-
f° figurava a outros cousas sobrenaturaes, e horrorosas.
Nesta perplexidade resolverao-se os dois Descobridos
res Joao Goncalves, e Tristio Vaz Teixcira a ir pes-
soalmente examinar aquelle fenomeno; eno 1.° de Julho
deste anno, tendo vento favoravel , partirio ambos an-
tes de amanhecer em dous barcos, dirigindo-se ao ne-
voeito, chegados ao qual, e ja cercadcs delle, forado
descobrindo ‘por entre a nevoa huns picos altos, ¢ logo
huma ponta de terra, a-que derdo nome de S, Lourea-
¢0, € adiante da qual surgirao.
Ao amanhecer do dia seguinte , separdrdo-se os
dois Descobridores , para ir cada hum por sua parte em
‘busca de lugar proprio para desembarcar, o que Tei-
xeira fez em huma ponta, que tomou o nome de Tris-
tz0, e Joao Goncalves em huma lapa, cujo terreno es-
tava sovado dos pés dos lobos marinhos, e lhe deu o
nome de Camara de Lobos, que ainda conserva, to-
anando elle d’aqui o appellido de Camara para a sua
~familia. : | _
Esta grande Ilha estava deserta, e coberta até ao
amar de mui basto, e frondoso arvoredo (donde proce-
«liao as nevoas, que a cercavao), que nado dava facil
WPassagem a quem intentava penetra-lo, e por isso se
«hamou Ilha da Madeira, nem tinha outros habitado-
€Chronica de D, Joio I., pelo Arcebispo D. Rodrigo da Cunha, Cap.°
©8). Ainda que Fatia e Sousa (Asia Portugueza, tomo 1.°, parte 1.7,
cap.” 1.°) diz, gue ella foi descoberta no anno de 1419, he isso em
Comequencia de haver marcado o descobrimento de Porta ‘Santo em
3418; eo Padre Cordeiro (Historia Insulana, I.° 2.°, Cap.° 6.°) di-
zendo tambem , que a Madeira se descobrio em 1419, mostrou mani-
festa equivocagio , como ja observei, pondo o descobrimento: de’ Porto
anto em 1420, sendo este anterior ao outro , oomo elle mesmo affir-
10
75
rado a Maciote Betancourt o dominio das Ifhas de
ancarote, Forte Ventura, Gomeira,e Ferro, perten-
centes ao grupo das Canarias, cuja historia ‘melhor se
poderd ver nos nossos Escritores, que Jargamente tra-
tao desta materia, determinou conquistar as que resta-
vao por submetter (1), e€ neste anno fez partir para es-
se fim huma Esquadra, com dous mil e quinhentcs ine
fantes , e cento e vinte cavallos, e por seu General em
Chefe D. Fernando de Castro, Governador da sua Cae
sa (2). Porém os resultados deste armamento nao cor-
respondérao as suas esperancas , nem as despensas que se
fizerao; porque D. Fernando de Castro, depois de re-
duzir ao Christianismo alguns dos bocaes moradorés
(1) Hum erudito Academico publicou ha poucos annos huma Me-
moria (Vede as Memorias para a Historia das Navegacées, e Descobri-
amentos dos Portuguezes; no tomo 6.°, parte 1.2 das Memorias da
Academia das Sciencias de Lisboa, pelo Senhor Macedo), sobre a an-
tiguidade do descobrimento daquellas Ilhas, em que pretende serem ja
conhecidas . dos Fortuguezes no anno de 1434, ou no seguinte. Clarke
faz mencao (The Progress of Maritime Discovery, L.° 1.°, Cap.°
2.°) de huma embarcacéo Franceza, que por causa de naufragio apore
tou alli entre os annos de 3326, € 13343 e parece ser a mesma, de
que com incertesa falla Jodo de Barros (Decada 1., L.° 1.2%, Cap2%
32), collocando com tudo este facto em época mais moderna.
Eu farei aqui duas unicas reflexdes: 1.4 Nao parece verosimil , que
hum Monarcha de tantos talentos, como D, Affonso IV., em cujo Reie
arado se diz haver acontecido aquelle descobrimento, nao procurasse ti-
rar delle as importantes ventagens, que naturalmente devia esperar, se
fresse reconhecer todas aquellas Ilhas, que se avistio humas.das outras ,
© estabelecesse relacies com os seus habitantes; mas vemos, pelo con-
@raio, que se perdeo até a memoria do seu descobrimento, 2.* Obser-
‘vando a posicio geografica das Canarias, ¢ a navegacdo que fazem os
Havios na sua volta para as Costas de Portugal, ou de Franca, segu
3 ventos dominantes nas differentes EstacSes do anno, he moralmente
Impossivel , que algum delles ndo descobrisse as Ilhas, Salvagem e da.
adsiras; o que no consta haver acontecido, oo,
(2) Barros, Decada 1.", L.° 1.°, Cap.° 12—-Galvio, Tratado
Descobrimentos, pag. 21 — José Soares da Silva, Memorias d’Els
Rei D, Joao J., tomo 1.°, cap. 86, :
10 ii
76
daquellas Tihas, se recolheo a Portugal, eo Infante
foi obrigado a mandar depois Antdo Gongalves com
huma expedi¢to de menos , para os no-
‘vos convertidos contra a facia’ dow cocvoh sibeagi
poh
_1429— Recebida por Procuragao nos Parte?
Castello. de Lisboa a 24 de Julho "ara — a
-D. Isabel, com o Duque de Borgonha F o Bom
(1), partio desta Capital em huma peste trinta e
oi fhe Sa e ee de Staal re mesmo anno che-
je aesaees aes que alsa dizem ser. sia :
D. Henrique, e outros o Infante, D. Fernando. « ~
1431 — Partio de Sagres em hum navio, por or
dem do Infante D. Henrique, Fr. Gongalo Velho Ca-
bral , ge de Al ourol com inst
in ga Ag huns. los , examinou , € a0s
ba deu o nome de rmigas (3), e dalli tornou pa
gres ; tes Unaeaetincate, rque algum mdo
dee cerragao The obstou a fazer maiores: prorat
escobriria entéo a Ilha, que achou no anno se-
gine, e nao ve thy ol longe daquelle Baixo.
de ear an mesmo Tra e 14 ie
bagi a ina del Campo o Tratado de P
Perpetua aor Portugal, ¢ Casella; eis-aqui hum. exe
4 Veja-se D. Antonio, Caetano de Sousa Raye
Patt tomo 2,°, cap.? 4.° —Jos¢ Soares Fs
~ epee tem cousa de milha de ex:
53° ay
mite a Sul, © dista da Jiha de Sey Bai e980 se
:
78
tas, e Mares a elle pertencentes, ou ainda no mar al+
to, ’ serio presos , € entregues 4s Justig¢as do menciona>
do Reino, cujos Vassallos offendérdo , para. alli serem
gados, © punidos segundo as Leis particulares da-
quelle Reino: E que igual. procedimento se teria com
os Nacionaes, ou Estrangeiros que perpetrassem Simi
Jhantes delictos contra’ gualgver dos dous Reinos, e
roava a hum delles, nae rite remettidos ao
ToT t96 7 =)
ceive os pRide ps Castella promettigo nunca perturs
bar, ou inquietar os Reis de Portugal na posse, ¢ qua-
hor em que estavao de todo o trato ;-¢ terras de
, com as suas minas de ouro, e quaesquer outras
bt eoae e terras descobertas, ¢ por descobrir,
ilhas da ‘Madeira, Porto Santo, e Deserta, e todas as
Ilhas dos Acores, e Ilhas das Flores, e assim as Ilhas
do Cabo Verde (1) € todas as Ihas aré agora descober=
tas, Shout beeen: outras que existissem das Ilhas’Cana-
para a sede de Guiné; porque tudo o
se Fe conquistesse, ou descobrisse nos ditos |
se do que ja. Reis d sabido, leieteoped -
to ficaria ‘aos eis de Portugal, exceprua omnia
f rias, e, Palma, Forte Ventura, Gomei-
| .Graciosa, Grio Canaria, oe
Sy bulene Cauatioe ganhadas,, ou por
ficariéo aos Reis de Castella. Promettiao mpert be estes
n4o perturbar, nem molestar q wer pessoas, La
dito trato de Guiné, e nas ditas , © terras «
prea ev a peal cna nome = Reis de
¥) OU aeilveeanee
Ormancay ees
“heel ete sFi
ekiy “hea reg; a bite nas proximidades de
79
consentir, antes sim prohibir’ que, seth licenca dds
Reis de Portugal, fossem negociar ao dito trato, Ilhas,
e terras de Guiné descobertas, e por descobrir, tanto
os seus Vassallos, como outras quaesquer gentes estran-
geiras, que estivessem nos seus Reinos, e Senhorios;
nem que nos seus Portos se armassem, ou habilitassem
para esse fim, nem dariao a isso em occasiao alguma fa-
vor , ou consentimento directa, ou indirectamente;
nem consentiriao armar, ou carregar para aquellas par-
tes de maneira alguma. E assim, se alguns subditos do
Reino de Castella, ou estrangeiros quaesquer, fossem
tratar, impedir, damnificar, roubar, ou conquistar
adica Guiné, trato, resgate, minas, terras, e Ifhas
della descobertas, ou por descobrir, sem licenca, e
consentimento expresso dos Reis de Portugal. serido
Os taes punidos pela maneira explicada no artigo ante-
cedente. Por fim, promettido os Reis de Castella -nZo ©
se intrometterem, nem embaracarem dalli por diante
a conquista do Reino de Fez, a qual os Reis de Por-
tugal poderido proseguir pelo modo, que bem lhes
parecesse. :
Que os Reis de Portugal promettido reciproca-
mente aos Reis de Castella, de nao os perturbar na
posse, ¢ quasi posse em que estavao das Ilhas Cana-
rias ja conquistadas, e porconquistar, etc. (1).
1432 — Tornou o Infante D. Henrique a mandar
o Commendador Fr. Gongalo Velho Cabral 4 mesma
commissao , a que féra no anno antecedente, e a 15 de
Agosto vio huma IIha, 4 qual por ser dia consagrado
a Assumpcio da Virgem, deo o nome de Santa Ma-
ria, onde desembarcou da banda de Oeste em huma
pequena praia, que chamou dos Lobos, por hayer nel-
(3) Memorias d’ElRei D. Joio J. , tomo 4.°, pag. 270,.¢ seguin-
tes. a | :
8 1
cacio. Nao sabemos em que dia dobtou elle o Cabo
Bojador; mas he certo, que quando voltou a Sagres,
ettava ja no Throno. ElRei D. Duarte., que mostrou
igual prazer ao do Infante por aquelle descobrimento ;
© ultimo acontecido na vida de sey Grande Pai (1).
Faleceo ElRei D. Joio L. em.1g.de Agosto de
Reivedo @EIRei D.
read
Duarte :
f
Este Principe, cheio de valor ,- de-talentos ,‘e de
instrucg4o, subio ao Throno. na ferga da sua idade,
dando aos Portuguezes bem fundadas esperangas ‘decon-
tinuarem a .gozar da torrente de prosperidades, a que
estavao habituados de muitos annos. Mas o-seu Rema-
do foi tio breve, como infeliz. Nae he do objecto des-
tas Memorias analysar as causas moraes, € politicas dos
males que soffreo Portugal na vida deste virtuoso Mo-
narcha, e dos que. se seguirao do seu prematuro fale-
<imento; os quaes certamente nao existirido , se vives
“&e mais alguns annos, ' ar
Querenio mostrar quanto se interessaya no pfo-
—Seguimemo das Descobertas, foi huma das primeiras
=acgdes do seu Governo fazer Doagio das Ilhas da Ma-
«leira, Porto Santo,.e Deserta ao Infante D. Henri-
“jue, por Carta passada em Cintra a 26 de Setembro
«de 1433 (2); € nO amno seguinte, por Carta datada de
‘Santarem aos 26 de Outubro, cedeo o Espiritual das
(1) Faria, Asia Portugueza, no lugar ja citado— Goes, Chronica
do Principe D, Joio, Capitulo 8.°——Galvio, Tratado dos Descobri-
™entos, pag. 22 —Soares da Silva, Memorias de D. Jofo I., tomo
1, capitulo 83 — Barres, Deeada 1.2, L.° 1.°, Capitulo 4.°
(2) Provas 4 Historia Genealogica , tomo 1.°, pag. 442.
il
84
‘te em huma caverna, que ficava debaixo de huns pe-
nedos, onde se defendérao bom espago, que durou 2
briga, 4 custa de algumas feridas dos seus, e de huma
que hum dos mogos tambem recebeo; sendo este o
primeiro sangue Portuguez, que se derramou naque’
- barbara Regifo; e vendo os dous, que nao thes éra
possivel forcar a entrada Gn grates voltdrao para os
navios, onde chegérao na manha sepuinte.
«Com esta noticia a Affonso Gongalves: com:
gente bem armada em
€ dos Mouros.,: de que 36
-achou algum miseravel despojo, que por temor abando-
ndrao na caverna; e recolhendo-se aos navios, sahio da
- quella Baliia, a que deo c nome de Angra dos :
© proseguio o seu descobrimento parao Sul.
_ » Havendo navegado outras quarenta milhas, vio.
hum Rio, que entrava pela terra na direccio de N.EY
(he o mesmo Rio do Ouro, de que adiante fallarei) ,
e tinha na bocca huma Ilhota de aréa, em que havia
‘tanta multidao de lobos marinhos , que os Portuguezes
»os avalidrao em cinco mil, e eigenen eee
aproveitar as pelles, que naquelles tempo: o
Smates no Commercio, Affonso Goncalves , cnet todo
-© custo queria levar ao Infante algum natural daquel-
les Paizes, nao se contentando de interesses mercantis ,
-seguio: quarenta leguas mais avante ,.e ch va ho-
ma ponta, a que deo nome de Pedra da Galé (1),
Ja. similhanga gue se lhe figurou ter com huma Gale,
achou humas redes de pescadores, que parecia@o ser
feitas das fibras de alguma arvore, e na esperane:
Some -algum habitante, desembarcou varias vezes na-
quella Costa; mas nado achando o que buscava, e tem
ja 0s mantimentos gastos, voltou para Portugal (2).
+a
7
ms (1). Situada em 21° go! de Lat. N., ¢ 1° 8" de Lerg: . ;
(2) Esta relacdo be tirada de Jodo de Barros, de Faria © Sousa, de
od
1437 — No fim do anno de 1435, 0 Infante D.
Fernando (0 mais moco dos Filhos d’EIRei D. Jogo
I.) parecendo-lhe que as rendas que possuia da Atou-
guia, Salvaterra, e Mestrado de Aviz , nao ero suffi-
cientes para sustentar a sua Dignidade , comparadas
com as dos Infantes seus irmZos, pedio licenca a El-
Rei D. Duarte para sahir do Reino (1), e ir servir a
outro mais poderoso Monarcha , onde podesse ganhar
honras, e Estados, que em Portugal, pela sua peque-
nez , nunca obteria.
Ficou ElRei descontente de similhante proposta ,
e procurando convence-lo com boas razSes, que nao
aproveitardo,. rogou ao Infante D. Henrique o persua-
disse a pér de parte aquelles pensamentos. Mas este
Principe , affeigoado por extremo ao plano de conquis-
tas na Barberia, imaginado por seu Grande Pai, con-
fessou-lhe que era da mesma opiniao do Infante D.
Fernando; e pedio-lhe ao mesmo tempo licenga para
com elle passar 4 Africa, levando os seus criados, e os
Cavalleiros das Ordens de Christo, e de Aviz, de que
erdo Grao-Mestres (2).
A resistencia que ElRei opréz por algum tempo
4 vontade de seus irmaos, foi vencida logo que o In-
fante D. Henrique teve a arte de interessar neste pro-
jecto a: decisiva influencia da Rainha' D. Leonor; e hu-
, ma yez approvada 4 expedicao, tratou-se dos prepara-
tivos necessarios. Combinou E]Rei com os dous Infan-
: . : , }
José Soares da Silva, e da Chronica do Principe D, Jojo, nos lugares
ja citados, :
C1) Vede Ruy de Pina, Chronica dEfRet D. Luarte, Capitulo
30, e© seguintes-— Acenheiro, Chronica dElRei.-D.. Jodo: 3. — Soates
da Silva, tomo 1.°, Capitulo 75. :
(2) Duarte Nunes de Leio, na Chronica de D. Duarte, Cap.° 6.,
diz que o Infante D. Henrique era Guem movia seu itwdo a fazer es-
tes requerimentos a ElRei, pelo muito que desejava: fazer alguma cau
Guista na Africa oo 7
86
tes, 4 0 sialon constaria_de quatro mil caval-
“108 y rove mil e quinhentos Infantes, € quinhentos
Gihchaes (1). Manddrao-se afretar navios aos Portos
- de Hespanha, Inglaterra, Alemanha, ¢ Flandres, e fi-
-erdo-se aprovisionamentos de armas, viveres , e muni-
a re “para cuj. es mpegs "ElRei Cortes em
vora a Is. e Abril de 1436, e nellas obteve hum
» donativo, “que nfo foi pago sem murmuragées,, toss
Bred get tinha por unicos defensores os dous
ntes, ,
rs Os Fidalgos, que E/Rei_ nomeou pare -l er
otencentes 4 sua Casa , foro: O Conde de A
frais rt mal ue hia por Condestavel ; 0
zie Sp breu; o Marechal Vasco.
Seater cy “0 Meirinho Mor Joao Redri gue Cou
~nho, seu irmio; Se timer ° me
Ruy Gomes daSilva’
-Martim Vaz da Cu
jrmZo Ruy Dias de Sousa: 3 Lionel de Lima } Jodo
“Falcio’, D. Duarte, Senhor de Braganga, e Pedro Ro-
“tari ‘de Castro, Da Casa do Infante Ds
yD Heruinio de Castro, Governador da
“sa. , com: dous filhos, D. Alvaro, eDe
astra 508 quatro filhos de Dy Alvaro Pires de.
‘Pedro; D. Alvaro, D. Fernando, e Dv
cor ; Ruy de Sousa , Alcaide Mor de Marvao, e€
iro ii Rodrig es dé Sousa; rd Alvare
3, Ruy » que depois foi Almirante;
Tavares; Paio —— de > e =
> ) Ooumesnio Escritor ° 7,, acrescenta
opm a ‘deve entender Drei
guerra, ane comboiavio os ‘transportes; mas parece-ine V pete
gente de marinhagem,
zl
82
tos Commendadores; e¢ Cavalleiros da Ordem de Chris-
to, © outras pessoas nobres, O Infante D, Fernando le-
vou os seus criados, e os Commendadores: da Ordem
de Aviz; e além destes, outros que se offerecérao , coe
mo Ferniao de Sousa, e Joso Telles da Casa do Infan-
te D. Pedro; e Alvaro de Freitas, e Joao Fogaca da
Casa do Infante D. Joao.
Neste tempo, sabendo ElRei que os Infantes D,
Pedro, e D. Joao, e o Conde de Barcellos se queixa-
vao de nao terem sido consultados em negocio de tan
ta importancia, os chamou -ao Conselho em Leiria. no
mez de Agosto de 1436, e expondo-lhes a materia,
com a decjaracdo de estar ja approvada a expedicdo,
undo somente por muita fae dos do seu Conselbo,
mas ainda pelos seus Confessores ,.votarao apesar
disso contra ella os dous Infantes com grande espirito,
e erudicdo; e o Conde de Barcellos seguio a mesma
opinido. Tudo porém foi baldado, e ElRei proseguio
nos preparativos, dos quaes se fazido huns no Porto,
onde o Conde de Arraiolos teve ordem de embarcar
com as tropas das Provincias do Norte; e os outros em
Lisboa, para onde elle foi assistir passada a Festa da
Pascoa deste anno de 1437, a fim de dar mais calor 4
empresa, que os dous Infantes promovido zelosamente.
A 17 de Agesto foi ElRei 4 Sé acompanhado de
toda a Corte, e com grande solemnidade se benzeo o
Estandarte Real , que Jevado em Procissdo 4 Nao Ca-
pitanea, se entregou alli ao Infante D. Henrique, fi-
cando E]Rei a bordo aquelle dia ccm os Infantes; ‘e &
Armada mudou o ancoradouro para Eelem. Oo
A 22 voltcu ElRei a bordo da Capitanea a dese
dir-se de seus Irmaos, e entregou ao Infante D.
Henrique hum Regimento escrito do seu proprio pu-
nho ,o qual, copiado fietmente da Chronica deste M
narcha , he como se segue:
92 Ten
5"
m r
. ff
c m2
a
et
i
w
; — | :
i.
| “ . ;
‘ ’ i i = r -
Ui ~4 ,
‘ ‘
1,
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ri
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89
nom poderdes tomaar, nom estces mais sobr’elle dia,
ou ora ,.e recolhee-vos:logo com toda a vossa gente 4a
frota, e vinde-vos a Cepta, onde me esperarees atee
ho Margo que vem; porque, prasendo a Dcos, entom
hyrey com quantos ha em meus Regnos (1). »»
~ OQ Infante D. Henrique,.lendo o Regimento, pré-
metteo cumpri-lo; e.a Armada fez-se logo a véla cotn
bom vento. A 27 chegou a Ceuta, que ainda: governa-
va ‘o Conde D. Pedro de Menezes, e alli estava ja_o
Conde de Arraiolos com a Esquadra do.Porto, Passan-
do o Infante mostra ao Exercito, achou quasi seis mil
homens, metade Infantaria, faltando-lhe oito mil pa-
ra o numero que deyeria levar. Concorreo para este in-
cidente a repugnancia do Povo para a expedicao, a fal-
ta de dinheiro, e a dos navios afretados nos Portos es-
trangeiros, que nao vierdo, os de Flandres, e Alema-
nha por motivos de guerra, ¢ os de Hespanha por ob-
staculos da parte do Governo Castelhano. Parece, que
o Infante tinha sahido de Portugal com a esperanca
de que chegarido ainda a tempo as embarcacées afre-
tadas, ou talvez confiado em que lhe bastavdo aquellas
tropas para a conquista de Tanger; porque este Prin-
cipe era de espirito guerreiro, e nao cedia em auda-
cia anenhum do seu seculo. Assim, contra a opinido
. f
Ci} Estas judiciosas Instrucqdes mostrio, que ElRei queria preve-
nir o desastre que aconteceo, e de certo nao acanteceria se fossem
executadas, Como Zald-Eenzala era Senhor de Tanger, Arzilla, @ Alca-
cer, ordenava E]Rei ao Infante , que mandasse bloguear por mar as
duas ultimas Pracas, para que aquelle Regulo nao tirasse reforgos com
gue augmentar a guarnicdo de Tanger: ¢ antevendo igualmente, que
dilatando-se 0 cerco, acudiriio a elle todas as forcas de Fez, e Mare
rocos , determinava hutn praso sufficiente para se ganhar a Cidade; ou,
conhecida a impossibilidade da empresa, embarcar o Exercito a salvo,
_© que nao poderia deixar de realizar-se, construindo as Linhas de me-
do, gue tivesse segura communicagéo com a Armada. A desgraca quiz ,
gue nada disto se executasse, |
12
90
de quasi todo o seu Conselho, que votava se partici-
frettuge ElRei o verdadeiro aie das coisas, © se es-
eeeee a suas ordens , determinou elle proseguir a
Partio para Tanger com os navios o Infante D.
o, eno dia 9 de Setembro marchou por terra
0 Mndicite tomando o caminho de Tetudo, por nio
ser possivel forgar a pa m da serra dos Monos, ou
‘Buthdes , cujos agres setbdbbanece Opposerdo: a mais
‘desesperada iat a hum destacamento de mil ho-
oC poesia Jodo Pereira tentou reconhecer os s' pas-
SOS (If). |
fi ¥ ini
a) SEA no tomo 6.° bs ats Cane
Pi 4 tele de Portugal , faz desta marcha do Exercito
Ceuta ma estranha nareacdo ; eis-aqui as suas palay
a9 d S=serERO, partirao oats vas de Ceuta, p
ae
a
ia SO owiks ste
v 0 olos a
o centro., e os Infantes cobrindo a re~
: rater. a Tanger, desembarcitéo as. tro-
Tanger nfo tem excelhor,
$92
_. Era Senhor, e Governador desta ‘Praca’, huma
_das melhores de Africa, Zald-Benzald, que tinha sete
amil homens de guarnigio, em que entravao Granadi-
_nos afamados Bésteiros , ¢ estaya resoluto a defender-se
-até 4 ultima extremidade, confiado nos poderosos soc-
Dy ink OM FSPETANae wosseer SAM OF
_ |, No momento em que o Exercito Portuguez toma-
ya posigdo, espalliou-se voz de que os Mouros desam-
-paravao a, Cidade; e como facilmente se cré o que se
deseja, correo muita gente de pe e de cavallo a inves-
tir as portas de que forao rechagados com. perda pelos
defensores. ;
_. ‘Gastou o Infante D. Henrique até ao dia 20 em
-fortificar 0 seu Campo com hum entrincheiramento, a
ue se davya entéo o nome de Palanque, e¢ em desem-
-barcar viveres, artilharia, € munigdes; e neste mesmo
“dia se deo o primeiro assalro 4 Praga em cinco pontos
“ao mesmo tempo, conduzindo elle em pessoa dss doe
_ataques; porém os meios de expugnagao acharao-se in-
feriores 4 empresa, porque apenas existido quatro es-
‘cadas, € essas tao curtas, que nao chegavao aos para-
“peitos, © que mostra a ignorancia, ou malicia das pes-
sOas a quem se encarregou a factura dos petrechos.
-licos. sles forio os Portuguezes rechacados, depois
‘de longos, e inuteis ont ae com perda de alguns
“mortos, e de quinhentos feridos, tanto na escalada,
_como no inyestimento das portas, que os Mouros ti-
nhao murado por dentro.
; Conheceo tambem o Infante por experiencia’,
a artilheria das suas baterias, por ser de pequeno ca!
‘molhe 5 que os Inglezes e+ arruinirio com minas quando abandonarSo
-aguella Pray 8 pede que vosrio do molhe , intilisrio © fundo
pat Vizinhancas da Cidade, Homa milha a Oeste da povta de Tanger
end peguenn Ease ¢ Rio Tie Jodeia «onde cebonaea an
94
-\°O diaz de Outubro foi de maior perigo para os
copes Marcharao os Mouros oda a Hm: seu
Exercito contra os entrincheiramentos, sahio o Infante
para !hes dar batalha formado em duas linhas, de que
elle conduzia a segunda, e vendo-os firmes, como
niio querizo combater, pédz em movimento a divisdo
da esquerda da primeira linha, que era a mais forte,
a qual ganhou huma altura, que cobria o flanco dos
Mouros, ¢ estava guarnecida com muita gente; e avan-
gando-se ao» mesmo tempo da direita da primeira fi-
tha, recudrio os Mouros * aes e desordem ,
irgando com perda notayel as posigdes, que occupa-
vie Mas durante a acgao, eae da Praca huma sor-
tida contra o Campo, onde ficdra commandando Dio-
Lopes de Sousa , que repellio valorosamente os
ouros, eos fez recolher 4 Cidade. Deve-se confessar,
que o plano dos Mouros era bem combinado; porqu
poe ter'dos dous ataques, que tivesse feliz result:
struiria o nosso Exercito. — ohh ahr
» No dia §, achando-se reparadas as escadas, e
construido hum Forte de madeira, guarnecido de es-
pingardeiros , que se movia sobre rodas, para se empa-
relhar com as muralhas, e facilitar a escalada , expul-
sando dos parapeitos os sitiados, mandou o Infante dar
zundo assalro 4 Praga por hum lugar, em que as ba
$ tinhio arrazado o alto da muralha. Este ataque
foi dirigido por elle proprio, ficando o resto das tros
as debaixo de armas, commandadas pelo Infante D;
nando, o Conde de Arraiolos, e o Bispo de Evos
ra, para fazerem face ao Exercito Africano, se duran<
te a acolo quizesse investir as Linhas. Fart
O assalto foi tao infeliz, como o primeiro, e exs
gzre,emaccsenis gee ncocou ¢ mural, og
! imirio. com daimno, dos r
subiiio , rs fis seairee @ pode ser, oun Laas
a
96
‘mentos, resolveo o Infante D. Henrique forgar de noi-
te a passagem para as praias de Porto dos Judeos, que
os Mouros interceptav30, e recolher-se 4s suas embar-
cagdes com os que podessem romper; mas ¢
para elles o Padre im Vieira, seu Capellao, ref
¢irao de maneira os postos, que se julgou impossi
abrir-caminho para o mar. Entio os Mouros offerecé-
a0 a0 Infante deixar embarcar as tropas, ficando-lhes
a elles o resto da artilharia, as armas, cayallos, ten-
das, e mais bagagens, sahindo os oe
zes sé com os seus vestidos; e entregando-se-lhes Ce
ta com todos os cativos nella existentes. : onto
~ Quando. se comegava a negociar sobre estas ba-
ses, como o Exercito Mahometano se compunha de
Negdes varias, conduzidas por Chefes independentes,
aos quaes nao agradava o Tratado, rompeérao estes as
4reguas, e os Portuguezes tiverio que resistir com o sea
sostumado valor a hum furioso assalto, que :
te horas, e em que os inimigos forao repellidos com
Qrande estrago. — yl SD
Neste aperto, determinou o Infante reduzir a me-
yor ambito © seu entrincheiramento, que era muito ex-
tenso para tao pouca gente, e aproxima-lo,do mat, @
que se fez em huma noite, cobrindo-se com huma no-
va trincheira, melhor que a antiga; operac’o a que os
ros se nao opposerdo, contentando-se com occu
par em forca o caminho da marinha, e guardar os pa-
gos visinhos, do Campo, no qual ja se comiao os ca
vallos, e bestas de carga, e ja morria alguma gente.
sede ; ue dentro das Linhas havia hum unico po-
> que ni @ chegaya para dar de beber a cem homens;
Je. mancita, que se nao tivessem.cahido algumas.chu-
vas, todos teriao ot oe owl
| ‘ie Renovou-se finalmente o Tratado, acrescentando:
abt
que, haveria paz por cem annos entre Porty 73)
‘cerco, foi a Arzilla, onde. tentou inu
oe — negociagt ieee satan do
2
Paso SERA: oon
rian oan
rade. Sa
com. elle,
vgs mtr a
4 "I | Reinado ial BD. Afons noe
lad Th i a 7h u) z |
/ a ha subio a0 Throne. com,
ae le , € comecou a governar aos qua-
Seat ie - Leonor, sua nh paren? Cea
To a on 5 passou e& hum, mod pouc
2 nei 5 © esta. mudanga,. aind
'w r’
Lh mize : dos as ear ay.
‘stas discordias embaragarao por alguns
yuirnento das uteis. apa ae
ao
ia 3
Fae a 1 Cat =m, hum m nayio
| es OES penance
ae
IJ “lo Of,
a. Nag -3)
mare sure droge
pot Sirs ath = pare 2 mv Meokty
ey gubcn 209 pm, | Fat A. ble! i? 6'
1. . ° 6.— ,
Ris , Gn a ° +,, Cap. 6. Sore de
Mendas,, ot cet ad copii vugal
sta pal -e chegando a hum Cabo, aique c
yt ei (1), em razdo, da-cér. do terre
cue misiicved vour Mngwm Vs wos . VINE
Fv te oer He eter nead pap 0
7
eins Peipeigiae Aree gre lhe
106)
ser
-
vy
-
—
rdquella Ci-
D. Hearigde ;
| rote:
Camara, ¢ a quem dera o Al
das de Arguim), por levarem informagées de que ‘po-’
Seti alll Razer bee ‘aresa‘ntoe"Abnirees 06 Pe <
ha,
(1) Vede Barros, Decada 1., L.° 1,, Cap. 8. — Soares da Silva,
as etc., tomo 3. , Cap. 84 —Faria, tomo }., Parte ts, ©
tomo j. no fim. — a do Principe D, Joao, ° 85 onde.
esta Viagem no anno de 144}. — Galvio, pag. apr = pe
108
$soas if
communicou ao Infante. Achava-se com este, no me-
contente a Portugal
mesma commissio. Para segurar desta vez a viagem,
SEH
¢4o Velba , endescicn 4 Itha © nome daquelle Archan-
jo, ¢ examinando-a o melhor que péde, veio informar
de tudo ao Infante, que lhe deo a Capitania della,
conservando ao mesmo tempo a que ja possuia de San-
ta Maria. Estas duas Ihas tomdrao o nome de Ilhas
dos Acores, pelos muitos que se achirio nos densos
bosques, que as cobriado, e depois se fez commum éste
nome 4s outras daquelle grupo, Parece que S. Migue
‘osperou em breve tem ue no anno de 1447
Feo ElRei D. Affonso 439 SO erie Oo nivileniel
de nfo 5 ae dizima dos productos, que trouxessem
(1) Vede a Historia Insulana, desde 0: Livro 5.° até ao Livro 9.4,
“Faria, Asia Portugueza, tomos 1.°, € 3.° nos Jugares ja citados —
Soares da Silv Memorias de D. Jojo I., tomo r., Capitulos 90; o@
~—Damigo de Goes, Chronica do Principe D. Joao, Capirulos 8, €
>) pag. 2 » tomo 1., LY a., Cap.* 2.— Anno Hine
“tre if
ro m
Es io Boy destino
assados 200s indo ae
sub am ii
me
pelo frondoso arvoredo, queo cobriay evendo ode
alem delle, se encurvava ‘muito para rendoge ster
eae o vento lhe ficava pontei-
ro ‘pata’ continuat’: 'o sew ecimento, ancorou em’
hiéens Ilhota proxima do onde matou muitas Ca-!
bras, que lhe servirao de refresco, e deixando nella ar="
vorada huma Cruz de pao, regressou a Portugal, onde’
= recebido pelo Infante com aquellas honras e mer=
» que elle costumava a fazer aos que tao bem st Ber
ce a . of
T1445 — Neste anno mandou o Infante a Gougato ics
de Cintra (1), seu Escudeiro, e homem valeroso, pe
Commandante de kia navio, para continuar os desco~
brimentos, o qual indo em demanda de Cabo Branco, -
para’ passar 4 Ilha de Arguim, em que hum Moura
ak @); mig fevaya: t 3 iuterprete, the pees
Re i oclil A Anicd{'s'th, fonda pt
oss Secale do Continente para Ozsre mais de cinco ——
do a sua menor largura ong ag pli gtppetmagy Bets: |
| que amio as Mamas, es servem, isliseapecit 9 os
oe me ‘ca pequenas ik: anil hy >
dos pita com Em huma dellas desembarcou Diniz Peaetdes se he cere
to, que o fez em huma Alhota que esta pegada no Cabo, éomo die |
Parros ; mas eu + gre » que elle desembarcou ie Shei oe aaa
teim abrigo, e fica sd distante delle cousa de duas leguas, 7
(1). ede Faria ¢ Sousa, Asia Portugueza, tomo 1. no
res da Silva mas Memorias de D, Joio J., tomo 1., cap.” 84-
ros , Decada 1.4% (L.° 145 Cap.® Lee Sam pag. 24 — Goes, Guosit
aenccaate D. Salo s ao 4, si enloeh, sth alana hea
wow Piha igheslhebonatiens chamavéo Azenegues sos Povos,
bbitrdo da marge do Ro Senegal para © Nore, 8 Os quaes”
Ser hua raga mixta de Arabes , cee Inabceeesuy UCI
i +
: ) ‘seguinte , navegardo & vise
sb vole? que he buts sombreada de eae
e'frontoso :arvoredo até om gt ao Leet
sanieoaechyot secmette hum dentro ;
sado wva/ Costa she habitada
nos, e€ Serreres , todos seers Fi
be —e su ines algum.:
‘sup i a “4 Sober
Nolle , dues Coravelas., a qneve iin
sete! Rash as Caravelas. da. primeira v agen
Best nia pode adutliel
Mra elle di ais) fic bw denie” seguatas> nea
| be Set , eee 4445, fer armar,
et
4 a
124
o sees a idea em que estavao os
sist eee ta ges aod Daa alguma grande Povoagio.
» €m que acharido muito oure, man-
Midoteitabecdio. Wigs avela pequena, acomnpantiad®:
pee om outras das = pam embarca
= e e agua dentro dos bancos sure
oO. as vordens que levava, ee
ue achdrdo sempre > mais de cinco.
bape oboe gee Rio dava sits woltae
“als Lm row Qe 1 >}a
, traidores , srl tudo os da m
Dea, armas , ¢ leis sio as mesmas dos J:
edondas. O Rio he abundante de peixe , stem muta
em saa eared, coe ye ae exten-
sio;,¢ ao longo eral le pice gy Pippin
ts mutes | aH. PETe sO £8, Gants bufalos, antas, » © Ou
pimaes S40 em. HuMe©ro excessivo, —
ar, em. que os Portuguezes fazifo oseu comt
ini gar, em any Sate damn a
nant Re fees os Negros transportayo pela tetra dentro a lon
Os Portuguezes avao deste Rio
godin em rama, e tecidos, cera, m marfim , © de ferro
que levavio a vender ao Rio Recagpadapenten:
bem ouro mui fino em ps, ¢ pe cee
Seite Maslinais Wiis cateress ‘ote Catia ‘a foc 5a a s de
cobre, em Caravanas de tres mil homens armados 5 ppm
mezes na jornada, © julgava-se que hido ao. Reine de
mno de 1578 trouxe huma Caravana cinco arrobas,
cua ow, se as explicow, fo!’ matinee Sale
warnDagyy my it Lusitana , tomo 1
=
126
vs fe “fi vader de Antonio de
hunt + Os seus’
, © ferid Portuguezes. Vena
do-se os Negro to mal rhateeaeatles hi afastdrao-se aren
investir pel popa a Caravela peque
cos hometis, € esses mal armados ,
perto, a que " dcudio ‘Cadamosto; que a sqcollies Miata
das Outras 5 e como seu fogo obrigou os Negros a po:
apes po 1p BQOT \7%, .onted
ella, patente bie cian de iene de or eng
tra (1); © por meio de signaes, e exhorta : teed
pol pean “diligencidrao attrahir os Negros a_
Veio ‘com effeito huma Atmadia 4 falla, e propondo-
seelhe paz, e commercio, respondérao 0s | mt pen
Fs sabido © que se havia ‘passado no et
ortuguezes c carne humana; e
fim compravao os Negros, e por isso donee
‘zade com elles, antes os matarido a todos 3 se
levariao o jo ao seu Rei, que assistia dalli_
jornadas, Neste istante, refrescando p vento,”
as Caravelas sobre as Almadias, que fugirao pata terra,
__ Cadamosto , e as principaes pessoas daquella expe=
digio, queriao ro o descobrimento do Rio, ¢
ja sabido ser 0 bia, porém os marinheiros i
1% #2
A, Vine por esta pensgém , © por outras muitas ‘a
Gale a2 hz in a oadene Xo Sgeadic rp ticiam wae =
os. ‘incipior dette 2 seculo hum Offizial 1 tnghl poe
, constrain ds exestieates cadéas ae frau a a wi
Seitnuitouaeniiiners. 7 ove
il
129
o Norte, e Ihes pareceo verem para o Sul a modo de
outras; assim as Ilhas agora descobertas erdo quatro.
Desta primeira Ilha se dirigirdo as Caravelas dg
Ottras duas, que nao ficavdo tanto a sotavento da der-
rota, que devido seguir para a sua commissdo, e ro-
deando huma dellas, que parecia cheia de arvoredo,
descobrirao a boca de hum Rio, que julgarao seria de
boa agua, e surgirdo para se proverem della. Aqui des-
embarcarao alguns homens da Caravela, e caminhando
la margem do Rio, achdrdo algumas lagoas de excel-
Jente sal; daqui embarcdrfo muito, e os navios reno
v4r3e a sua aguada. Colheo-se quantidade de grandes
tartarugas , Cuja carne era tao branca, como a de vitel-
la, e de optimo gosto, e por isso salgdr3o muitas para.
a viasem ; e o peixe era innumeravel, algum de espe
cies novas, e muito saboroso. O Rio tinha de largo
hum tiro de seta, e podia entrar nelle qualquer em-
barcacao de 75 toneladas. Nesta Ilha se demordrdo
dous dias, matando infinitos pombos, e puzerdo o no-
me de Boa Vista 4 primeira que descobrirao; e a esta
segunda o de S. Tiago, por ter ancorado nella dia de
S. Filippe , e $. Tiago (1).
Partirao as Caravelas na volta de Cabo Verde,
€ em poucos dias avistarao terra em hum lugar chamae
(1) Acho aqui huma contradicc3o manifesta; Cadamosto conta,
que sahio de Lagos no principio do mex de Maio, e que deo o nome de
S. Tiago a esta Ilha, per haver ancorado nella no-dia de S. Filippe, e
S. Tiago, que he justamente no primeiro daqnelle mez. Creio por tanto
haver erro de impressio, on de copista na data da sua sahida de Lagos,
escrevendo-se Maio em lugar de Abril, Concorda isto com a narracio
de Goes (Chronica do Principe D, Joio, Cap.° 8.°, em que colloca esta
Viagem no anno de 1445), onde diz: Desta vex descobrirao estes Cae
valleires as Ibhas de Cabo Werde , levando dexcseis dias de viagems e @
primeira gue virdo chamardo da Boa Vista, ¢ a outra S, Filippe, por
chegarem a ella no 1.° de Maio; ed terceira chamardo do Maio pela
IDESIUNA TALEO,
17°
131 ~
tc de cincoenta milhas da foz; e aqui a largura do Rio
nao chegava a huma milha, e era o ponto mais estrei-
to delle, em que desaguavao muitas ribeiras. Surtas as
Caravelas , mandou-se com hum dos interpretes 0 mes-
mo Negro a Battimansa, coi hum presente, e propo-
‘sic¢des em nome d@’ ElRei de Portugal, para estabelecer
boa amizade, e correspondencia commercial , 0 que 0
Regulo acccitou , e por seu mandado vierao Negros
a bordo, com quem os Portuguezes vantajyosamente tro-
cardo grande somma dos generos, que levavao, por ¢s-
cravos, e huma boa porcao de ouro, ainda que inferior
4 quantidade que desejavao. FE havendo-se demorado
onze dias, como a gente comegou a adoecer de febres
agudas, se fizerao 4 vela.
Segundo as poucas noticias, que podérao obter, al-
guns destes Negros sio Mahometanos, outros Idolatras;
€ os seus costumes, e governo similhantes ao do Sene-
gal, porém vestem-se melhor. As suas Almadias nao
tem vélas, nem tofetes; os remeiros vao em pé, remane
do com humas pds quasi redondas, fazendo o ponto
de apoio em huma das maos, e na popa vai hum ho-
mem tambem governando com huma pa. Como estas
embarcagdes s4o0 muito €streitas, e mergulhao pouco ,
movem-se com eXxtraordinaria rapidez. Neste Rio faz
mator calor, que no mar, por causa do alto arvoredo,
que assombra as suas margens, Onde se-achdo arvores
10 corpulentas , que se medio huma, nZo das maiores,
e tinha no pé cento e setenta palmos de circumferen-
cia. S40 muitos os elefantes, que cria este Paiz, os quaes
os Negres nao sabem domesticar, e os matae com aza-
gaias, @ setas hervadas; ede hum pequeno, que elles
matdrao nesta occasiao (qué teria tanta carne, como
cinco, Ou seis touros) trouxe Cadamosto ao Infante
hum pé, e parte da tromba salgada , com hum dente
de outro grande, que tinha doze palmos de comprido;
17 ul
132
cujo presente o Infante estimou sobremaneira, ¢ man
dou tudo 4 Duqueza de Borgonha, Ha methane
Si muitos cavallos marinhos, e infinito peixe. |
Preity wy do Rio, navegario a Oeste para se afas~
s aber ae. » que co = "lien? e depois continud=
0 20 navegando ia, com vigias, ©
eg véla, Feet fundo todas as noites, As PS teat
huma na esteira da outra, e cada dia por escala’
tomava huma a Sere Ao terceiro dia virao hune
Rio (2), oe — Fieh meia railba 5 e a
pactee a tomar res da terra, 3 as. quaes cohiaias com
a noticia, de que este Rio se chamava de Casamansa,
nome do Senhor daquelle Paiz, que habitaya cousa de
sete sete. legen elle acima, e ndo se achava entao alli,
por haver ido 4 guerra: por esta causa se partirao no
dia seguinte, awaliando a distancia do Rio ao Gea
em setenta e cinco milhas (3).
«2, Pace ue sta © Rib dS, Pao, oito ou nove gi
ee Devia ser 0 Rio de Santa Anna, ou a boca do Norte do Rios
tay Sven em same mervens Sul do, Rls de Baten:
aaah. io de Casamansa esta situado (a ponta do Norte) na latie
Soe A a8 An raps dtd 30’, e dista do Gambia
milbas , nae grea nea. Podem entra nelle embarcacées medias
nas e tem dias milhas de hs e.de tres a quatro bracas -
ed erties De mia be guarnecida de re
banda do Norte da sua entra
sh pee cha dos Mosquitos Este Rio
com o Gambia, por quatro, ou cinco com © de-
Gecko Misia’ tas entee ale v a Gosbie os Arriates, ¢ Falupos,
133
Continuando a sua viagem , virdo mais adiante
cousa de quinze milhas hum Cabo, cujo terreno era.
mais alto, e avermelhado, e por isso lhe puzerzo o
nome de Cabo Roxo (1); e além delle achardo outro
Rio, que lhes pareceo ter de largura hum tiro de bés-
ta, e denomindrao Rio de Santa Anna; e mais adiante
outro da mesma grandeza, a que chamarao de S. Dos
mingos (2); de Cabo Roxo a este ultimo Rio arbitr4-
rao a distancia em quarenta e cinco milhas, pouco mais
ou menos. .
Continuando a seguir a Costa por outra singradu-
ra, chegdrao 4 boca de hum grandissimo Rio, que pri=
meiro cuidarao ser hum golfo (3), cuja largura reputd-
rao ser de mais de quinze milhas; e dobrando a ponta
de Sul da sua foz, descobrirdo algumas Ilhas ao mar’;
e desejando saber algumas noticias do Paiz, derao fun-
do. No dia seguinte vierao duas Almadias, huma mui»
to grande com trinta Negros, e outra com dezeseis, e
Negros mui azevichados, e bocaes, que cultivio arroz, milho, e outros
mantimentos, e muito gado, e sio bons pescadores; as.armas de que
usio, sdo frechas, e facas.
(1) Cabo Roxo esta siguado na latitude N. de 12° 17', e Jongitu-
de 1° 22’. A traduccdo diz Cabo Vermelho , mas eu nao adoptei este -
nome, por nao confundir este Cabo, que se acha hum pouco ao Sul da:
Bahia de Rufisco, em 14° 37' de latitude, e 0°56 de longitude, com.
© Cabo de que fallz aqui Cadamosto, o qual ainda conserva a denomi-.
nacao de Roxo,
(2) Passado Cabo Roxo, o primeiro Rio, a que Cadamosto cha-
mou de Santa Anna, he o Rio de S. Domingos, ou de Cacheo; e o
segundo, a que elle deo. este nome, he o-braco do Norte do Rio cha-
mado das Ancoras nas: Cartas Inglezas. Os Navegantes, gue seslhe se-
guirao, restituirio ao de Cacheo o seu verdadeiro nome ,. e esquectrio-
© de Santa Anna, Este Rio de Cacheo esta na latitude N, de 12°.35%.
e longitude 1° 23’,
(3) Talvez seria este Rio o braco do Sul do das Arcoras, ot ane-
tes o Rio de. Bissau, que pela curvatura da terra se figuraria a Cademass |
~ muita maior.
135
Pires em huma do Infante D. Pedro’, com instrucc&eg: -
ra entrarem no Rio do Quro, e darem principio 4
Introducg4o do Christianismo entre aquelles Povos, ou
estabelecerem algumas relagdes commerciaes. Mas co-
mo regeitérao humas e outras proposicdes , os tres.
Commandantes regressario para Portugal, trazendo sé
hum Mouro velho, que voluntariamente os quiz acom-)
anhar (e o Infante mandou restituir 4 sua patria), e
Pam Negro que comprarao. Aqui ficou entre os Barba-
ros hum Escudeiro por nome Joao Fernandes, com o
projecto de examinar o interior do Paiz habitado pelos
Azenegues, para informar depois o Infante do que vise.
se, ajustando com Antdo Goncalves a época em que:
havia cornar por elle.
1446 — Partio do Algarve Nuno Tristdo (1) por
Commandante de huma Caravcla, e desembarcando ao
Sul do Rio do Ouro, assaltou buma Aldéa, em que
cativou vinte pessoas; e com ellas vohtow a Portugal.
1446 —— Neste anno expedio o Infante (2) a An-
tio Goncalves por Commandante de tres Caravelas,
sendo os outros dous Garcia Mendes, e Diogo Affonso,
com ordem. de ir buscar Jofo Fernandes (por serenr
passados sete mezes que Ia estava), objecto este do seu
maior interesse, pelos desejos que tinha de saber por
elle noticias exactas daquelles Povos, e dos recursos:
commerciaes do Paiz, por ser homem que enteridia
bem o idioma dos Azenegues, -
Hum temporal espalhou. os navies, e Antae Gon-
salves foi o primeiro que chegou ao Cabo Branco, on-
de arvorou huma grande Cruz de pao, para servir ds
(1) Vede os Escritores actma citados, menos Galvio, que nio faz
Mencio desta pequena viagem.
(a) Vede Earros , Cap.? 10. — Soares da Silva, Cap.° 85. — Fae
Me Sousa nos mesmos lugares citados, onde pde esta viagem no an
Ode 1447. — Galvdo nao faz mencio della. '
147
geitado esta. honra em outfos Paizes depois de accdes,
sem comparacao mais importantes. Diniz Annes, tame
bem armado Cavalleiro nesta occasiZo , achando-se com
falra de viveres, partio com as suas tres Caravelas para
Portugal. So
Reunidas agora todas as Caravelas de Langarote,
poz elle em c.nsetho atacar a Itha de -Tider; e appro-
vado. o plano, destacou tres Caravelas, que de noite se
mettérao0 no canal, que separa aquella IIha do Conti-
nente , para-evitar a fuga dos Mouros; os quaes, ape-
zar disso, favorecidos das trévas, passdrao todos 4 tere
ra firme; e ao amanhecer, vendo que as Caravelas se
ueriZo retirar, Comegarao a dar-lhes grandes apupa-
as, o que ouvindo Diogo Gongalves, Mogo da Camas
va do Infante, que se achava em huma.dellas, convi-
dow a Pedro Alemao, natural de Lagos, para saltar
com elle em terna;-e tomando ambos algumas armas
offensivas , langdrao-se a nado. Os Moures, julgando
terido delles facil victoria, porque a praia era toda Ue
yasa salta, -Os-vierto receber 4 borda d’agua com tal
gritaria, que imcirados os da Caravela, saltdrdo logo ao
mar quantos, sabiao nadar , sendo os. primeires Gil Gone
calves; Escudeiro do Infante, e- Leonel Git, e -todoy
yantos accommettérao os Mouros tao corajosamente,
que doze. delles ficdrio sepulzados no: lodo, em que sé
mettérgo para embaracar aos Portuguezes de tomarem
pé no chao firme ; outros morrérao em terra pelejando;
e. cintoenta e sete vierdo catiyos para bordo. Nae. cons
tenres os Portuguezes desta victoria, marchdrdo no mess
mo dia a huma Aldea distante sete legoas, cuidando
achar nella os que havido escapado da acc4o, porém
tudo estava ja deserto,; e apenas colhérao cinco Mouse
fos em Outra correria, que fizerao no dia seguinte. °
Depois deste acontecimento, chamou Lancarote os
Commandantes da sua Esquadra, e lhes expoz que, se-
143
fos dos que cativdra. Com o sentimento deste mdo re-
sulrado , voltou para Portugal.
Entretanto os Commandantes das tres Caravelas
partirao de Cabo Branco com intengao de fazerem al-
gum desembarque na Ilha da Palma, eencontrando a
Caravela de Joao de Castilha, que se dirigia a Arguim,
persuadirdo a acompanha-los na sua premeditada ex-
pedicdo, no que elle consentio. A primeira Ilha a que
aportérao foi a Gomeira, onde os Capitaes Canareos
Piste, e Brucho, que a governayao , os recebér4o bem,
confessando-se por muito obrigados ao Infante do tem-
po que estiverao em Lisboa. Os Commandantes das
watro Caravelas, aproveitando-se da sua boa vontade,
the pedirdo auxilio para atacarem a Iha da Palma, da
qual os da Gomeira erao inimigos; e em consequencia
embarcdrao-se os dois Capitaes Canareos nas. Caravelag
com alguma gente sua, por fazerem servico ao Infan-
te. 3
Ao amanhecer surgirao os Portuguezes no Porta
da Palma, e desembarcarao logo. Os primeiros habi-
tantes , que encontrarao , forao huns pastores com mui-
to gado ovelhum, os quaes fugirao com elle por pe-
nhascos, e rochedos, que trepavao com extraordinaria
agilidade; mas seguidcs com igual presteza pelos da
Gomeira, e mesmo dos Portuguezes, de que alguns cahi-
rao, e hum se fez em pedacos. Neste perigoso alean-
ce se distinguio Diogo Gongalves, que ja se havia as-
signalado em Arguim. Aos pastores acudirao muitos
dos naturaes, que escudados com os penedos, faziao -ti-
ros de arremesso aos invasores, que por fim se retira-
rao com dezesete prisioneiros, em que entrava huma
anulher de estranha corpulencia.
Da Palma fordo as Caravelas desembarcar os dois
Capities da Gomeira no lugar em que os recebérao
a borda; e aqui Joao de Castillia teye a arte de per-
=
=
2 eD
Sta,
i tt?
ave. Rey ae
yx | Sine
al és Bella ce Rafsca,
ys a9
146
correo até ao Senegal, onde nao ouzou deter-se, por
- falta de armas, e viveres, c volrou a Portugal. Louren-
¢0 Pires veio ao Rio do Ouro: alli comprou hum Ne-
gro, e recebeo huma porgio de pelles de lobos marinhos,
que os Mouros lhe derao, dizendo, que se voltasse no
anno seguinte, terido para lhe vender. quantidade de es-
€rayos, € ouro em pd; e com isto se recolheu ao Reino.
» Langarote, Alvaro de Freitas, e Vicente Dias, con-
.servando-se unidos durante a tormenta, forao de com-
_mum acordo 4 Ilha de Tider, em que captivarao -cin-
coenta e nove pessoas, com que voltdrao a Portugal. —
~ ». Diniz Fernandes, e Palagano, que havendo-se extra-
-viado na viagem das quatorze Caravelas, i
do. em: conserva um do outro, quando chegéréo, a Ar
= Henin sone sdb sy es eriiabendee aa
_Ilhas, ‘e-em consequencia derermindrao hir ao Senegal,
»porque Diniz Fernandes j4 conhecia aquella Costa do
.tempo. que alli veio, Dobrando o Cabo Mirick parao
Sul (1): .e estando o tempo de calmaria, qui el-
les mandar alguem, que a nado fosse tomar terra; /€
examiaasse se naquellas proximidades existia alguma: Al-
deia; e@ posto que o mar andasse banzeiro, e¢ de ¢
des vagas, doze homens da Fusta de Palagano’ se
Yio a nado, levando armas offensivas, e ganhando a praia,
a fordo seguindo, até encontrarem doze Mouras, de; qu
captivardo nove, e com elles tornar20 ao breton
‘Mesino instante sobreveio tanto tempo, que a Festa
: vo > ot Sheil
e : wr =
mre SRG ae) os naar
Senta Aninw me oe me parece isto exactos porque’ Diniz F
| pa porg
ee)
y" Arguim’, cujas Ibas ficio ao Sul d'aquella porta,
ou de Santa Anna, situado na Lat. N, 2ac® 33‘, e Long. 1° a9 4
Ora_na posicgio em que estavio as duas Caravelas, sé tinhio que dobrar
w Cabo Mirick (caja Lat. sio 19° 17, ¢ a Long. 1° 20°) distant
de vinte, © cinco feguas’ao'Sul do Cabo de Santa Anna, ;para
40 Senegal. = vist > Tae a : Gain oa 7
i)
we
147
2 ' t .
cabrio, e encalhou na Costa, salvando-se a euarnicto ‘na
Caravela, que correndo com o vento, -chegou a Caba
Verde; e querendo Diniz Fernandes desembarcar, nad
pode , pelos Negros Ihe defenderem a praia com setas
thervadas. Aqui fez o tempo outra mudanga, de que
Diniz Fernandes se-servio para voltar:‘ao lugar do nau-
fragio. da Fusta, e como o casco ainda exi-tia, desem-
barcou: em terra com Pala,ano ¢ a sua melhor gente,
a fim de aproveitar o que podesse; e sahindo-lhe de ree
pente setenta Mouros detrds de huns montes de aréa,
onde os aguardavdo escondidos, férao de tal maneira re-
cebidos dos Portuguezes (suspeitosos da cidade). que a
maior parte alli morreo, escapando sd os que fugiriao.
Depois desta- accfo, que fez honra aos dois Comman-
dantes, se fez Diniz Fernandes 4 vela, e. chegou a Por-
tugal.a salvamento. oe oo
_Assim, de tantas embarcacdes, que “sahirao este
anno para esta expedicao sé se perdeo huma. Fusta.: ‘
1446—- Deo o Infante o commando de huma Cara-
vela a Nuno Trist?o (1), com ordem de passar 4lém
do Cabo dos Mastros, ultimo termo do descobrimento
de Alvaro Fernandes, o que elle executou, descobrindo
fhum. grande Rio, em cuja boca surgio; e mettendo-se
ma lancha com vinte e dous homens, em que entravao
©s principaes do navio, entrou com a maré pelo Rio a
Huscar alguma Povoacdo, e foi encontrar-s¢ com treze
Almadias guarnecidas de oitenta robustos Negros, que
© esperav4o em sitio apropriado, por tercm ja visto oO
Mavio, e a direccg4o que trazia a lancha.
Chegado Nuno Tristao-a certa distancia das Alma-
(1) Barros no luzar citado, Cap. 14 — Galvio pag. 24, pode esto
‘Viagem no anno de 1447 — Faria, nos lugares citados, a collocou n.
Tresmo anno de 1447 — O mesmo segue Soares da Silva, Cap, 388
~~ Gots Cap. 8.2, em 1446. . |
19 u
148
dias , notou que se dividido, e cuidou ser para fugirem,
8 suppondo combinagdo de ideas militares em gente
arbara; mas enganou-se, porque os Negros de open
apresentando-se-lhe na frente com uma diviséo da sua
esquadrilha, o atacdrao pela pdppa com a outra, cortan-
do-lhe ao mesmo tempo a retirada, e mettendo-o entre
dois fogos; e como |hes nao convinha abalroar a lancia,
conservaydo-se sempre a alcance das suas armas missivas,
lancando sobre elle huma chuva de setas hervadas. De-
balde Nuno Tristao fazia remar vigorosamente os mari-
nheiros para abordar jd huma , j4 outra Almadia, a fim
de escarmentar os Negros com a morte d’aquelles, a
quem podesse chegar: as Almadias, que manc :
com admiravel rapidez, evitavao o choque, e continua-
vao o mesmo genero de peleja. A vasante da maré veio
a tempo salvar a lancha, e ao favor della chegow Nue
no Trist@o a sua Caravela, com dezenove homens mor
tos, ou mortalmente feridos, em cujo numero entrog
elle, com Joao Corréa, Duarte de Hollanda, Estevao
de Almeida, e Diogo Machado, todos de distincto nas+
cimento, educados de meninos na Camara do Infante,
além de outros Escudeiros, e Criados seus; e para com~
pletar a desgraca, ao atracar a Jancha ao navio, es-
ee de modo com a ancora da roga, que morrérao
mais dois homens.
Tinhao ficado- unicamente na Caravela o seu Eseri-
vio Aires Pinoco, Moco da Camara do Infante, e qua=
tro grumetes; e cortando logo a amarra, se fizerao 4 ve=
la, e vierdo ter a Lagos no fim de dois mezes de hu-
pe a ea 4 téa, por nenhum delles saber dirigir a em-
reacao. Deste desastre ficou dquelle Rio o nome de
Nuno Tristéo. (1)
(1) O Rio de Nuno Tristdo esti ao Sul do Rio Grande, ma Lat.
N. 10.° 17%, ¢ Long. 4° 28', Este Rio he largo, ¢ rapido ma entrada,
150
vinte Negros. Alvaro Fernandes, nao querendo arrisea
as yidas dos"seus env hum desembarque ‘de viva forga,
gor assim lhe ser“muite ‘recommendado nas instruccde
do Infante, e'satisfeito” de*haver adiantado’os descobr
mentos d’aquella Costa mais, que os outros Navegantes,
régtessou a Portugal, onde recebeo “honras, ¢) mercés
tanto do Infante Di Henrique :)| como do Tnfante D.
dro, Regente do Reino: ve eS tae Ter
1446 — Neste anno’ partiréo de Lagos’ ape =
las (1), de que era ‘Commandante em Chef Gil An
nes, e os outros Commandantes Fernao Valarinho, mui
eo, Soho For parroe enterso Affonso, Tou
rengo Wias ,— ernandes 0, iogo Gongalves,
Gomes Pires, quasi t todos Criados do Infante, e outros.
Das Caravelas ‘pertencia huma ao Bispo do Al, arve, €
tres aos moradores de Lagos, Esta Esquadra ~
4 Ilha da Madeira, por ordem do Infante,
ber alguns viveres, e ajustar-se com outras duas 2 Cari
velas , huma de Tristao Vaz, e outra de Garcia Ho-
mem , genro de Toto Gongalves da Camara. 2
~ -Daqui foi 4 Gomeira entregar os Canareos, que
Joao de Castilha, e os outros Commandantes da sua
conserva haviio d’alli trazido, como jé se disse. Gil Ane
nes quiz aproveitar-se do auxilio destes Canareos , -
dar um assalto na Ilha da Palma, 40 ue no produzio
© effsito que esperava, pela vigilancia os habcunaaeaeD
as duas Caravelas da Madeira, que sé a isto vinhac
g nreg para a sua Ilha, Cabs
adra seguio a-sua derrota para ere
de, eee foi fasle feliz, porque os Negros se |
dido com vantagem a favor.dos bosques, de que o Paiz
he coberto; ¢ "de huma vez morrérao cinco Portuguezes
1) Barros Cap. ag ore nos lugares’ citados , colloca csta vie
Fn Sms, Silva segue o mesmo,
és
|
* &
= ——s seme
153
terra a Jodo Fernandes, e voltou para Portugal, tra-
gendo ao Infante o primeiro Le’o, que veio daquelle
Paiz , o qual Infante enviou de presenre a hum Fidal-
o Inglez seu amigo , que assistia no Principado de
Walles
1447 — A fama dos descobrimentos das novas Re-
gides , ¢ extranhos Povos, que os Porruguezcs successi-
vamente faziao, attrahia a Portugal muitos homens no-
taveis, curiosos de cousas 120 extraordinarjas ;, e entre
estes veio hum Gentil Homem di Camara d’EIRei de
Dinamarca, e por elle recommendado ao Infante; os
nossos Historiadores ihe chamZo Balart, corrompendo
talvez o-nome. Este Fidalgo ardia em desejos de via-
jar na Costa d’Africa, para examinar de perto as ma-
ravilhas, que entre os gelos da sua patria ouvia relatac
daquelles climas, em que as arvores nunca se despojao
da sua folhagem, © as producgdes da natureza 630 t0- -
talmente diversas. .
_ QO Infante maacou logo armar hum navio, cujo
commando déo a Fernao Affonso, Cavalleiro da Ordem
de Christo, que levava huma mensagem a0 Soberano
de Cabo Verde; e com elle se embarcou Balart, cuja
curlosidade obrigou Fernéo Affonso a fazer huma via-
gem costeira at¢ ao Cabo, para lhe ir mostrando tcdas
as Bahias, Portos, Rios, e Promontorios jd descober-
tos; € por esta causa, e por alguns ventos contrarios
gastou seis mezes na jornada. -
_ Chegando ao Cabo, logo que os Negros virfo a
navio, sahirao a reconhece-lo, em som de guerra, nas
suas Almadias; mas explicando-lhes os interpretes o
verdadeiro objecto da viagem, e informados dos presen-
tes destinados para o seu Principe, forao avisar o Go-
vernador da terra, por estar o Rei dalli oito jornadas
occupado em huma guerra no sertéo. Veio elle 4 praia
receber em ceremonia a Jodo Affonso, ¢ a Balarr; e
ZU
155
via ser conduzida por mar 4 Italia, mandou EIRei.
aprestar ftuma Ksquadra de duas grandes Ndos, cinco
mais pequenis, e duas Caravelas, além de dois trans-
partes, que sahird4o primeiro com familias, e trem dos:
passageiros, Os Commandantes das embarcacées, os:
seus Officiacs de Guerra, e de Mar, bem como os sol-
dados, e marinheiros forio escolhidos entre os melho-
res; e a artilheria, ¢ munigdcs de guerra erdo sufficien- ,
tes para qualquer occurrencia imprevista: as guarnigdes |
chegavao ao numero de tres mil homens, de que a Ca-:
pitania Jevava quinhentos. Nomeou ElRei para Con-.
ductor da Imperatriz,. e Capitao General de Mar e Tere ,
ra da Esquadra, durante. a sua viagem de ida, e volta, .
o Marquez de Valenga. As outras pessoas nomeadas:,
para.a acompanhar, além do Marquez, e dos Embai-
xadores do, lmperador,, erfo a Condega de. Villa Real, ,
com. muitas, Donas, e outras Criadas ; 0 Bispo.de Coim-,
hra,. Lapo,de Almeida, Lopo Vaz de Mello, Regedog,
das Justi as, Alvaro de-Sousa , Mordomo Mor, A ffon-
sa, de Miranda , iponies de Miranda, Gomes Freire,
Joao Freire, D> Diogo de Castello, Fernao da Silvei-,
ra.. Marrim_Maades de Berredo, e outros, muitos Ca-.
valleiros. ph > | ne.
A 25 de Outubro foi E]Rei 4 Sé coma Impera-;
triz,,a Familia Real, e toda a Corte; e-depois.de cer
Jebrados as Officios Divinos, a conduzio ao Cace.da Rie.
beira, dq qual sahia huma comprida ponte sobre toneis.
are 4 Capitania_, que ‘estava soberbamente adornada.
& Imperatriz ficou muitos dias a bordo, espérando ven-
to epportung, e em todos a visitou ElRei: e em hum.
delles, achando-se. assistido das pessoas do seu Conse-
Iho, vierao chamados 4 sua presénga os Commandan-
tes, e mais Officiaes da Esquadra, e alli derao novo ju-
ramento de.cumprir o que lhes fosse ordenado, ainda
com risco da sua vida, e mandou BilRei, sob pena de
20 ii |
156
morte , que todos obedecessem a quanto determinasse @
Capitao General.
No dia tz de Novembro sahio a Esquadra cons’
bom vento, acompanhando-a ElRei com algumas em-
barcacdes Ngeiras mais de huma legoa fora da barra.
Para evitar o perigo talvez de haver de continuo 2
bordo dos navios muitos fogdes accesos, regulou o Mar
uez de Valenca as horas is comer por esta maneira :
ho nascer do Sol jantavao os marinheiros; elle, os Fi-'
dalgos, e todos os Militares antes do meio dia; e a Frm’
peratriz , sua familia, e os Embaixadores ao meio
dia. As céas constavao de conservas ; e pao torrado
no forno., ou peixes pequenos salgados. A mesma or
dem se seguia em toda a Esquadra. ae ;
Navegou esta sempre com bom tempo até embow.
car o. Estreito.de Gibraltar, e¢ a2 22 surgio em Ceurs,
onde a. Imperatriz desembarcou, e se demorou alguns
dias., por vir incommodada do mar: a 29 partio com .
vento favoravel. Na Costa de Vafenga mandou o Mar-
quez: Huma. Caravela (talvez a Aficante) a buscar car=
nes, pio fresco, agua, e fructas, _ .
assow a Esquadra 4 vista de Malhorca, e a 6 de'
Dezembro entrou no Golfo. de Leao. Sahindo delle, soe
breveio-the vento contrario, com que se aproximoéu de
Marsellia, onde estavdo tres Ndos, e duas Galés de Pi-
ratas. A Hsquadra achava-se entdo dispersa,. mas reuni-
da por’ meio de stgnaes, atacou os Piratas, queimou-
Ihes huma das Ndos, metteo outra a pique, e tomou
outra, escapando. as duas Galés , em que os Piratas ti-
nhao recothide o mais precioso’ dos seus muitos roubos.
A Esquadra ancorou em Marsellia, e logo o Go-
vernador veio a bordo,. com as principaes’ pessoas, ¢€
hum presente de refrescos; e mostrando-se receoso 4
vista da grandeza dos navios:, e quantidade de tro
que levavao, perguntou de que Nagao erdo, € para on
158
oe jeg 2 oe
ibarcoin rar a ee “¢ zlogsb enn jtOyiarg 2 obey =)
0 145 8+=) No mn 3.45 457. vic a,Portugako Bispa, de
sh pe Lage
Guntioan
oes persuad
do | os: So hos. concorreriag, de-boa. f
5 Bibign dass Cin (tv Hake poles...
‘seu tio; para tratar aquelle tO, © pedir-lh
. owt ee vers d
carecesse; seremy ally mals: baratos;, mas em
oe i acre: de, que
+ fe
La = 7 = a
EIN
4
an Spee cale |
Tem mecessarios \vinte e cinco mil ' |
na oe hue +
= Duarte Quines de Leia ; a : Ala. apitulon 1 ¥8
“‘Ugnuans. 3. sue ao 5 von, 124
16!
Alcacer com.os.navios mais pequenos, que vencizo mie-
lhor a corrente. |
Sem perda de tempo se preparou tudo para come-
ar o desembarque ; mas como os dois navios, em que
fide os Infantes, havido fundeado a duas legoas de dis-
tancia, com outras quarenta embarcagdes, os mandou
ElRei chamar ; e quando chegarao o achdrao 4 testa de
huma linha de escaleres, e lanchas carregadas de tro-
pas. Apenas EllRei vio o Infante D. Henrique, péz a
sua flotilha em movimento, e 4 voga arrancada tomé-
r4o terra ao mesmo tempo todas as embarcacdes. Esta=
vao formados na praia quinhentos Mouros de tavallo,.e
-muites mais de pé, que querendo-se oppdér ao desembar-
que, forao rechagados, e carregados com tanto vigor ,
que rotos, e desbaratados, huns fugirao para Alcacer,
ourros para as montanhas, deixando bastantes mortoa
no campo, Dos Portuguezes ficdrao muitos feridos, ¢
mortos o Commendador Ruy Barreto, e Ruy Gongal-
ves de Marchena; e¢ no alcance dos inimigos se adian-
tou tamo Joao Fernandes da Arca, Fidalgo valoroso y
e celebre Cortezao daquelle tempo, que. chegou ao pé,
das myralhas, e ahi o matdrao de huma pedrada, com
geral sentimento de toda a Corte. |
Naquella noite desembarcou a Artilheria, e todos
os petrechos, ¢€ instrumentos da expugnagao ; e no dia
seguinte assult4rao os Portuguezes as trincheiras avancga»
das, que os Mouros tinhao Jevantado para cobrir, e de.
fender as proximidades. da Praga; e apezar de grande
resistencia, as entrarfo, forcando-os a recolher-se dene.
tro das muralhas. O Infante D. Henrique tentou que-
brar as portas, 0 que lhe nao foi possivel, pela sua for-
taleza, e pela quantidade de tiros de arremesso, e ma-
terias incendiadas que os defensores lancava4o sobre as
tropas , O que as obrigou a afastar-se do pé das mura-
Jhaz, sendo ja posto.o Sol, em quanto nao chegayao:
21 )
163
so. A esta commissZo partirte em Gua: embar-
oagGes Martim de Tavora, e Lopo de Almeida, acom4
shados de ‘hum Rei de Armas, e levando huma Cars
ta de desafio motada com toda a cortesia, que a Reis
csexvem {1}. O .Mouro, instruide do objecto da Em-
baixada, em @s aavios eatrando na Bahia de Tanger,.
Jhes mandou atirar,; e com este desengano tornou Lope
de Almeida para Ceuta, e Martim de Tavora seguio
para Alcagar, onde ahegarao outros muitos Fidalgos, e
alguns soceorros de Ceuta. |
A 13 de Novembro appareceo o Rei de Fés sobre
esta Praca com trinta mil homens de cavallo, multi-
dao de gente de pe, e muite artilheria, comecando le-
go a formar os scus ataques. .
Rei sabendo do cerco ,.e que a Praga estava
mal provida de viveres, attendendo a ¢stacdo invernes
sa, partio de-Ceuta com a sua Armada, s a 20 alegpu
a Alcagar, intentando metter-lhe soccorro, 0 que pare- —
geo impossivel , per estar ja completarnente tercfda., ‘e |
as buterias intmigas descobrirem a praia, ech que $8 8:
podia desembarcar. Nestas circunstancias escreveo a Di’
Duarte, promettendo-lhe que em breve tornaria a soc-
corre-le; e voltando para Portugal, desembarcou em.
Faro , donde :passou a Evora, tentando lozo de ee-refae
ger para a nova jornada da Africa. .
O cerco durou cincoenta e tres dias, ea 2 de Ja-.
seiro do anno seguinte de 1459 se retirdérao os Mouros
eofh inrmensa perda de gente. E consideranto EiRe? 2
vantigéem gue résultaria aquella Praca dé ter huin Mo-
The para nelle se recolherem as embarcagSes pequenas.,
como the havia representado D. Duarte de REZESs @:
dile mesmo -o experimentdra quando de balde .a quiz
soceorner , resolveo-se a martda-fo ‘fazer, para ctffd
(1) Sio as formaes palavras de Damigo de Gées no Cap. 1.6.
21 il
184
se prepardrao vinte e scis embarcacées carregadas dos
ateriaes, artifices, e trabalhadores necessarios. Che.
fada esta Frota a Alcacar, comecou D. Duarte a con-
struccao do Molhe a 12 de Marco daquelle mesmo ane
no, e o deixou concluido no fim de Junho, nao obstans
te a continua guerra, que os Mouros lhe fizerdo ps-
ya embaragar os trabalhos (1).
1469 — A 13 de Novembro deste anno falleceo
em Sagres, com sessenta e sete annos de idade, o Im
fante B. Henrique, cujos gloriosos trabalhos the tem
merecido huma fama, que sé acabar4 com 0 Mundo,
Os Eseritores de todas as Nacdes sao unanimes nos elo-~
gios, que fazem aes seus raros talentos, 4 sua’ magnani-
midade, e aos seus conhecimentos mui superiores a0 sey
culo em que viveo; e 0 cotlocdo a par dos melhores, e
mais beneficos Princtpes da Europa moderna (2). 3
' 1453 — Mandou ElRei a Soeiro Mendes, Fidal-
(1) Ruy de Pina (Cap, 141 ) falla em termos geraes da construp
cia deste Molhe (a que se chamava entio Couraca); mas no Manusecri-
to de D, Vasco de Almeida achei as particularidades, que refiro., e vem
a observagio de que custou dez mil dobras. _
(2) Barros ( Decada 1., Parte 1. Cap. 16.) diz, que falleceo 2 13
de Novembro de 1463, com sessenta e sete de idade. — Ruy de'P-
na (Chronica de D, Affonso V., Cap. 144) poe a sua morte em No
vembro de 1459, com cincoenta e sete de idade., o que he equivocer
Gio, ou erro de impressio. — Antonio Galvéo (Tratado dos Desco-
brimentos, pag. 25) a colloca em 1462. — Acinheiro CChronica de
D. Affonso) diz, que foi em 1461. — Damiio de Goes (Chronica do
Principe D. Joio, Cap. 17., € na Chronica d’EJRei D. Manoel , Par
te 1., Cap. 23.) affirma, que o Infante morreo a 13 de Novemlxo de
1460 , com sessenta e sete annos de idade, —- Duarte-Nunes de Ledo
segue a mesma opiniio, assim coma Joze Soares da Sitva no tomo 1.
das suas Memorias de D. Joo I. — D. Antonio Caetano de Sousa pre-
duzio hum Documento decisivo, que he a Carta de Doacfo, que EiRei
D, Affonso V. fez ao Infante D. Fernando das I!has dos Acores , Madei-
sa, e Cabo Verde, datata de Evora a 3 de Dezembro de 1460, na
cna), fallando do Infante D, Henrique. diz: mea Tie, gue Deos heje.
Historia Genealogica , tomo a. Liv. 3. Cap. 3. pag. 823s
165
go da sua Casa, 4 Ilha de Arguim, para construir hum
Castello (se nao foi para acabar o que se diz estar jd
tomecado), a fim de proteger o Commercio do ouro,
e dos escravos , que neste tempo concorria. aquellas
has, o qual era mais vantajoso a Portugal, do que 0
systema até alli seguido (1). — |
. 4462 — Neste anno (ou talvez no antecedente) man-
dou ElRei duas Caravelas para continuarem o descobri-
mento -da Costa de Africa: era Commandante de huma
Pedro de Cintra, seu Escudeiro, e da outra Soeiro da
Costa (2). | Ho,
. Chegados 4s duas Ilhas habitadas , que Cadamoste
reconheceo na sua segunda Viagem, -defronte db Rio a
que chamou Rio Grande, surgirao em huma ‘dellas, e
trat4rao com os Negros por acenos, por sfo :entende-
rem a sua Jinguagem; observardo tambem,, qae habica-
vao em cabanas miseraveis, e tinhao Idolos’ de. madei-
ra, que adoravao. Fazendo-se daqui 4 véla,:e navegan-
do cousa de quarenta mijhas além do Rio Grande, vi-
4o outro, que teria tres, ou quatro milhas de largo, e
se chamava Rio de Bessegue (3) , nome de hum Ré-
gulo, que dominava na sua entrada. FE, proseguindo
no reconhecimento da Costa, descobrirao hum Cabo,
(1) Barros, Decada 1, Liv. 2. Cap, 1. — Galvdo (pag. 25) p&e
esta expedicjo em 1462. — Faria e Sousa a colloca em 1449. ©
(2) Como nio ache} nos nossos Escritores .as particularidades desta
Viagem de Pedro de Cintra, sigo a nerracao de Cadamosto, qne escrer
veo as noticias que Ihe deo hum Portuguez seu amigo, que parece fa-
zia parte da guarnicio da Caravela de Pedro de Cintra; e assigno a es-
ta Viagem 0 anno de 1462 , por mé parecer mais provavel, attenden-
do a que este Descobridor estava de volta em Portugal no ».° de Fe
. wereiro de 1463, epoca da sahida de Cadamosto. Vejfo-se ‘as Memo-
rias da Academia ji citadas, onde vem as Viagens deste Veneziauc.
Faria diz, que-foi em 146}. ° . te 8
(3) Este Rio parece ser 0 de Nuno Tristéio ja descoberra *
estes «d ; ‘ -
: Guanes al ietalenad + culhsjanbesia
Ob edagune'l u oeojcinty sie! ae free yee
Perto de oitenta milhas adiante»do Gabo da Ver
que todos ome ane Ce cedent
dna m pies en atten?
soon put hed ae
aoe mage ag ee
fante D. Fieorique construira. Os h irantes
Rio tithdo
- nas
i x, eemantinhao-se de arroz, milho, ¢ legumes,
Aoyman do Cabo estaydo--duas »Lbas. renas , hua
hum Hens a a chamérso de S. TVieeoes (3), com ser:
) it Se e Jargura na boca; e cinco.milha
: ia aie ac80, que a i lidar
SEY cule at a! sie ‘cia ad =
tines rh Jongh
: $3 gs. ood | ae = 7
de S Vicente , we Verde, talvez | 3/10 .
PAR LT Beg T cau ie yr apy Sted
ert
gedourcs, e bom fando. Correndo oveis vinte-e-qldtro
ml hae; descobrirto hum Cabo,.a que derio o nome de
Cabo Ledo, por ser. mui vigoso, e alegre{1);, e adiane
(1) Cabo Ledo (chamadu pelos Ingleres Cabo da Serra Leda, e pe’
low Francezes Cabo. 'Lagsim )° he a. ponta- do Sul:da entrada’ da“ Rilo Miz
tomba, ou de: Serra Leda ,. situada na latitude N: 8° 30’, e longitude
3° 6’. A ponta do Norte da mesma entrada chama-se ponta de Pulame,
ou Ilha dos Leopardos. Este Rio, hum dos mais formosos da. Africa
Occidental , corre de Odste para’ Leste , com huma foz de cinco legoas
dé largo até: Cidade dé Freetown , Capital dos estabelecinientds lid
gieres , constniida. na-margem: Austral, a.duas legqas e meia~ da entrae
da, Neste ponto diminue.o Rio quasi metade da. sua Jargusa, e-assim
continua sete legoas além da Cidade, onde. se divide em dois bracos,
Ha neste Rio. varies has, e na entradd hunt baixo dé aréa, que tome’
dois tercos da sua largura.
Os: Portuguezes faziéo aatigamente hum vantajoso Commertcio ‘nem
ta Rio, em que-se achavio mantimentos. de. toda a especie , ouro em:
ps... que.viaha dorsesio, ferro, algodio, cana de assucar, marfim,,
cera, malagueta, madefras, e hums’ fructa como castanhas, chamad#
Cla, que se carregava para differentes ‘Portes, e Ilhas, por-ser- mate
estimada' dos Negros. Por testes; mot ivos fizarée alli: hum-esrabelecimen-
tos dirigidos: por Bonto-Correa da, Silva, nagutel daillha de.S. Thoinds,
que Jevou comsigo hum irmée, e outsos seus -parentes , e amigos cent’
as suas familias, e po anno dé 159¢ continha a sua povoacié quinhene
tos Portuguezes; e¢ ainda hoje existem-restos das plantac6es- de -arvotest
fact iferas, que: fizesio. Forio porém desgmparando ‘a terra a ponoa 8:
peace, ou.prlovabandeno em-que os deixen-o Governo, a-puzar.das,
suas reclamaqies ,.o pela.insalubridads. do clima, que he matador, para,
os brancos , e até para os negres de outras Nacoes.
Como o Paiz ficou abandonado dos Portuguezes, e era jd mui co-
ntitcid®, e-freqneatado de-navios Est rangeivos 3 Henrique Stiasp’3 Inglez ,
ot-e crige alli‘ham ‘pequeno estabciecimento-eim 1736 , a.fini-des
rgunir nelle os Negros .miseraveis, que havea em-Londres. Post em
este prejeeto; destmitio: os Prancezss' a: povoacio em 1790;
ies: festaurou-se em breve , porque no-anno seguiate hum Bill do-Para’
lamento mandou..formar, alli huma Colonia, e-em conseqyencia core,
straidse @ pequene Cidade .de Freetown, que tem Governador:, Guar-
nécéo -Militer, @ Officiaes-Civis necesavios. A Companhia Aftrieanarestds
senhors-deste Commercio; e.em.1320 chegaya a poptulacio. da Colonia:
a quatro. avil:-seigcentos o.tres. brancos, e¢ oito mik e setecentos.negsos:
de ambos os sexosy cstevsquasi.4odos tamados.nos navios de Esceavatusa,
—
169
“ow doze milhas, e nelles quebrava‘p-mar;, e era gran-
-@issima a coreénte, com fortes mares: de enchente, e va-
sante: chamdrao Ilha dos Baixos dquella Ilhoca; e além
della cousa de vinte e quatro milhas ha hum Cabo,
-que'nomedrao de Santa Anna, por ser descoberto a 26
de Julho. Este intervallo da Costa he de pouco fundo,
e praias de aréa. Oe
Setenta milhas além do Cabo de Santa Anna achd-
rio outro Rio, que denomindrao das Palmas (1), por
haverem nelle muitas palmeiras: a sua barra, ainda que
‘parecia larga, era toda cheia de baixos , e de parseis.,
€ por isso perigosa. Do Cabo de Santa Anna a este
-Rio he tudo praia seguida , e outras setenta milhas mais
avante yvirao hum Rio pequeno, a que pozerdo nome dos
_Fumos, porque quando o dercobririo se nao via outra
““eousa'em terra, senao fumos (2), que fazifo os naturaes
‘do Patz. Mais além vinte e quatro milhas pelas praiad
descobriréo hum Cabo, que entrava muito pelo mar, ‘e
sobre elle ‘apparecia hum monte aito, e assim ihe cha-!
‘mdrio’ Cabo dé Monte (3). Cousa de sessenta milhaw
mais adiante estava outro pequeno, e -baixo, o qual tam=
-_ }
t €2) O Cabo de Santa Anna acha-+se na Iatitude N. 7° 14!/, ¢ longiq
tide 6° 42’,.¢ he a poota Occidental da. Ilha chamada pelos Portugues
zes © Fasulho, e pelos Inglezes Sherbero, cuja ha he mui comprida, ¢,
© sew extremo Oriental forma a bocca do Rio das Palmas, Ora como o
Cabo de Santa Anna fica para o Sul do Rio, ‘a que os Descobridores’
chamdrio ‘de ‘Santa Maria das Neves, primeiro havifo elles descobrir’
aquelle, do que este; mas © contrario apparece nesta narragéo, pois
_ Vitdo o Rio em 5 de Agosto, e o Cabo em 26 de Julho. Nao nos de-
ve admirar simithante confusio, porque o individuo, que deo as noti-
clag'a Cademosto, nem era homem do mar, pem podia conservar na me-
sporia asepocas dos descobrimentos, as distancias dos lugares, ¢ ovtras mil
circunstancias , que se escrevem hora por hora a bordo dos navios, para
mio esquecerem. = SO -
(2) He hoje o Rio das Gallinhas na latitude N. 7° 5’. Este Rio he
i286 pasa lanchas.
(3) Situado na latitude N. 6° 55’, e€ longitude 7° 24/.
| 22
ytpinedt ona qui pe wine raters “.
varvords ; como re in on ee |
| douse een ane Y
com en entedonts ao pescoco, € 1; par
ser de homens. Os) interpretes fallirso- Jhes 1i aiowe
mon » Negron qu bio» hue dan C ins ac “OS.
ae
\
174
em outra gle ambos fallavao; e ElRei o ntahdou trans:
portar alguns mezes depois em huma Caravela ao mess
mo Rio, onde féra tomado, e bem satisfeito das. ‘da
divas que levava. ;
« 1463 — Sendo ElRei D. Affonso avisado (1), que
a Cidade de Tanger podia ser surprehendida por hurti
lugar, onde a muralha era mui baixa, e ponco vigtas
da, deterniinou achar-se em pessoa naquella facg4o,
contra a opiniao do Conde de Vianna D. Duarte de
Menezes., Governador de Alcacat, que sobre isso Ihe
eacrcveo, pedindo que com dissimulacio lhe mandasse
algum reforco de tropas, sem. alvorocar os Mouros com
a. sua ida, e que elle se obrigava a conseguir a enypres
ga. As intrigas, e artificios do Conde de Villa Real,
inimtigo do de Vianna, fizerao regeitar os ‘seus conses
hos, e‘entregar dquelle a direcc20 do negocio, recev
bendo logo adiantado, d custa dos bens da Coroa, 0
premio. dés services que promettia fazer. .
_ ° &m consequencia deste arranjamento , passou a
Gere de Villa Real a Geuta, e desta Cidade a Tart
fa ,‘onde se etobarcou para Tanger, e por slgumas pes
seas que mandou desembarcar de-noite, soube que a
murallia estava ainda ao mesme estado. Com esta ndtis
cia, que perticipou a EiRei, foi a Gibraltar ( que -os
Hespanhoes huviae tomado aos Mouros no.dnne anten
cedente) , e alistando alli gente de guerra, voltem.a Ceuw
ta com cento e cincoenta cavallos, e quatrbcentes ho-
gaens de pé. O concerto entre ElRei ¢ elle era este:
Que no dia em que ElRei epparacesse no mar :defron-
te de Tanger, chegaria o Conde por terra sobre a Ci-
dade, para auxiliar a escalada, € impedir os socgorros.
(1) Vede Ruy de Pina na sua Chronica desde Cap. 146 até Cap, 156.
— Atenheiro nas suas Chronicas, Cap. 23, que concorda vos factos
princisaes. —- Danviio de Goes na Chronica do Principe D. Joao,
Gap..47.. * : . : 7 eo a re é
22
172
Porém ElRei tardow tanto em partir de Lisboa, que ©
Conde, el ancy ‘conservar mais tempo a gente s+
calagelee'p perigo dese descobrir o segredo; a des- \
Pvol Suir rave
ap "EIReiy cu gem 4 Africa era ja ei ay
mines reopen ¢ ol samc D. Be Fer
ndo a 7 de Novembro de 1463, €a9 ¢ ota
y onde achou o Conde de Odemita Ae peek os
o Reino; e contra o parecer de todos os Oficiaey de
pasties, ‘se fez 4 vcla com mao tempo, o qual
gou. tanto, que foi aconselhado se recothesse a Silves,
para salvar a sua pessoa, o que othe ne fazer: Sobre
a noite dobrou tanto o vento, Os OS navios Cor=
rérao grande iieco cde be perder, 'e é os mais delles -alij
—— ao mar, excepto o navio em que hia ‘ElRef
nao consentio se a e cousa alguma. ~Perdeo-se
nea pe ree © Nnavio ar Affonso it :
poser tte r. re a gente , e sogobrou
ravela, em oe aomheo: Lourengo de Guimaraes, e
Vogado, Escrivaes da Fazenda ~ ElRei, aaa
doso , — — e o Rei de Armas Por-
tugal, la 10,4 00 tempo . Seagin,
Elite com b Infante Dz ndo diante
e conhecendo o Conde de Vianna ‘o navio pen Bae
darte Real, the veio fallar ao mar, edalli
para Ceuta, em cuja Bahia se ajuntirao no a
os navios da sua Armada, todos destrocados; x
agradecerem @ Deos o terem escapado do naufra
crido infallively forao em procissto descalgos vi
Senhera de’ Africa © Duque de Braganga com seus’ fi
lhos,, e todos os mais Fi
, De Ceuta eed ElRei a Alcagar, havendo rin
173
expedico Luiz Mentles de Vasconcellos , Fidalgo mui-
té"intefligente nas cousas maritimas; e elle. marchou
pol tet. com o Infante D. Fernando, o Mestré¢.d’Aviz
. Pedro, 6 Duque, e todos os outros Fidalgos, e o
résto das tropas. O Conde de Vianna contradisse 0 ata-
que’ por mar, pela incerteza, e perigos que tem similhan-
tes combinacdes; mas nao foi attendido. ElRei chegou
a Tanger huma hora antes de amanhecer, sem ser sen-
tido, porém as Galés n4o podérao realizar o desembar-
que, pela furia do mar; esendo a final vistas pelos Mou-
ros , dispardrao estes a sua artilheria, e accendérao mui-
tos fachos. ElRei, crende que a Cidade era entrada,
r ser aquelle o mesmo signal que neste caso tinha
ordenado a Luiz Mendes, que fizesse, marchou para
ella., e em breve se desenganou do seu erro; e voltan-
do-se para as pessoas que 0 acompanhavio, disse: Nao
me deixastes crer ao Conde D. Duarte, por ventara
se o fizera, esta.vinda se empregdra melbor. E reti-
rou-se logo para Alcacer, donde partio para Ceuta com
o Infante D. Fernando. Este passou outra vez, com li-
cenca d' ElRei, para Alcacer, levando comsigo todos os
Fitlelgos , menos o Duque de Braganca, e o Conde de
Villa Real, 2 fim de se achar em huma entrada que o
Conde.de Vianna hia fazer no interior do Paiz, 2 qual
teve. lugar no dia 4 de Dezembro; e ainda que custou
alpum sangue, recolherao-se com duzentos e vinte ca-
tivos, e grande quantidade de gado, de cuja preza o In-
fante tomou para si o quinto, que pertencia .z0 Conde
como Governador da Praca ; ElRei 0 satisfez depois pe-
la Fazenda Real.
Durante a demora de ElRei em Ceuta, emprehen-
deo o Infante, sem seu consentimcnto , o assalto de
Tanger, e para este effeito sahio dé Alcacer a 19 de
Janeiro de 1464, sem levar comsigo o Conde de Vian-
na , porque lhe contrariaya 0 projecto, e¢ foi escalar a
esta [oedema “as boas
acabdrdo de resolver ElRei 2. tentara
© sComegario-se logo a”
tro, e: fora.da ino , € a f
—_—, de guerra, € de boces
==
artir, , Soube = EIR a 0
seu tinh mori em
n>
Cop Sraavi¥ 4 pm. bam
OF O Conde de Warvic, foo Chef de Pardo oe ras ci
vis de ra entre as Casas de Yor : “— im
177 ©
cifico da Inglaterra ; successo que reduzia o negociv a
huma transacgio diplomatica com a Corte de Londres,
para obter a restituigao das prezas, como a final se ob-
teve (1). |
Desvanecida deste modo a expedig40 de Inglater-
ra, tornou ElRei ao primeiro projecto; e como o Prin-
cipe D. Joao, 4 forga de instancias, obteve licenga para
a acompanhar (ainda que contra a opinido do Con-
selho), ndo querendo acceitar a Regencia em que qtie-
fia deixa-lo, nomeou ElRei ao Duque de Braganca
D. Fernando , por Carta Patente dada em Lisboa a 2
de Agosto deste anno, por seu Lugar-Tenente, para
governar o Reino com a mesma aathoridade, que Elle
teria , se presente estivesse , durante a sua ausencia, e a
do Principe (2).
No principio de Agosto entrou em Lisboa. o Du-
que de Guimaraes, Commandante da Esquadra do Por-
10, e das tropas das Provincias do-Norte, por quem’
ElRei esperava para sahir, mas sobrevindo ventos con-
trarios, partio de Belem a 15 de Agosto, e dois dias’:
depois ancorou em Lagos, onde ackou prompta a Es-
© primeiro, que mandou construir hum mavio de guerra. Vece Hume,
tomo 3. Cap. 26. .
(1) Duarte Nunes de Leo (Cap. 40) relata este successo de outro
modo, dizendo , que E!Rei se vingou dos Inglezes, dando Castas de
Marca, para que cs Portuguezes podessem fazer preta nos effeitos a el-
les pertencentes; e¢ que esta medida produzio tal consternacio, gueé
Eduardo 1V. mandou Embaixadores a Portugal, de que se seguio total
restituigde dos hens roubudos', ¢ pas, ¢ amizade com Portugal, até que
Se unio com os Reinos de Castella. .
(2) Vede a Historia Genealogica da Casa Real, tomo 5. Liv. 6.
pag. 162, Onde vem esta notavel Carta, ‘e por ella se demonstra, que’
nfo ficou governandy o Conselho de Regencia, de que falla Damifo de
Goes na Chronica do Principe D. Jofo; ‘nem podia a Princeza D. Leonor
far na Regencia, por contar’ nessa epoca mui pouco mais de treze
annos, :
23
poe:
ys tes! ot ei +S OE ja
agos dilatou-se EKlRe
-_. c ae f
Petrechos : : e | srramentas “necessarias, nadia
lia ‘se occupassem Os postos de tal —aag
receber soccorro algum. Os ¢
sate, Seon (itaibe experiencia. fi fize
‘id oem
p=g-r
is!
Ihe. disse: Filbo, Deos vos faga tio bom Cavalleire,
como este que aqui jad. |
Restava sé tomar o Castello, que era forte,.e bem
guarnecido de gente, e munigdes. ElRei mandau loga
commetter 4 escala, e correndo os Portuguezes ao as-
salto com grande {mpeto, montdrio a muralha, e for-
cdrfo os defensores a buscar abrigo nas Torres, onde
poucos se recolhér’o, porque os de dentro fechdrio as
portas, para evitar que os Portuguezes entrassem de
mistura com elles; e sem quererem render-se, oppoze-
rao to desesperada resistencia, que os mortos, e feri-
dos de ambas as Nagées estavao em montes; e aqui
acabou o Conde de Monsanto, de cuja morte irritados
os soldados , nao derao quartel a ninguem.
ElRei, e o Principe entrdrao no Castello, na maior
forca do ataque das Torres, e se comportarz0 com des-
temido valor, combatendo o Principe (que tinha dezeseis
annos ) como se fosse hum simples soldado, de manei-
ra que trazia a espada torcida dos golpes, e ensanguen-
tada. Os Mouros, que ainda occupavao algumas Tore
res , vendo tudo perdido, renderao-se a4 discri¢ao.
O numero dos cativos passou dé cinco mil, em que
entravdo duas mulheres, e hum filho, e huma filha do
_ Moley. Xeque, senhor de Arzila (que depois subio ao
Throno de Fés) ambos de tenra idade, cuja filha, e
mulheres se trocdrao0 pelos ossos do Infante D. Fernan-
do: eo filho mandou-o ElRei graciosamente a Moley
Xeque. Morrérao dos Mouros mais de dois m.. Dos
Portuguezes ignora-se o numero dos mortos, que de cer-
@o foi grande. O despojo desta Praca,.que EJRei ce-
«leo todo em beneficio do seu Exercito, avaliou-se cm
*saitenta mil dobras (1); € para seu Governador nomeou
(1) Damiio de Goes, e Garcia de Rezende (Chronica de D. JoiolI.,
Kop. 5.) dizem oitocentas mil dobras; Kuy de Pina, e Acenheiro di-
zem oitenta mil, o que me fareceo mais provayel,
16% ,
Gouda de Valence D. Henrique de Menezes, filho do
illustre Conde de Vianna D. Duarte de Menezes.
rs Mohey: Xeque, que neste tempo andava occupado
fa guerra ‘civil de.Hés, avisado que EtRei D. Aftonsg
estava sobre Arzila , ‘marchou a‘sqccorre-la; mas che
gando a Alcacer Quibir, soube’ que. estava tomadai e
Féeceando, que ElRei quizesse proseguir na guerra, e lhe
obstasse ao’ projecto, que tinha formado dese fazer Ra
de Fés, llie mandou offefecer treguas, as quaes se com—
~elufr4o por vinte annos, com as clausulas que contio
as nossas Historias.
_ Os moradores de Tanger, aterrados com a tomada
de: Arzila, e sem esperanca de soccorro pela guerra ci——
vil em que ardia toda a Mauritania, abandontrio a Cie—
daite, € passdrdo-se com os seus bens para differentes ==
partes, de que avisado ElRei, mandou a grio pressa —
tmarchar o Marquez de Monte-Mor com hum groso <—
destacamento para occupar aquella Praca, como fez no <#
dia 28, achando nella muita artilheria, e municdes de =
guerra; e com 0 Principe, e.0 resto do Exercito o ve-——
uio de perto. Alli nomeou para Governador a Ruy de=a®
Mello , que depois foi Conde de Odemiras e.derxando——
Ihe huma boa guarnigao; sahio a 17 de Setembro coma
toda a Armada, e entrou em Lisboa a salvamento.
1472 — Continuando a correr a Costa d’Africa ‘oss
descobridores mandados por Fernato Gomes, descobrios=™
Fernio do Po (1), Cavalleiro da Casa Real, humatflha,; —
que ainda hoje conserva o seu nome, nao obstante elle
chamar-the llha Formosa (2), pelo aspecto que apre~
sentava 0 vigoso,.¢ Copado, que a cobria. toda.
Ci) Vede Barras, Decada 1. Liv. 2. Cap. 2.— Antonio Gaivdo »
pag. 25. - - Faria, Asia Portugueza, tomo 1. Parte 1.— As noticias
de todos estes Escritores sio muito escacas. '
" (2) Beta iba he muito alta, e tem o ancoradouro em huma Behiz
da banda do N.O. com fundo de vinte bracas. A sua latitude S. to-
$63
Outros Navegantes Portuguezes, de quem se igno-
rio of nomes ,- descobrirao. neste meamo.aano 2s-F)has
de S. Thomé, Principe (1), e Anno Bom .2); e hum
F. de Siqueira , Cavalleira da Casa Real, descobrio
neste anno, ou no seguinte o Cabo de Santa Cathari-
na (3), ultimo termo a que chegarao os descobrimen-
tos no Reinado de D. Affonso V. , que falleceo em Cin-
tra a 28 de Agosto de 1481.
waloow
mada na, Bahia he de 3° 34/, e a longitude de 26° 50’, . Outros ay
signio-lhe differente posicio. Em tempos antigos tiverio os Portugues
zee alli hum Ferte. « : a See ae _
(1) <A.ttha de S. Thome estd Leste Gesta cont o Rio de:Gabin}
FRouco mais ow menos. O Porto he da banda de Leste, ¢ tem paugg
undo; mas surge-se féra delle em cinco, e seis bracas, aréa,, com: abrie
go dos ventos , menos da banda de Leste, que he perigosd,.No Forte 43
Batitude N. he de 27’, € a longitude dé 25° 20/-40’. A Hha-do Ptin-
exipe est$.na latitude N. de 1° 22’, ¢ longitude de 25° 37" 40" Terq
Tham boos-Porto da -baadea de E.N.E., com -fundo -dé: cinco e- meig até
seis bragas e mea na entrada, todo limpo. Antes de. chegar ao Porta
tem duas Enseadas com bom funtlo, e capazes de muitos navios; ¢
smreis ‘outra da-parte de-Oeste- com quinze btacas te Finds 'Hntpo, e boa’
ageada. Em outro tempo tiravase grande interessé. destas dwas ‘Tihas,
como direi adiante.. . me re
. CG) Esta Iha he mui fertil , ¢ alta, Tem o ancoradouro dat banda
do Norte, com fundo de aréa branca, e de seis bracas para cima. Law
wseude S. 1° 25’, elongitude'z3° 454 5 |
(G3). Latitude: do Cabo 29 79S: ,. 6 fohglude48@ ast i 5
184
re “eG 4“ & OSs a Os &, “Os “Oy Os “On
PARTE PRIMEIBA.
SEGUNDA MEMORIA,
COMPREHENDENDO DESDE O ANNO DR 1481
ATE’ AO ANNO DE 1521.
RetnADO D’ Exrer D. Joxo II.
| iF EPOCA em que este Monarcha subio ao Thro <««€
no, a fama das viagens dos Portuguezes fazia esqueces =C
as dos Fenicios , Carthaginezes, Gregos, e Romanos ’
em quanto as vantagens commerciaes , que ellas produ-mt-
ziao , erdo inferiores ao alto conceito, que tinhao for- —~-
mado as Nacdes da Europa. Achava-se descoberta bu —#-
ma grande extensdo da Costa Occidental da Africa )
mas faltavao nella estabelecimentos permanentes, 4 exsommxe
cepcdo do Castello de Arguim, em que se concentras=as-
se 0 tratico, que alguns navios soltos entretinhio con=—1
os Portos, e Rios mais conhecidos: nem mesmo o Cas==-
tello de Arguim se achava agora em situagdo capaz diiillle
preencher similhantes fins, por se haverem ampliad ©
tanto os descobrimentos posteriores 4 sua fundacio, quam
distava muiros centos de leguas do Cabo de Santa Cammt-
tharina, ultimo termo a que chegou a bandeira Portumm-
ucza no Reinado antecedente.
EIRei D. Joio, que era dotado de huma alm 2
rande , capaz de conceber, e combinar os mais vastc—s
projectos ; que possuia assaz conhecimentos scientificos= +
e sobre tudo o raro talento de conhecer os homens, dB<
186 SS
nao caus pequena confusio ads Historias dos Desco- |
brimentos. |
Conhecendo ElRei a importancia de formar ham
systema, que contestasse a certeza, e legalidade das des»
cobertas, pois que, segundo os principios de Direito Pu-
blico praticados na Europa, o simples acto do deseo-
brimento de hum Paiz conferia ao descobridor certos
direitos de propriedade territorial , ow ao menos de
tmonopolio exclusivo do Commercio; ordenou , qué os
Commandanres dos navios commissionados para faze—
rem descobrimentos, levassem a seu bordo, para os col-—
Tecar nos lugares que descobrissem, huns grandes mar——
cos de pedra (a que se deo o nome de Padréesy,
timh3o na frente as Armas Reaes, e nas costes ham
treiro em Porruguez, e Latim, em que se relatava Ga
fiome do Soberano, o do Commandanre do navio, ee
atmo da descoberta, rematando o Padrao com h
Cruz no alto. Alguns destes tem sido achados moder=——
Hamente , como em seu lugar direi.
- "Tad occupado andava este Principe com 0 pensa———
Mento de regular, ¢ ampliar o Commercio AfricanO——-—")
Que subindo a0 Throno nos ultimos dias de A de ae
r48r, fez partir nos principios de Dezembro do n=
fo anno a Diogo da Azambuja com huma Esquadr—ara
ra ir fundar o Castello da Mina. E quando dep
nheceo melhor a configuracao daquella Costa, e ag —
Jidade dos seus Portos, percebendo a vantagem que 4
Wha deS. Thomé tirava da sua posiczo proxima ao Rio
de Gabio, fez toda a diligencia pela povoar, e nomec—8
‘por seu Governador em 1493 a Alvaro Caminha (1 7),
@ quem entregou os filhos menores de ambos os sexe,
a se tirdtao aos Judeos Hespanhoes refugisdos eam
rtugal no anno antecedente. Com effeito, aquella 1a
“@) Roy de Pina, Chronica de D, Jovo If., Cap, 68.
187 -
em breve encontrou em si o Commercio da Costa da
Africa fronteira (1), e chegou no Reinado sepuinte a
hum ponto de prosperidade quasi incrivel.
(1) Oclima de S. Thomé, por mui quente, e mui humido he
mecivo aos brancos, sobre tudo nos mezes de Dezembro, Janeiro, e
Fevereiro, que sio os ce maiores calores: nos de Marco, e Setembso
gostuma chover muito; ¢ nos de Maio, Junho, Julho, e Agosto, em
gue rejnie os ventc$ do segundo, ¢ terceiro quadrante, he o tempo
mais fresco , e saudavel. Em geral he raro o homem branco, que pas-
va de cincoenta annos de idade, As doencas usuaes sdo febres gud,
e dysenterias ; ¢ os Europeos, quando alli se estabelecem, tem quati
sempre no principio huma grave enfermidade , de que muitos morrem,
No anno de 1520 continha a Capital de S. Thomé perto de sete
‘centas familias de Porruguezes, Hesparthoes, Francezes, e Genovezes,
‘a maior parte casados, alguns delles com negras livies naturaes da ter
te, ¢ alguns com mulatas; porque a tedo o Eoropeo, que hia estabe.
decersse na Hha, assignava o Feitor d ElRei por via de compra, e ¢
preco commodo, aquella porcdo de terreno inculto, que elle podia cul-
tivar, sequndo os meios que tinha para comprar Os escravos necessa-
tios , pois que estes fazido todos os trabalhcs rutaes. ‘
Q genero pripcipal desta Ilha Cbem como da do Principe) efa
D.awacar, cuja cana tardava cinco meves a amadurecer; e nao obstam-
te acharese em cultura sé a terca parte della, existido em plena actis
vidade sessenta Enzgenhos, huns movidos por agua, outros por cavalb
» © outros a forca de braco , importando o dizimo da Fazénda Real
de dore a quatorre mil arrobas de assucar cada anno; por’ ride fée
calcular-se a colbeita em cento e cincoenta mil arrobas , attendendo aes
Wscaminhos ¢ fraudes. Este assurcar nio era tdo seco, ridm tio al¥d
como o que naquelles tempas se fabricava na Iha da Madvira: : a
Akm do assucar, fazia esta Ilha hum grande Commercio em @icras
tos, porque hella vinhfo reunitse quasi todos os ge os Pdértuguezes
compravio pelos Portos de Guiné, de Fenin, e Manicongé: stim of
moradores provido-se dos que necetsitavio para o set sérvico dotnesti-
co, ¢ para a Agricultura, ¢ erdo tantos, gue maitos Laeratlotes pose
hid de cet atd trezentos de ambos os sexos; 0 resto délles’ passava
para a Jiha de S. ‘T'iago, onde convorrido a compta-los 6s navies Hes.
panives, que commerciavio com as Indias Occidenthed. Esta ulritna
Ilha servia de escala, e depositd entre 8. Thamé e Lisbor: ac embrirs
tandes Portuvirezae , qué transportardo a §. ‘Thotmé os generos da Furoe’
Fa, tocavdo em S. Tiaco, deixavao alli as vezes parte dos seus effet-
tos, e hido a 5, Thome casregar de assticar para Portugal. Os Negocian-
24
189
Oriente, era visivel , que se os Portuguezes descobris-
sem huma facil communicagao por mar ccm a Asia, e
alli fizessem bons estabelecimentos nos pontos mais cone
venientes , todas aquellas riquezas reverteriao para as
suas maos, e Portugal viria a ser o centro do Commer-
cio, nao sé da Europa, mas de todo o Mundo, como
aconteceo no seculo seguinte.
Duas cousas pareciao necessarias para pdr em execu-
Zo este vasto plano: adquirir nogdes mais exactas so-
re a Hydrografia do Oriente, de que quasi nada se sa-
bia, e aperfeigoar a Construcgao Naval, e a Sciencia
Nautica, de que dependia a sepurancga de viagens tao
remotas por mares desconhecidos.
Para achanar o primeiro obstaculo, mandou E]Rei
r terra 4-India no anno de 1487 a Pedro da Covi-
Ins , Cavalleiro da sua Casa (1), ¢ Affonso de Paiva,
homens intelligentes , capazes de observar, e de expli-
car © que vissem, Os quaes visitdrdo os principaes Dor.
tos do Oriente , que servido de escalas ao Commercio,
como largamente trat2o os nossos Historiadores; mas
as noticias , qe por este meio tarde'se obtiverao, nao
abrirao aos Portuguezes o caminho da India; outros
principios produz{rao este feliz resultado.
A Astronomia, e a Geografia vierao em soccorro
da Arte Nautica, e destrufrao.o segundo e maior ob-
staculo. Achava-se neste tempo em Lisboa o Astrono-
mo Martim Bobemus, digno discipulo do celebre Joao
Muller (2), com o qual, e os Mestres Rodrigo, e José,
(1) Ruy de Pina (no Cap. 21 da Chronica de D, Judo I.) cha
ra the Jodo da Covilha , e colloca esta jornada no anno de 1486; a
Fua nassacso he mui differente da de Jodo de Parios (Decada1. Liv. 3.
cap. $-), onde se péde ver toda esta importante transaccio, que eu sd
ico.
(2) Vulgarmente chamado Regio Montano, que falleceo em 1476,
pois de publicar hum novo Calendario, e humas Ephemerides para
“Ssinta annos, com Taboas das Declinacdes dos Astros,
190
ambos Meditos da Real Camara, o Bisa de Ceuta
Diogo Ortiz, eo Licenciado Calgadilha, Bispo de Vi-
zéu, formou Fie: huma Junta de Mathematicos, cue
jas Sessdes se tinhio em casa de Pedro de Alcacova.
Paréce que aos traba'hos destes Sabios se deveo a in-
Yensio do Astrolabio ,-o melhoramento da Bussola, e
Cartas Maritimas-Planas (j4 inventadas na escola de
Sagres), e a formag4o, ou aperfeigoamento de novas
Taboas de Declinacgdes dos Astros. |
Estes conhecimentos Nauticos, vulgarizados entre os
_ Navegantes Portuguezes, os habilitirko para emprehen-
der quaesquct viagens, afastando-se da rotina antiga,
que era sufficiente para descobrir a Costa da Africa
Occidental porque serido esta seguida do Norte para
0 Sul, logo que huma embarcagio via hum ponto jd
conhecido, bastava que seguisse por hum rumo paralle-
lo; e¢ se perdia a terra de vista, mettendo a préa a
Leste, a achava outra vez. Agora porém que os Nae
vegaintes tinhao instrumentos, e principios scientificos
para determinarem cada dia a posicao dos Navios no
alro mar, e dirigi-los para hum ponto qualquer, po-
dido rodear toda a Africa até descobrir alguma passa-
gem para a India.
Trabalhou-se igualmente em melhorar a Archite-
ctura Naval: construirio-se navios mais fortes, com
huma mastreagao mais bem entendida, e com maiof
pordo para receberem viveres, e aguada sufficientes a
huma longa jornada; e andava ElRei tao embebido
nestas idéas, que quando Bartholomeu Dias voltou da
trabalhosa viagem, em que descobrio o Cabo de Boa
Esperanga , 0 encarregou do corte das madeiras, e con-
struccio dos navios, que intentava mandar ao descobri-
mento do Oriente, julgando com razao, que hum Off-
cial, que acabava de experimentar as tempestades, € pe
rigos daguclles mares inccgnitos, era quem podia mare
191
tar a forca, e qualidade das embarcagces capazes de os
arrostar e vencer (1).
A morte nan deo o tempo necessario a este Grane
de Monarcha para comegar aquella gloriosa expedic3o,
que a Providencia reservava para o seu teliz Successor,
Foi Capitao Mor da Frota, durante o seu Reina-
do, o Conde de Abranches D. Fernando de Almada;
por Carta passada em Béja a 14 de Marco de 1489,
em confirmacdo de outra d’ElRei seu Pai, datada de
Evora a 28 de Fevereiro de 1456.
. Nos ultimos annos da sua vida mandou ElRet
construir huma Ndo de mil toneladas, a maior que até.
alli se tinha visto, t8o forte de costado, que as balas
nado a podido passar; a qual fez huma sé viagem, com
outros navios 20 Mediterraneo (2). Foi tambem obra
sua a Torre de Caparica (Forre Velha), que guarneceo
de muita artilheria; e tinha dererminado levantar huma
boa Fortaleza na ponta de Belem, onde depois se fez
a Torre de S. Vicente; de cuja Fortaleza desenhou a
lanta Garcia de Rezende. .Estes dous Castellos ergo.
ra defender a passagem do Rio de Lisboa para a
Cidade, e entre elles devia collocar-se aquella grande
Nido, como bateria fluctuante, que j4 com esse intento
foi construida.
Considerando ElRei, que para guardar o Estreito,
e as Costas de Portugal contra os Corsarios de Barbe-
ria, despendia muito nas Esquadras de Ndos, que todas
@s annos armava, ideou guarnecer as Caravelas de ca-
nhées de grosso calibre, que atirassem tiros razantes;
e como efa engenhoso em todas as Artes, ¢ muito in-
struido na artilheria , achando-se em Setubal, fez varios
(1) Segundo Castanbeda (Liv. 1. Car. 1.) a madeira foi cortada, e
lewada para Lisboa no ahno de 1494-
(2) Wede a Chronica de D. Joao I. por Garcia de Rezende, nos
Capitulos 147, e 181. |
192
ensaios , ¢ experiencias, e por fim péz em pratica o seu
novo plano; e as Caravelas pequenas e ligeiras acha-
rio-se em estado de combater, e resistir aos navios de
alto bordo, e muitas vezes os rendéra0; porque as ba
las destes , além de serem de pequeno calibre (ainda se
ndo usava entao de artilheria grossa no mar), passavao
or alto, e as balas das Caravelas furavao os navios ao
ume da agua, e Os mettiao a pique.
Forio por muitos annos tao temidas as Caravelas
Portuguezas, que nenhuns navios, por grandes que fos-
sem, as Ousavao esperar, até que as outras Nacgdes mu-
@drdo de systema.
1481 — Na conformidade do plano, que ja tinha
formado para se assegurar do Commercio da Africa Oc-
cidental, determinou ElRKei mandar construir huma For-
taleza_ na Costa da Mina (1); e pondo este nego-io em
Conselho , votario contra elle muitos Conselheiros, ten-
do a empreza por arriscada, e até por impossivel, mas
as suis razces nao fizerao impressdo no animo Real; e
apezar de tudo, fez preparar, a grao pressa, huma ex-
pedic#o composta de dez navios de guerra, duas gran-
des Urcas (ou Charruas), e outras embarcacg6es de
transporte, em que se embarcardo quinhentos soldados,
e cem Mestres pedreiros, e carpinteiros, muitos mane
timentos, e artigos de Commercio, municgdes, madei-
ras, cantaria lavrada, ferragens, cal preparada, ferra-
mentas, ¢€ todos os materiaes que se julgarao necessarios
para construir hum bom Castello, com as suas offici-
nas, € accommodagdes competentes.
Para General deste Armamento nomeou ElRei a
Diogo da Azambuja, Cavallciro da sua Casa, de gran-
des calentos, ¢ experiencia: erio Commandantes dos
(1) Vede Ruy de Pira, Chronica deste Rei, Cap. 3. — Galvio,
Tratado dus Descobrimentos, paz. 26. — Earros, Decada 1. Liv. 3.
Cap. a. — Varia ¢ Sousa, Asia Powtuzueza, como 3. no fim.
193
outros navies de guerra Goncalo da Fonceca, Ruy dé
de Oliveira, Jodo Roiz Gante, Jodo Affonso , Jodo de
Moura, Diogo Roiz, Bartholomeu Dias, Pedro de Evo-
ra, e Gomes Ayres, todos homens nobres; e das Ursas
Pedro de Cintra, e Fernao Affonso. ;
A 12 de Dezembro deste arino de 1481 sahio de
Lisboa .Diogo da Azambuja com a sua Esquadra, ten-
do feito. partir adiante Pedro de Evora, comboiando os:
navios de transporte, com ordem de fazer pescaria na
grande Enseada, que fica ao S,E. de Cabo Verde, pa-
ra provisio da Esquadra , e aguardar alli por elle. Pe-
dro de Evora nao s6 cumprio o que lhe era encarrega@=
do, mas.assentou pazes com o Regulo Bezeguiche, 86.
berano daqnella Bahia, que por muitos annos consefvou
o nome de Angra de Bezeguiche, e- parece ser a da Ilha
da Goréa, cujas pazes contirmou Diogo da Azambuja;
que a 24. de Dezembro re reunio 4 Esquadra, . - 7
Levava elle instrucgées,: para que na. Costa da. Mix
na, comprehendida entre o Cabo dag Tres. Pontas ¢ o
Cabo das Redes (1), construisse hum Castello no- to~:
cal, que lhe offerecesse melhores proporcOes para am<
pliar, e proteger o Commercio naquelles Paizes ricos:
de ouro, e de. outros artigos preciosos,; 5 ss are
NZo querendo por consequencia confiar de pessoa
alguma hum objecto de tanta importancia, qual a esco>:
Jha de similhante ponto, adiantou-se da Esquadra, e foil.
reconhecendo , e examinando toda a Costa até chegar
Aldea das Duas Partes, em que surgio a 19 de Janeito:
de 1482; e aqui achou a Joao Bernardes , Commandanst
te de hum navio d’ ElRei, que estava negociando comm
os Negros, de quem ja tinha recebido boa porcao de
(1) Este Cabo chama-se hose Monte do Diabo , situado na latitude.
N. 5° 28’, © longitude 13° 23’, obra de vinte legcas a leste de S, Jor.
ge da Miua. | ’
29
196
A era Forraleta chamou ent3o Diogo da Azam-
\ buja Castello de S. “forge da Mina (constituida de-
pois Cidade pot Carta de is de Margo de 1486), fix
cando aclle 'por Governador. sémente com sessenta ho~
mens de guarnicio, déspedio o resto da Esquadra pa-
ra Portugal. © |
Passados dois annos e sete mezes do seu Governo,
o chamoa ElRei- a’ Lisboa, e sem esperar que elle Ihe
fequerésse , premiou os s¢us relevantes servigos com %
Magnanimidade, que costumava, | :
1484 -~+ Neste anno mandou ElRei a Diogo Canr,
Cavafleiro da sua’ Casa, a proseguir o reconhecimenté
da Costa Occidental da Africa, dando-lhe tres dos noe
vos Padrdes para os collotar nos lugares mais notavets
que descobrisse (1).
' §ahio Diogo Cam de Lisboa, ndo se sabe’ em que
dia’; ou- mez daquelle anno, com-derrotd ao Castello
da Mina, para se prover do qué necessario lhe fosse; ¢
seguindo delle pata 6 Sul, dobrou o Cabe de Eopu
Goncalves (2), que conserva o nome do seu Descobris
dor, e:além do Cabo de Santa Catharina continuou 4
seguir a Costa, desembarcahdo em alguns pontes, a
que chegou a hum largo Rio, em que entrou, e surgid
hum pouco dentro da sua boca, onde da parte do Suk
assentou huna dos Padrdes, que levava, chamado S.: Jor
RC (3). :
(1) Vede Faria, Asia, tomo 1. Parte 1, — Barros, Decadat. .
Liv. 3. Cap. 3. —- Ruy de Pina, Cap. 57, pde esta viagem no‘antid
ate 14385.-
(2) Este Cabo estd situado na latitude S. de 0° 56’, e longitude
27° 477; ¢ he tao raro, que as arvores parecem sahir do mars a roda
delle he o fundo mui limpo. - Da parte de Leste tem huma Enseads;,
onde se pdde ancorar em oito, ot dez bracas;-e da banda: do Norte hd
outra grande Bahia ccm bom fundo, mas tem hum baixo’na entrada..
-°€s) Nacerelle tempo davieese nomes aos Padrées, talvez pata que
ficassem acs lugares oride se assentavao:
25 il
196
Este Rio era o Zaire (1); assim homeado pelds na-
turaes: os Portuguezes lhe chamarao Rio do Congo, por
atravessar o Reino deste nome; e por muitos annos foi
tambem conhecido pela denominaga4o de Rio do Padrao.
- - Diogo Cam, vendo as margens do Rio mui povoa-
das, nao ousou aventurar-se a penetra-lo, e procurou ti-
rar informagao dos habitantes, que erio Negros azevi-
chados, e em tudo o mais similhantes aos outros daquel-
Ja Costa; porém os Linguas, que tinha a bordo, mesmo
os que colhéra naquella viagem, nao os entendérdo, e
por acenos se percebeu, que tinhao Principe poderoso ,
e habitava tantos dias de jornada pela terra dentro.
E como ElRei lhe ordenava nas suas Instrucg6es, que
procurasse ganhar a confianca daquelles Povos, a fim de
Os persuadir a abracgarem o Christianismo, e a estabele-
cerem algumas relagdes commerciaes com os Portague-
z€s, € a0 mesmo tempo lhe parecério homens pacifi-
cos, e de ta0 boa fé, que vinhao sem receio a bordo do
seu navio, escolheo alguns Portuguezes intelligentes ,
pelos quaes mandou ao Rei hum presente, indo acom-
anhados de alguns naturaes, ganhados por dadivas que
fies fez, para os conduzirem a Cidade em que assistia ,
e marcou-lhes certo numero de dias para tornarem ao
navio. Entretanto continuou a viver na melhor harmo-
nia com os Negros, que o vinhio visitar, e fazer tro-
cas de alguns generos.
(s) O Zaire, ou Rio do Congo tem mais de duas Jegoas de iar-
go na boca, e traz tata copia de agua, que entra doce pelo mar den-
tro o esnaco de tres legcas, A ponta do Norte da sua entrada chama-se
Ponta da Palmeirinha, e esta situada na latitude S. de 6° 8’, e longi-
tude 29° 5’. A ponta do Sul chama-se da Mouta Seca, porém todas
as Cartas lhe dio haje o nome de Ponta do Padrio, ainda que Diogo
Cam assentou o seu Padrio mais de huma legoa distante della pelo Rio
dentro. O Capitio Inglez Maauall subio por este Rio quarenta € cinco
legoas, e diz que he navegavel por mais quinz, Ou vinte; © que os
maiores navios podem entrar nelle.
197
-*Passatido-se porém dobrados dias, sem os seus men-
sageiros voltarem , nem havendo noticia delles, determi-
nou repressar a Portugal, e colhendo quatro das natw-
_ raes para os levar a ElRet D. Joao, sahio do Rio, di-
zendo por acenos aos outros Negros, que dalli a quinze
‘Luas os tornaria a trazer, e que em refens delles , |hes
deixava os que levdro o presente.
Succedeo que estes quatro Negros erao homens
principaes, e mais civilizados, e assim aprend ér30 com
tanta facilidade a lingua Portugueza , que quando che-
4rfo:ao Reino, podério dar boa informag4o do séu
Paiz, oO que causou..a-K]Rei grandissimo prazer; e pa-
ra que nao houvesse falta na promessa, que Diogo Cain
fizera de os reconduzir 4:sua patria dentro daquelle Ia-
pso de tempo, o fez partir segunda vez para Congo.
1485 — Sahio de Lisboa Diogo Cam (1) por Com-
mandante em-Chefe de alguns navios (2), levando hum
Embaixador, que ElRei D. Jodo mandava ao de Con-
go com ricos presentes, para estabelecer entre ambos
amizade, e commercio, e o persuadir a abracar o Chri-
stianismo. Levava igualmente bem vestidos , e trata-
dos os Negros, que trouxera; e chegado ao Zaire,
foi o Embaixador de Portugal recebido com grande al-
voroco pelo Soberano, vendo que se lhe restituiao os
(1) Vede Faria no lugar citado. — Ruy de Pina, Capitulos 57, e
$8. — Galvio parece confundir estas duas Viagens em huma sd;5
pag. 26. — Barros no lugar citado diz, que Diogo Cam chegou a Lis-
boa, de volta da sua primeira viagem, no anno de 14865; por conse-
Guencia so neste he que poderia eniprehender a segunda
(2) Ruy de Pina (Cap. 57) diz, que ElRei caviou sua frota erm
da, ¢ provide para muito tempo; ¢ no mesmo sentido falla em outros
Jugares, Barros, e Faria nao lhe dio mais de hum navio: eu segui a
opiniio de ‘Ruy de Pina, nado sé por ser hum Escritor da maice autho-
sidade nos successos do seu tempo, mas por me’ parecer natural, cue
EJRei mandasse hutna forca naval capaz de fazer a sua Pandeira tio’
sespeitada, como desejada a sua amizade por aquelles Povos.
1399
marem os ‘Negrds a servir-se dos bois na cultura das
terras. Com este Embaixador enviou a Portugal mui-
tos mancebos de boas familias, rogando.a ElRei os
mandasse baptizar, e ensinar tudo quanto fosse neces<
sario para poderem doutrinar os Povos quando voltas-
sem a Congo. . _
. - Com isto se recolheo Diogo Cam a Portugal, on-
de chegou no anno de 1489, e foi recebido d’ ElRei
com as honras, e mercés, que costumava liberalizar aos
Vassallos benemerites. = =~
. 1486 —..Neste anno (1) descobrio Joao Affonso dé
Aveiro o Reino-de Benim, :situado além da Mina, cuju
Capital estava sobre hum dos bragos:, em que se divide
of Rio do mesmo’ nome, em que-elle surgia, e parece
que antes havia-entrado no Rio dos Escravos (2). Des~
te Paiz trouxe Jodo Affonso a primeira pimenta dé
Guiné , que appareceo em Portugal. O- Rei enviou com
elle hum Embaixador a D. Joao II., que o tratou con
grande magnificencia, e€ o tornou a mandar a Benim
com. ricos presentes, e Cartas para aquelle Principe, con-
vidando-o a ‘abracar a Fe Catholica; e com elle forio
Sacerdores , e tambem Feitores para'crearém humd Feis
toria, que abrangesse o Commercio da piméntai-¢ 6 dos
escravos, de que havia quantidade.§ Ge
' Mas o Christianismo nao prosperou' naquelle Rei-
RO, porque o seu Soberano so buscava aproveitat-se' da
amizade. dos Portuguezes, para se fazer temido dos.stug
(1). Barros ,.Decada 1. Liv. 3. Cap, 3. —- Ruy de Pina, Cap. 24.
€2) O:Rio-de Benim , chamado geralmente Rio Formioto, ¢sti si-
tasdo na latitude N. 5° 33’, e longitude 23° 5% Este Rio tem irae
de duas milhas de largo, mas nio he capaz de embarcacées grandes,
a sum altura ndo excede a treze pés. Pouco al’m da stra entrada
div ide-se emi differentes bracos, e penetra muito pelo Paiz. O Rio dos
Bscravos fica.ciaco legoas para o Sul do de Benim, e a sua entrada he
perigosa. |
201
Africa de Ptrolomeu, e os descobrimentos dos Portugue-
zes na Costa Occidental, inclinou-se 4 opiniao de ser
aquelle Principe incognito o Preste Jodo; e foi de pa-
recer, que continuando-se a reconhecer a Costa para o
Sul, se chegaria a hun ponto, em que ella forcosa-
mente devia mudar de direccao para Leste. Esta cone
clusio era evidente, e em consequencia determinou El-
Rei enviar logo pessoas intelligentes, que por mar, e
por terra tentassem resolver aquelle importante proble-.
ma. Como eu ja fallei dos que commettérdo a jornada.
por terra, dire agora oO que fizerao os que forao por:
mar.
Nomeou E/Rei para Chefe desta expedic#0, compos-’
ta de dous navios de guerra de cincoenta toneladas (1),:
e hum pequeno Transporte carregado de mantimentos,
a Bartholomeu Dias, Cavalleiro da sua Casa, e abalizas”
do Navegante: por Piloto do seu navio foi Pedto de
Alemquer, e por Mestre N. Leitéo. Commandava o se-
gundo navio Joao Infante, tambem Cavalleiro da Casa:
d’ElRei; e era seu Piloto Alvaro Martins, e Mestre
Joao Grego. No Transporte hia de Commandante Pe-
dro Dias, irmao do Chefe; por Piloto Jodo de S. Tia-,
go, e por Mestre Jodo Alves; todos estes Officiaes de
Nautica fordo escolhidos entre os mais habeis.
Bartholomeu Dias, sahindo de Lisboa pelo meado
de Julho de 1486, dirigio a sua derrota ao Rio Zaire,
e seguindo dalli para o Sul a Costa i reconhecida por.
Diogo Cam, chegou a Angra do Salto (ignoro a posi-.
¢do-desta Bahia), nome que the ficou por haver nella
colhido este Descobridor dous Negros, que ElRei en-
tregou a Bartholomeu Dias, para os desembarcar naquel-,
(1) .Parecem-me estas embarcacdes de porte demasiadamente peque=
no, se as toneladas naquelle tempo ero do mesmo peso, que sa0 hoje,
© gue no pude averiguar. .
26°
202
Je lugar , como fez; e€ para o mesmo fim Ievava elle
quatro Negras de Guiné, das quaes deixou” huma (1)
na Angra dos IIheos (3), onde parece que tambem dei-
xou o Transporte dos mantimentos; e hum pouco ao
Sul delle assentou em Serra Parda o primeiro Padrao
chamado S. Tiago, e foi depois surgir na Bahia das
Voltas (3), denominagdo que lhe dco, porque fazendo
(1) O fim politico, por que ElRei mandava introduzir nos Paizes
ainda mecognitos estes Negros, e Negras, todos bem vestidos, e com
amostras de ouro, prata, e especiarias , era para dare idea da riquer
de Portugal, ¢ das suas Armadas , e espallrarem fama de que trabalh2-
va por descobrir a India, e os Estados de hum Principe chamado Preste
Jodo, que se dizia occuparem o centro da Africa; pois que desta ma
nefra talvez Iheechegasse 14 a noticia destas cousas,; e mandasse alguns
rutnsageiros 4 Costa do mar, onde os navios Pertuguezes, que por ella
tracavdo , teria communicacao com elles. Estes Negros hido bem in-
struidos no que havido de perguntar, e dizer, e ccm promessa de os
irem depois buscar dz Portugal , por sereim estrangeiros naquella Regiio.
Vede Barros no lugar citado.
(2) Esta: Bahia estd Insm pouco ao Norte da Serra Parda, ou Rosto
@® Pedra (como os Portuguezes ihe chamavio) , onde Bartholomeu Dias
ceHecou o Radrao S. Tiago, Seira Parda fica na latitude S. 23° 37’, €
longitude 32° 10’. Barros identifica a Bahia dos Ilheos com a Sema,
sendd Jugares mui distinctos ; porque talvez se cria no seu tempo, que
a Serra Patda era a ponta do Sul daquella Bahia, de que dista mais de
tts legous.
Ha outra equivocacao neste judicioso Escritor. Diz eHe , que Serra
Paeda (Cap. 4. pag. 185) estava situada em 24° de latitude e cento e
vinte legoas distante do ultimo Padréo, que deixou Diogo Cam ne
Manga das Aréas, a qual pos em 22” de latitude (Cap. 3. pag. 175)5
dé modo que a differznca entre estes dous Padrées seria de dous gros
em: latitude , ou trinta e seis legoas daquelle tempo. Persuado»me be-
vet agui-erro de impressao,
No anno de 1786 Sir Home Popham, e o Capitio Thompsom ,
arfdando examinando a Costa Occidental da Africa, acharéo huma Craz
d& matmerée em hum rochedo junto & Angra: Pequene, ne latitude S.
26° 37’, a qual tinha as Armas dz Portugal, e huma inscripgio , que
ji se no podia ler; € mostrava ser hum dos antigos Padrées. Clarke ,
fomo 1. Cas. 2. So
- &3). A sua latitude S. 29? 20’, e longitude 34° 10%. Ha por aqui'
recifes ao longo da Costa, que tem sido pouco examinada; .
263
muitos: hordos para montar:a ponta mais Austral da
Bihia (que se chama ainda o Cabo das Voltas), ¢ nao
eo pndendo conseguir, foi obrigado a entrar na Bahia,
em que largou outra Negra., ¢ se demorou cinco dias. -
_Sahindo dalli, deo-lhe hum N.O. rijo, com a
qual correo 20 Sul ‘treze dias com as vergas arreadas a
meio mastro, levando. grande receio dos mares, que
the parecido orais soberbos que: os das Costas de Por
tugal , e quasi affogavdo os. navios , que erd0 pequenos,
e<azos. Abonancado ao tcarpo, nayegou com 2 prés 4
Leste a buscar.a terra, cuidando que: ainda cerria de
Norsre ao Sul, mas passados alguns dias sem. haver vise
ta deite, tomou-o rumo do Norte , nao suspeitande
ter j4-dabrado. o grande Cabo, qte procurava, e fou
dar com buma Bahia, a que chamsou Angra dos Va-
queires, e boje se chama das Waccas (1), pelo muite
gado vaccum que apascentaydo alguns pastares. Negros,
como os de.Guiné, os quaes fugirao levando o. pase
apdés de si; ¢ como: ninguem entendia a sua linguagem,
n4o se pdde tirar delles noticia algama.
Continuando Bartholomeu Dias a. navegar paralle-
Jamente a Costa, vio huma terrs alta, que fazza. dugs
tap de aréa tathadas a-pique sobre o mar, © proxi-~
mo 3 ella hum Iiheo pequeno, e parecendo-lhe o lugar arc-
commedado a0 seu. intento, assentou nelle o Padsip
chamado.da Cruz (2), de que resultou ficar-se-lhe cha-
{3
(1) Esta Bahia das Vaccas fica da banda de Leste do Cabo do meee
mome , situado em latitude S. 34° 30’, e longitude 39° 55.2 “A
tem heme legoa de seio, com 8 e nove bracas de fundo, e abriga dos
Ronentes. . |
(2) ©O Iiheo -da Cruz, situado na latitude 33° 39, ¢ longitude
4$°2', he onde Bartholomeu Dias levantou o Padrio chamado da Cruz,
ainda que Manoel de Mesquita Perestrello Ihe chama de S. Gregorio, As
das pontas de anda, gue lhe ficdo. fronteiras na terra tirme, chamdo-se
ainda Poatas da Padrdo. :
626
205
ra-se em que lugar), e seguio em demanda do Porto
em gue deixdra o Transporte, a que c hegou nove mezes
depois que delle se separdra. De nove individuos, que
compunhao a sua equipagem, havido morrido seis, ¢
‘dos tres que restavado vivos, falleceo de gosto, 4 chega-
da dos dous navios, o Escrivao Joao Colasso, que se
achava em muita debilidade. As mortes dos outros fo-
rZo causadas pela imprudencia de se confiarem dos Ne-
gros da terra, com quem faziao algum commercio , os
quaes se aproveitdrdo d’ huma occasiao opportuna para
Os assassinarem.
Bartholomeu Dias , recolhidos os mantimentos ;
queimou o Transporte, que estava comido do gusano (1),
e continuando a sua derrota, ancorou na Ilha do Prin-
cipe , onde achou doente a Duarte Pacheco, Cavalleiro
da Casa d’ ElRei,. que tendo sido mandado por Com-
mandante de hum navio a descobrir os Rios da Costa,
ficdra naquella Ilha por nao se sentir em estado de ir
executar a sua Commissdo;; e enviando entre tanto 0 na~
vio a fazer algum trafico, naufragou este, salyando-se
rte da gente, que tambem alli se achava. Bartho-
omeu Dias, recebendo todos a seu bordo, passou pelo
‘Rio do Resgate, e Castello da Mina, cujo Governador
Joao Fogaga lhe entregou o ouro que tinha negociado;
e seguindo seu caminho para Portugal, entrou em Lis-
boa em Dezembro de 1487, havendo dezeseis mezes e
dezesete dias que daqui partira (2).
(1) Os navios Portuguezes nao ergo forrados naquelles tempos, e s6
© fordo depois da descoberta da China, onde ackdcdo acuella invencio;
e a outra do sahimento da pdpa, que nas Ndos se chama Jardim.
(2): Deve sentir-se , que nao exista o Diario desta celebre Viagem
t4o superior a todas as antecedentes ! E que Jodo de Barros, cue pare-
-€e 0 teve presente, nao fiasse delle ham mais extenso, e mais bem or-
denado extracto! Com effeito custa a acreditar (e he com tudo verda-
de), gue devendo Portugal 4 sua-Marinha a melhor parte da gloria, ca
xiqueza, © da grande consideracio a que chegou ,desde este Reirado
206
1487 — Em Agesto deste anne sahie de Lishes
‘,huma Armada de trinta navies, Jcvande mil hamens
‘de Infanteria, ¢ cento e cincoenta de Cavallaria , alguns
destes ultimos Criados d’ Hiei, e os outras hous Fee
dalgos,e Cavaliciros. Estas embarcagdes armaraowe
‘em Povos, e Villa Fraaca, por caysa da peste ear que
ardia a Capital. Foi vor General da expedicie o Mon-
teire Mor D. Dicgo de Almeida; e por seu successor
no commando, em caso de vagar, D. Joaa de Ataide,
flbo do Conde da Atouguia. Ipnora-se © fan seerete
deste armamento (1), porque o Chronista -94 diz, que
era para bum certo ardtl na Casta da Barbaria ; e
gue este ardil se desacertou.
Chegando a armada defronte de Anafe (3), man-
dou D. Diogo espiar a terra, e sabendo que a duas le
s de distancia estavdo alguns Aduares de Mouwros da
nxovia. fez desembarcar de noite hum forte destace-
mento de todas as Armas, que surprehendee on Adua-
res por tal maneira, que quasi sem perda sua, catives
quatrocentos individuos, entre homens, ¢ mulberes , mar
tow novecentos , e tomou muitos cavallos, e outros de>
pojos, com que D. Diogo se recolheo a Portugal.
1488 — Andava EJRei com intentos de passar em
ssoa 4 Africa (ou assim o dava a entender), e para
iss@ fazia grandes preparativos ; e querendo enviar pri-
meiro huma Esquadra forte, que levasse mil homens de
Infanteria , e quinhentos de Cavallaria, todos Nobres,
e escolhidos , para a qual havia nomeado por Generaes
ao Capitio dos Ginetes Fernao Martins Mascarenhas, e
ao Camareiro Mor Aires da Silva, estando a Esquadra
prompta a partir, veio-lhe aviso da Barbaria, que esta-
até ao de D, SebastiZo, seja a Historia da Meriaha a parte que se sche
escrita con. menos conhecimentos professiqnaes !
(1) Vede Ruy de Pina, Cap. 27.
(2) Jad fiz mencio em outro iugar desta Cidade , hoje agruinada.
| 207
v%0 08 Mouros sabedores da expedi ¢io. Mandou logo
desatmar a maior parte dos navios, e fez sahir Fernae
Martins com trinta Caravelas, é€ cento e cincoenta Ca-
valleiros, Fidalgos da sua Guarda, com os quaes desem-
barcon em Arzilla neste anno de 1488; e unido com
_as tropas da sua Guarnic’0, e as de Tanger, fez huma
entrada até além da ponte de Alcacer-Quibir, onde os
Portuguezes ainda nao tinh4o penetrado, de que se ret
colheo coh muitos cativos, e despojos (1).
Esta pequena expedic¢io parece que foi emprehens
dida com o fim de esconder o verdadeito objecto do
prande Arthamento, que se prepardra.
1488 -— Por este tempo corria mui prospero o Com-
mercio, que os Portuguezes conservavao com os Negros
Jalofos , que povodo o espaco comprehendido entre os
dous Rios Senegal, e Gambia, cujo Soberano era Be«
moy (2) homem prudente, e sagaz, que conhétendo ag
vantagems que poderia colher do auxilio de Portugal,
para realizar alguns projectos politicos, deo-se a cultis
var a sua amizade. Para este fim abandonando o seftao,
-veio estabelécer-se na Costa maritima, onde concorriad
4s embarcagd¢s Portuguezas com cavallos, e outros pe-
neros de muito valor; e tratava os Officiaes, e Feitores
¢om o favor, e verdade, principalmente se erZo de na-
vios d’ EJRei, a qiem mandava alguns presentes dé
gousas curiosas , que este Monarcha acceitava, e retri-
buiz com outros. E como ouvio dizer, que Bemoy ti-
nha hum juizo claro, efiviava-lhe mensageiros pata o
petsnadiresn 4 deixar o Mahometismo, e abragar a Re-
igido Catholica, de que elle até alli se escusdra, posto
que dando sempre algumas esperangas de mudanga.
G1) Ruy de Pina, Cap. 36,
(2) Ruy de Pina, Cap, 37. — Barros, Decada 1., Liv, 1. Cap. 6,
~ Paria, Asia-tomo'1. Pater
208
Tal era o estado das cousas, quando Bemoy se
achou enyolvido em huma perigosa guerra civil, em que
a fortuna lhe foi contraria; e querendo valerese do fa-
vor d’E]Rei, mandou hum sobrinho 4 Lisboa, a pedir-
Ihe auxilio de armas, e soldados, a cuja proposta re-
spondeok Rei, que nZo o podia ajudar, senao no caso
de fazer-se Christao ; e ao mesmd tempo lhe remetteo
hum presente de cavallos por Gongalo Coelho, Com-
mandante de hum navio da Coroa, com o qual se reti-
rou 0 Embaixador.
Passado mais de hum anno, voltou Goncalo Coe-
Iho a Portugal, trazendo comsigo o mesmo Embaixa-
dor, que Bemoy tornava a mandar com hum presente
de cem escravos escolhidos (Ruy de Pina diz, que tam-
bem trouxe muito ouro), instando novaimente pelo soc-
corro, € prorogando a sua mudanga de Religigo para
depois da ruina dcs seus inimigos. Mas perdendo ago-
ra huma nova batalha, ficou tao derrotado, que tomou
por ultimo expediente fugir ao longo do mar para o
Castello de Arguim, onde se embarcou em hum navio
mercante coin alguns seus parentes, e sequazes; e neste
anno de 1488 entrou em Lisboa, estando a Corte em
Setubal.
ElRei, avisado desta inesperada vinda, o mandou
hospedar em Palmella, c a toda a sua comitiva com a
maior magnificencia ; ¢ no dia que entrou em Setubal,
o sahio a receber, e acompanhar o Conde de Marial-
va, com os Fidalgos, e pessoas Nobres da Corte, ves-
tidos de gala. Estavao ricamente armadas as casas da
Alfandega, em que ElRei pousava, e as da Rainha,
ue erdo junto a estas. Achava-se com ElRei o Duque
e Béja, e muitos Titulares, Fidalgos, e Prelados; e
com a Rainha estava o Principe D. Affonso.
Entrando na Sala Bemoy, que parecia de quarenta
annos , alto, e bem apessoado, a barba mui comprida,
209
e'a presenca agradavel, sahio EfRei dous ou tres pass
0S OT hrono, com o barrete hum pouco fore , fae
sim o levou ao estrado, em que havia huma cadeira ,
na qual se encostou em pe para o ouvir. Bemoy, e to-
dos os seus se lhe langdrag aos pés, fazendo accao de
tomar a terra debaixo delles, e de a lancar por cima
das cabecas. ElRei o levantou, e por meio de Negros
interpretes lhe disse, que fallasse. O Principe Jalofo,
com muita discrigao, e gravidade, fez hum longo dis-
curso, em que lhe perio soccorro, e justica , usando de
termos, e sentengas tao apropriadas, que nao parecido
de hum barbaro ; concluindo a final , que se a esta sua
pertencio era obstaculo ser Mahometano , como Sua
Alceza por vezes lhe insinudra, elle, e todos os seus que
estavao presentes, vinhdo a Portugal receber o Baptis-
mo.
Respondeo-lhe EiRei em termos breves, mas de
tanta satisfagdo, que Bemoy bem a mostrou no sem-
blante ;.e despedindo-se , passou a visitar a Rainha, eo
Principe D. Affonso , aos quaes em poucas palavras pe-
dio a sua intercessdo para com ElRei; e dalli o acome
panhdrdo todos os Grandes até 4 casa em que estava
aposentado.
Sepuirdo-se a esta recepcao festas de touros, e Ca-
nas, e no Paco sardos de momos ,e dangas, a que as-
sistio Bemoy sentado em cadeira defronte d’ EJRei; e
depois de instruido na Fé Catholica, foi baptizado a 3
de Novembro na camara da Rainha, e recebeo o nome
de D. Jodo, por ser ElRei seu padrinho. No dia 7 o
armou ElRei Cavalleiro, e lhe deo por Armas huma
Cruz de ouro em campo vermelho, e o escudo orlade
com 2s Quinas de Portugal; com elle se baptizarao ou-
tros yinte e quatro dos seus. Neste mesmo dia, em acro
solemne , fez homenagem a ElRei dos seus Estados.
Nas conversag6es particulares, que este Monarcha
27
210
teve com elle, [he deo Bemoy muitas noticias do in-
terior da Africa, que attrahirao a sua attengio, como
dizer-lhe, que para o Oriente dos Jalofos se estendido os
Poves Mozes, cujo Principe nem era Pagazo, nem Maho-
metano, e em algumas cousas se conformava com os
costumes dos Christéos; o que deo a EiRei fundamen-
to para crer, que seria o Preste Joao. Além desta ra-
zao, desejava ElRei construir huma Fortaleza no Se-
négal, para proteger o Commercio que os seus Vassal-
Jos fazido, e para o futuro poderi4o ampliar muito
Mais, servindo-se daquelle grande Rio para penetrarem
Ro centro do Paiz, principalmente conseguindo-se a con-
versio dos Jalofos ; em cujo caso seria facil aos Portu-
guczes apoderarem-se de todo o trafico do ouro, que
do vasto Reino de Mandinga concorria ds feiras de Time
bouctore , e Guenna , onde o vinhao buscar as Carava-
nas do Cairo, de Tunes, e de outros Estados da Ma
vitania. -
+ Para deliberar sobre esta materia com a madure-
va, que cumpria, fez ElRei varios Conselhos , em que
ee acsentou, que mandaese huma Esquadra de vinte Ga-
kée bem armadas, para transportar, e restabelecer o Prin-
cipe Jalofo nos seus Estados, para promover logo a
convers4o ‘daquelles Povos ao Christianismo, e fazer a
Fortaleza na bocca do Senegal.
Em consequencia armardo-se a toda a pressa vinte
€aravelas, guarnecidas de muita e bem luzida gente, e
foi nomeado por General Pedro Vaz da Cunha, e se
embarcou muita cantaria, e madeira lavrada, e os Ar-
tifices necessarios para a construc¢4o da Fortaleza. Hido
nesta expedi¢ao, além de Bemoy com todos og seus,
alguns Religiosos debaixo da direcgdo do Mestre Alva~
so, Dominicano , Prégador Regio , encarregades da
conversao dos Negros.
Chegado Pedro Vaz da Cunha ao Senegal com to-
2tt
da a Esquadra , que pdz espanto naquelles Povos, co-
-mesou a trabalhar na Fortaleza (de que havia de ficae
Governador ), cujo terreno escolheo mal, por ser sub-
-mettido 4s inundaches periodicas do Rio, e the come-
-gou a adoecer a gente. Nestes termos, dizendo que Be-
moy Ihe armava traigao, o matou 4s punhaladas dentro
do sew proprio navio; mas he provavel que o fez per
temer as doencas do Paiz, e querer voltar para Portw-
gal, como logo fez, mal-logrando-se com este horroroso
atrentado o fim de huma tdo dispendiosa expedicfo,
Mui ponderosas devido ser as causas, que obrigé-
rio hum Soberano do caracter de D. Jodo II. a deixig
impune hum similhante crime.
1489 — Neste anno (1) determinou ElRei mandar °
construir huma Villa, com seu Castello, dentro do Rio
de Larache, para fazer dalli maior guerra aos Moures
de Barberia , ¢ obrigar talvez algumas Provincias a su-
jeitar-se a pagamento de tributo. Preparou-se huma Ex
quadra, em que se embarcou a gente, que parecco suf.
ficiente; e os Artifices, artilheria, pedra lavrada, ma-
deira , € mais materiaes proprios para similhante obra.
No principio do mez de Junho partio Gaspar Juzarte,
nomeado General da expedicao, com instrucg6es
comecar logo a Villa, que teve o nome da Graciosa; e
n3o levou maiores forcas, porque estava ElRei persuas
dido, segundo a informacao das pessoas por quem man- —
dow reconhecer 0 terreno, que em todo 0 tempo do ans
no podiso entrar, e subir pelo Rio, Caravelas, e nae
Vios ; O-que nao era exacto. E para remediar qualquer
incideme imprevisto, foi assistir em Tavira com a-Rai-
Bha , © Principe D. Affonso, e toda a Corte , onde rece
bia avisos diarios do que se fazia em Larache.
G) Ruy de Pina, Cap. 38. — Garcia de Rezende, Capitulos 8%
© 32. ; |
27 ii
212
_Comegou-se aobra com actividade, sendo parte de
alvenaria, e parte de madeira, e palissadas, para com
-Maior brevidade se por em estado de defensa; mas avi-
sado desta novidade o Rei de Féz, na raia
Estados se construia a Fortaleza , conyocou os seus
en lles 9 ormaresen , € enviou adiante seu filho
a ataca-la com hum Exercito, ainda que tumultuario,
immenso, pois se diz ser de scam on: de cavallo,
€ maior numero de gente de pé, com o qual cercon
as novas fortificagbes, ¢ guarneceo as margens do Rio,
para evitar Os soccorros por mar. we Mh
Instruido ElRei deste cerco, e da doenca de Gas-
oar Juzarte , como tinha prevenido hum grande arma-
* gmento naval para o que podesse occorrer, expedio lo-
a D. Jodo de Sousa, valente Cavalleiro, e do seu
Conselho, com hum reforgo de luzida gente, nomean-
do-o Governador da Praga sitiada, em que se reunite
agora mil e quinhentos Fidalgos, e Cavalleiros da Casa
Real, a flor de toda a Corte. + tonal
_. Crescendo porém mais o poder dos Mouros, e
noticioso ElRei das desvantagens do Kio, de que pen-
dia a conservacio da Fortaleza , mandou, nesta per
plexidade, a Fernio Martins Mascarenhas , Capi
dos Ginetes, e da sua Guarda; a D. Martinho de Cas-
tello Branco, Vedor da Fazenda (depois Conde de
Villa Nova); ea D. Diogo de Almeida (que passow
a Prior do Crato), homens de muita representagfo, e
bravos Cayallciros, que lhe erao muito acceitos, para
examniCAFOR Be lemlicete ,e soleare a informa-lo da
yerdade, a fim de resolver se devia largar, ou sustentar
a ‘Graciosa. Entrados nella estes Fidalgos, chegou o
.ei de Féz com o resto das suas forcas; e tendo elles
por deshonra sahir da Praca, em occasiao similhante,
encorpordrao-se na Guarnicao, e escrevérao a ihe
bacco 0. Neste tempo adoeceo perigosamente D, Joao
213
de Sotsa, € como era forcoso vir curar-se a Portugal,
ajustou com os tres Fidalgos mencionados , que deitas-
sem sortes, para se decidir a qual havia entregar o
commando; e cahindo a sorte em D. Diogo de Almei-
da, lha entregou logo, e partio para o Reino.
Os Mouros, animados 4 vista do pequeno numero
dos Portuguezes, ¢ do mdo estado das fortificagdes da
Villa, 2 combatéra0 fortemente por varias partes; mas
recebendo grande damno da artilheria, e de outros ar-
tificios de fogo, retirdrdo-se fora d’alcance de canhio,
e empregdrao todo o esforgo em atalhar a navegac4o do
Rio. Para obterem este resultado, o atravessdrao de hu-
ma a outra margem, em hum lugar abaixo da Fortale-
za, onde dava vdo, com duas boas estacadas parallelas
entre si, guarnecendo os seus flancos de trincheira, em
gue cavalgdrdo muita artilheria grossa , que batia o cae
nal todo, e as proximidades das estacadas,
Esta obra causou algum susto aos Portuguezes ,
principalmente quando souberao, que o Camareiro Mor
Aires da Silva, General de huma Esquadra de soccor-
ro ancorada na foz do Rio, querendo forcar a entrada,
achou taes obstaculos, e resistencia nos Mouros, que
n3o conseguio chegar as estacadas, para as destruir, co-
mo intentava. Porém nada disto fez esfriar os cercados
da resolucdo em que estavao de se defenderem até &
ultima. extremidade, ou até chegar hum poderoso soc-
corro capaz de dar batalha aos Mouros, o qual nao
duvidavao que ElRei conduziria. De tudo isto foi elle
avisado em ‘Tavira, e sem perder hum instante, expe-
dio hum reforgo de nayios a Aires da Silva, com or-
dem , que commettesse de novo a entrada do Rio, e ao
menos reurasse a Guarnicao da Villa, que era o que
maig# desejava; porque pelas ultimas informagdes que
& este tempo ja tinha das enfermidades endemicas do
Paiz, e de néo ser o Rio sempre navegavel ,. estava re-
214
solvido a mandar desmantelar @ Fortaleza, se nfo esti-
vesse de tode concluida. Partido este soccorro, fez Con-
. setho sobre passar psesoalmente 4 Africa; e sendo una-
nime a opinido contraria, seguio o parecer de D. Jo%o
de Abranches (1), que chegqu per acaso no fim do Cone
‘selho, e que lhe disse, n4o confiasse a empreza, sendo
de si proprio.
Determinado pois a passar a Larache, © commu-
nicou logo aos cercados por meio de alguns Mouros
peitades; e fazendo chamamento de gente por todo Pos-
togal, se lhe offerecéro todos , velhos, e mocos com a
melhor vontade. :
O Rei de Féz, sabedor destas disposicdes, vende
por hum lado, gue lhe comegava a desertar a gente,
atormentada, e descontente dos trabalhos do cerco; e
temcreso pelo outro de ser destruido em huma batalha:
campal , mandou propor a Aires da Silva, que tinha po-
deres de Lugar-Tenente d? ElRei, que elle deixaria
sahir livremente os Portuguezes com as armas, artilhee
ria, cavallos, e mais effeitos que tivessem , se lhe entre-
gassem a Villa, e ElRei quizesse confirmar-the o Tra-
tado, que seu Pai D. Affonso V. com elle fizera no
tempo da tomada de Arzilla. Aires da Silva, parecen-
do-ihe isto bem, por ser conforme ds inten d’ Bl.
Rei, concluio huma Tregua com o Monarcha A frica-
no, até 4 volea de hum expresso que mandou a Tavira.
Acceitou E]Rei a proposta, e para a concluszo do
Tratado enviou a Larache Ruy de Sousa, D. Affonso
de Monroi, e Diogo da Silva de Menezes, todos do
seu Conselho, e da sua confianca, os quaes juntamente
com Aires da Silva confirmarao tudo por hum Tratado
feito em Xames a 27 de Agosto deste anno: e dados
(1) Ruy de Pina nfo faz mencio deste Conselho, que refere Gare
cia de Rezende, que me parece mui verosimil que bowvesse.
215
de pafte a parte os necessarios, refens, levantdrzo0 o8
Mouros © cerco, e os Portuguezes se recolhérao 4 Ex
quadra com tudo quanto tinhao na Graciosa, e chegd-
rid 2 salvamento a Tavira, onde forao recebidos @? Kl-
Rei, e da Corte com grande prazer, e honra.
1490 — Neste anno determinou ElRei D. Joao man.
dar huma Esquadra (1) com tropas de desembarque a
Ceuta, para auxiliar huma surpreza, que se intentava
fazer ao celebre Alcaide Baraxa, e deo o commando a
D. Fernando de Menezes, filho do famoso Marquez de
Villa Real. Constava a Esquadra de cincoenta navios,
alguns de guerra, € os outros de transporte, com muita
e boa gente, muni¢6es, e cavallos.
D. Ferrando ancorou de noite em Gibraltar, e ren«
do alli aviso de seu irmao D. Antonio de Menezes, que
governava: interinamente Ceuta, de que eta entio im-
praticavel a projectada surpreza de Barata, conveio com
elle em ir atacat a Villa de Targa (2) ; e reforcado
com algumas embarcagdes de Ceuta, e outras de Hes-
panba , achou-se com dous mil homens, em que entra-
vio cento e trinta de cayallo. 4
Chegado a Targa, desembarcou logo, e tomou 4
Villa, sem perder hum soldado, porque os moradores
a desampardrio apenas avistardo a Esquadra. Aprezd«
Fdo-se no Porto vinte e cinco embarcacées, entre grams
des, ¢ pequenas, e nos afmazehs muitos canh6es, ara
mas, polvora, e munigces navaes; e libertérde-se alpuns
Chriet4os cativos. Destruida por ultimo a Villa, © tae
Bados of catipes, se recolheo a Esquadra a Ceuta cats
Fepada de despojox.
Mas D. Fernando de Menezés, ndo satisfeito dese
(1) Ruy de Pina, Cap. 41. — Garcia de Rezende , Cap. 111.
(2) Targa, edificada a cousa de dito levoas ao Sueste de Tetvio,
@ qual se ebama hoje Tagaza, e Rio dog Alamios ad cue banha o$ sews
3mhuros. Nos tempos antigos sahido dalli muitos Corsarios. |
216
ta victoria , combinou-se com os: Governadores de Tane-
ger, e de Alcacer para irem assaltar Comice, lugar
grande, e aberto, situado nas mais asperas, e altas ser-
ras da Barberia, ao qual os Mouros chamavéo o En-
cantado, Para esta empreza se reunirao todos em Alca-
cer, d’onde partirao com quatrocentos homens de caval-
lo, e mil e duzentos de pe. Chegados a Comice, e ten-
do occupado os passos mais difficultosos da serra, ata-
cargo o lugar, e o ganhdrdo com assds resistencia dos
Mouros, que querendo salvarese pelas brenhas, se acha-
rao cortados. Morrérao delles quatrocentos , ¢ ficdrao
cativos cem. Os Portuguezes queimdrao as casas, e cora
muito gado, cavallos, e outros despojos, se -recolhério
a Alcacer, perdendo alguns soldados na retirada ; e D.
Fernando voltou para Portugal.
1490 — O Embaixador de Congo, que Diogo Cam
conduzio a Portugal no principio do anno de 1489, re-
cebeo o Baptismo, e os da sua comitiva, com grande
solemnidade em Béja, com o nome de D. Jodo de Sou-
sa. Achando-se agora ja todos bem doutrinados nos
Mysterios da Fé Catholica, determinou ElRei manda-
los restituir 4 sua patria, e nomeou Goncalo de Sousa,
Fidalgo da sua Casa, por seu Embaixador, e a0 mesmo
tempo Commandante de huma pequena Esquadra de
tres navios bem armados, nos quaes se embarcdrao, além
do Embaixador de Congo, muitos Religiosos, de que
era o principal Fr. Joao, Dominicano , para comegarem
a instruir aquelles Povos (1), levando todos os Oraa-
mentos, e mais Cousas necessarias para a fundacao de
huma Igreja Cathedral; e munidos de huma Instrucgdo
preparada em hum Conselho de Theologos, e Cano-
C1) Ruy de Pina, Capitulos 57 até 63. — Barros, Decada 1. Liv.
3- Capitulos 9 e¢ 10, == Faria he quem traz os nomes dos dous Com-
mandantes.
217
nistas, que ElRei convocou para esse effeito, e cujas
sessOes:' se faz'do na sua presenca. Conduzia tambem
Gongalo de Sousa hum rico e magnifico presente ao Rei
de Congo, e aos Principes da sua Casa.
-Erao Commandantes dos dous outros navios (na-
quelles tempos o Chefe, ou General de huma Equadra
commandava o seu proprio navio) Fernando de Avelar.,
e Affonso de Moura; e Pilatos Pedro de Alemquer, que
o féra de Bartholomeu Dias, e Pedro de Escobar. 3
Esta Esquadra partio de Lisboa a 19 de Dezem-
bro de 1490, e proximo ds Ilhas de Cabo Verde falle-
cérao de peste (que havizo contrahido naquella Cidade)
Gongalo de Sousa, o Embaixador de Congo D. Joao '
de Sousa, o Escrivao da Esquadra , e outras pessoas, 0
gue causou grande terror e consternacao; e assim are
ribdrao 4 Ilha de S. Tiago, onde, por intervengdo do
scu Governador Fernao de Goes, se elegeo por Com-
mandante da Esquadra a Ruy de Sousa, primo, ou so-
brinho de Gongalo de Sousa, que hia por passageiro. «--
_ Seguindo dalli viagem, depois de muitos perigos e
trabalhes, chegira0 a 29 de Marco de 1491 a huma
Bahia, que fica por detras da ponta do Padrdo, no Rio
Zaire. Era Senhor desta Provincia hum Principe chas
mado Mani-Sono, tio e vassallo do Rei de Conpo,
que assistia a duas legoas de distancia; o qual acompa- ©
nhado de.tres mil frecheiros. veio logo visitar os. Portu-
guezes ». com grandes festas e contentamento. Ruy .de
usa o recebeo na praia 4 testa da melhor gente da sua
Esquadra ; e achou nelle tal desejo de ser Christ@o, antes °
gue seu sobrinho'o fosse , que a 3 d’Abril, que era-dia -
de Pascoa‘, foi baptizado, e hum seu filho ajnda meni-
no, em huma Igreja de: madeira tosca, que para esse -
effeito se construio, e adornou do melhor modo possi-
vel; tomando elle o nome de D. Manoel, e o menina
© de D. Antonio. : |
28
219-
Concluidas estas cousas, marchou Ruy de Sousa por
terra para a Corte de Congo, distante cincoenta legoas,
escoltado por muitos centos de Negros, huns armados,
e outros para conduzirem a bagagem, achando por toda
4 parte abundancia de viveres.
Entrou em Congo a 29 d’Abril, sendo recebide
com a maior pompa e apparato. Comecou-se a edi-
ficar a primeira Igreja (depois S¢ Cathedral com Bispo
natural do Paiz) no dia 3 de Maio, e concluio-se no 1.°
de Junho. O Rei quiz ser baptizado no mesmo dia 3
de Maio, com o nome de D. Joao; e com elle se bapti-
24ra0 OS scis principaes Grandes da sua Corte: a Rainhg
Q foi no dia 4 de Junho, erecebeo o nome de PD. Leonor.
Depois destes Baptismos, partio o Rei para ir su-
jeitar 4 sua obediencia humas Ilhas situadas em hum
grande Lago, d’onde se diz, que sahe o Zaire, as quaes
se lhe havido rebellado, para cuja expedicao era fama
gue levava oitocentos mil homens. Os Portuguezes @
auxilidrao nesta campanha, em que houverao combgtes
sanguinolentos, até que por ultimo o Chefe dos rebel-
des se entregou 4 discrigazo. Acabada a guerra, voltoy
@ Esquadra para Portugal , havendo perdido algume
gente naquella trabalhosa expedigao.
Esta foi a ultima accao do Reinado memorave]
de D. Jodo II., que trabalhou constantemente ngo s6
por explorar as Costas, mas por conhecer as Provinciag
centraes daquella yasta Regiao, e estabelecer com ellas
telagdes amigaveis, de que tirasse vantagens o Commer-
cio de Portugal; talvez com o projecto, se o descobri-
mento da India nado podesse realizar-se, ou ainda reali-
zado, se ge encontrassem naquella navegacio obstacu-
los taes, que tornassem nullos os provcitos do trafico,
de empregar entdo as suas forgas em occupar Os pontos
principacs da Africa, de maneira que se fizesse seshor
de todo o Commercio della.
219
A Esquadra mandada ao Senegal, posto que sé
tornasse inutil ao restabelecimento de Bemoy,, produzio
ufeis effeitos, dando aos Negros mui diffcrentes idéas
das que formavao da forga naval de Portugal; porqué
ndo tendo até alli visto nos seus Portos, senao peques
has embarcac6es costeiras (1), virao entéo huma Ee
quadra de vinte navios de gucrra bem guarnecicos de
gente, e de artilheria, que podi#o em poucas lioras ar-
razar as suas PovuacSes, e Invadir o Paiz. Assim cos
mec4rao as varias Nacdés de Negros a procurar a ami-+
zade_ dos Portuguezes, tanto pelas utilidades que acha<
¢40 no seu Commercio, como para obter a sua ptotec-
¢40 nas guerrds e disputas, que de continuo tinhao hu-
mas com outras, como acontece entre genres barbaras
€ confinantes ; servindo de exemplo a cada huma o soc-
corro enviado a Bemoy. :
Por estas razdes comecou E!Rei D. Jogo a ser obs
Sequiado dos Principes Africanios com recados, e presen-
tes, e com favores aos Portuguezes, que o Comntercid
tonduzia aos seus Portos; de que clle habilmente se
Aproveitou para entabolar correspondencias com os Res
os das Costas maritimas, e por meio deéstes com of
beranos rhais poderosos do interior , como o dos
Mandingas, dos Moses, dos Fullos, de Furucol, e Tim-
boucton, servindo-se para estas mensagens de Portugues
zes, c de estrangeiros intelligentes nas linguas, e costt-
mes dos Povos, cujas relac6es de amizade crescérid tar
to, que jd este Monarcha influia nos nepocios, & contén:
das particulares daquelles Potentados, e creava Feitorias
no inferior do Paiz, com erigio Hunra na’ Cidadé de —
Haadem., setenra legoas go Oriettté do Castello de Ars
guim. FE to respeitados forgo no seu Reinado, e ainda
muitos annos. depois os Portuguezes, que mandando o
(1) Bartos, Devada r. Liv. 3. Cap. 12: _
23
220
rande Historiador Jodo de Barros no anno de 1934
Bum mensageiro ao Rei de Mandinga, sobre o Com-
mercio do Gambia, lhe respondeo, gloriando-se de que
seu avd recebéra huma similhante mensagem do outro
Rei D. Joao de Portugal.
_ 1493 ~— A 6 de Marco deste anno (1) entrou em
Lisboa Christovao Colombo, vindo do descobrimento
das Antilhas; e como esta grande novidade obrigou
ElRei D. Jodo a armar huma Esquadra, cumpre-me dar
aqui huma breve explicagao deste negocio, posto que o
seu objecto seja alheio destas .Memorias.
Colombo, Genovez de Nagao, tendo navegado no
Mediterraneo, e no Oceano, e muito instruido aa Arte
Nautica, e na ligao dos antigos Geografos , veio a Pare
tugal, onde adquirio mais amplos conhecimentos (2) na
sociedade , e conversacio dos habeis Pilotos daquelle
tempo, ¢ provavelmente no estudo dos Diarios dos nos-
sos celebres Descobridores, que deviao ser entde com-
muns, e hoje por desgraga nao apparecem.
Comparando pois o que achava escrito nos anti-
gos, com os descobrimentos modernos dos Portuguezes
na Africa Oriental e Occidental , e Ilhas do mar Ocea-
no, créo firmemente que existido terrds consideraveis ao
Occidente da Africa; e destes principios mui provaveis
tirou consequencias falsas, capacitando-se, que navegando
naquella direcgao0, acharia outro caminho para a India
{porque suppunha os limites desta Regido pouco distan-
tes das Ilhas situadas a Oeste da Costa d’Africa), sem
(1) Ruy de Pina, Cap. 66. — Barros, Decada 1. Liv. 3. Cap; ro
—— Faria, Asia tomo 1. Parte 1. — Clarke, tomo 1, Liv. 1. Cap, s.
(2) Perece que nesta mesma Escola aprendia seu itmfo Bagtholo-
meu Colombo, o qual levou de Postugal a Inglatetra o conhecimento
cas Cartas Geograficas (alli ignoradas); ¢ em 1489 imprimio em Lon
d@rz3,, dedicanda-o a Henrique VII., 0 primeiro Mappa-Mundi , que ap=
parveco naguelic Palz, Vece Clagke no lugar citado a pag, 197.
221
continuar os descobrimentos além do Cabo de Boa Es-
peranga, cujas tormentas tinh3o assustado hum dos mais
ousados Navegantes, Bartholomcu Dias.
Armado destas hypotheses, importunou a ElRei
D. Jodo para que Ihe confiasse navios, em que tentasse
o descobrimento da India pelo caminho do Occidente,
Mandou-o ElRei conferir com a sua Junta de Mathe-
maticos, que reprovou © projecto, por ser fundado em
meras conjecturas, € na existencia quimerica da Uha de
Cipange de Marco Paulo. |
Escandalizado desta decisé0, passou Colombo a Cas-
tella, .ande obteve o commando de tres embarcac@es ,
com que se fez 4 véla a 3 de Agosto de 1492, € a 12
de Outubro descobrio a primeira das Antilhas, e depois
algumas outras,-d’onde regressou 4 Europa, ainda per-
suadido de que estas IIhas estavao proximas a hum gran-
de Continente, que cria ser a India; de cujo erro sé o
desengandrao ulteriores descobrimentos , passados annos,
Entrou elle em Lisboa jactando-se de haver acha-
do a-Ilha-de €ipango, e mostrando ouro, e alguns na-
turaes do Paiz, que tinhao a cor, o aspecto, e 0 cabel-
lo nao 4 maneira dos Negros, mas como sc dizia que
os tinhdo os PovosIndjanos; € ao mesmo passo exagge-
rava a grandeza, e riqueza das novas terras; 0 que poz
ElRei em grande cuidado; e chamando Colombo sua
presenga, Ouvio dasua bocca a relagao da viagem. Esta
narrativa, e © estranho aspecto dos homens qué trazia ,
Ihe derao suspeitas de que seria aquelle descobrimento
huma usurpacio dos seus direitos 4 conquista do Orien-
te. Mas por nao descobrir 0 seu pensamento, nem se
mostrar sentido de haver engeitado. os. seus servicos
quando elle lhos offerecéra, o recebeo. praciosamente,
e com algumas mercés o despedio.. mo |
Convocou muitas vezes E]Rei o seu Conselho,, no
qual prevaleceo a opiniao, sobre tudo entre os Geogra-
222
fos que assistirao a ellc, de que as Ilhas descobertas por
Colombo pertencido 4s Conquistas de Portugal. Em con-
sequencia deste parecer, mandou armar huma Esqua-
dra, de que nomeou Commandante em Chefe a D. Fran-
cisco de Almeida, filho do Conde de Abrantes, para ir
explorar, € tomar posse daquelles novos Paizes, o que
nao chegou a ter effeito pelos requerimentos, e€ protestos
da Corte de Hespanha,; até que depois de varias Em-
baixadas, se concluio o famoso, e conhecido Tratado da
divisio do Globo entre os dous Monarchas; Tratado
Fundado em bases arbitrarias , e abusivas, que produzio
os resultados que deviao esperar-se , porém que naquelle
momento evitou huma guerra. a
Falleceo ElRei D. Joao II. a 25 d’Outubro de rags.
Retwapo D’ EtRet D. Manos.
O Governo deste feliz Monarcha foi a verdadeira
Idade de Ouro de Portugal: a sua Marinha descobrio
a India, conquistou as melhores pcagas maritimas da-
uella vasta Regiao, e langou os fundamentos do gran-
e Imperio da Asia, que durou até 4 epoca em que a -
forga , e a traigao unirao 4 Coroa de Castella a Coroa —s
de Portugal , suffocando os inalienaveis Direitos da
Casa Real de Braganga; catdstrofe, que attrahio sobre
esta segunda Monarchia (que gozava das docguras da
paz desde mais de hum seculo) a furiosa tempestade , «x
228
que comegava a.alagar a Hespanha, e acabou destruin-
do a sua preponderancia na Europa.
Navegantes celebres, guerreiros afamados , homens
de Letras, e de Estado foro communs neste Reinado;
e mostrdrao bem ter aprendido na Escola d’ ElRei D.
Jo%o II., filho do Infante D. Henrique (1),
Como ElRei conhecia que a prosperidade actual ,
e futura da Nagao Portugueza dependeria sempre das
suas forcas navaes, p6z todos os seus cuidados em au-
mentar a Marinha. A experiencia das viagens ante-
cedentes ensinou a construir melhores navios de Guer-
ra, ede Commercio. Forao animadas em v-rias par-
tes do Reino as plantagdes do linho canhamo, que nao
erdo insignificantes, pois havido Feitores em Santarem ,
Coimbra, e Moncorvo; e delle se fabricavio amarras de
qualidade superior 4s de todos os outros Paizes (2), o
que durou até ao Governo dos Hespanhoes , em que se
aniquilou este ramo importante da Agricultura Nacio-
nal. Tambem se estabclecérao Fabricas particulares de
armas brancas, e de fogo de toda a qualidade; e huma
por conta da Fazenda Real na Ribeira de Barcarena,
cujos Mestres vierao de Biscaia, trabalhava por enge-
nhos movidos por agua; e em Lisboa creou-se huma
Fabrica Real de polvora (3). Os navios de Guerra erdo
construidos nesta Capital (que continha.dous Arsenaes
de Marinha), v0 Porto, e em S. Martinho; e os de
Commercio faziao-se nos estalciros particulares destes
gmesmos Portos, e nos de Aveiro, e Vianna (4). To-
da a artilheria de bronze (quasi a unica usada naquel-
(1) Bruce diz nas suas Viagens (p30 me recordo em que lugar’),
que os Exercitos Portuguezes na Asia erfo iguaes, ou superiores a tudo
uanto a antiguidade nos apresenta,
(2) Severim de Faria, Noticias de Portugal, Discurso 1. §. 14,
C3) O mesmo, Discurso 2. §. 11,
€4) Couto, Memorias Militares tomo 3. pag. 287,
224
Jes tempos, e nos seguintes) era construida em Fundi-
gdes Reaes e particulares (1)..
Os Arsenaes da Marinha, e do Exercito estav%o
ta0 providos de tudo, e era tal a copia de embarcagées
em Portugal, que quando ElRei no anno de 1508 foi
a Tavira, qucrendo passar em pessoa a soccorrer o Cas-
tello de Arzilla, reunio em cinco dias hum Exercito de
vinte mil homens, e os navios sufficientes para transpor-
ta-los 4 Africa (2).
No tempo deste Monarcha houverio sempre tres
Esquadras empregadas em fazer guerra a Piratas, e Cor-
sarios , que infestavao o Commercio: huma Esquadra,
chamada do Estreito, cruzava pelas Costas do Alpar-
ve, ¢ Barberia , ¢ compunha-se ordinariamente de Fus-
tas, ec Caravelas; outra de navios maiores corria as Cos-
tas do Norte de Portugal; e¢ outra (que se augmentou
depois) cruzava sobre as Ilhas dos Agores (3). Para
promover, e vulgarizar os conhecimentos Mathemati-
cos, creou E!Rei na Universidade de Coimbra em 1518
huma Cadeira de Astronomia, de gue foi o primeiro
Lente Filippe, seu Medico (4); e com o Raby Abraham
Zacuto, seu Astronomo, consultava elle as cousas rela-
tivas a Navegacio (5).
No seu Reinado teve o Officio de Capitao Mor da
Frota D. Antao de Abranches, por Carta passada em
Monte Mor o Novo, no 1.” de Margo de 1466.
(1) Assim consta de hum Manuscrito anonymo, que examinei, e
parece ser redigido pelos annos de 1635, no qual se encontrio varies:
Certidses authenticas , extrahidas dos Livros dé Receita, e Despeza dosmamll
Armazens Reaes, o qual hei de citar algumas vezes nestas Memorias.
(2) Goes na Chronica deste Rei, Parte 2. Cap. 29; ¢ Severim dex
Fxja, Discurso 2. §. 15.
(3) O mesmo no lugar acima citado.
(4) Ensaio Historico sobre a origem das Mathematicas em Portugal o
@tc., pag. 26.
(5) O mesmo, pag. 27.
225
A fim de animar, erecompensar os homens, gue
ge dedicavao ao servigo da Marinha, deo ElRei amplos
Privilegios aos Pilotos , Carpinteiros de machado , e Ca-
Jafates, de que fallarei quando tratar da Legislagio
Maritima: e para melhor defensa do Tejo, construio
a Torre de Belem, que era para aquelle seculo de res-
peitavel forca. . :
O augmento ra pido da Marinha em numero, e gran-
deza de navios de Guerra, que se seguio ao descobri-
amento da. India (consequencia forgosa do alto véo, que
aomou o Commercio) ‘produzido pela necessidade de
‘mandar alli todos os annos muitos navios, huns para
voltarem com carga, a que por esta sazao se dava o
‘nome de Ndos da carreira, outros para ficarem servin-
do naqueiles Estados ,, onde se conservavao Esquadras
‘permanentes , de que por ultimo se formou hum Depar.
tamento separado; tornou -indispensavel a organizagao
das lJoragées , € vencimentos das equipagens dos na-
vios (s) Porém a Disciplina Militur, ainda que nao
_ U1) Eis-aqui.o. que achei (36 nelle 0 achei) no citado Manuscri-
to. A guarnic’o determinada para as Nios da carreira da India foi pri-
-meiro de 120 pracas, classificadas deste modo: dezeseis Officiaes; qua-
zenta e dous marinheiros, inclusos dous Estrinqueiros, que servido de Ca-
-bos de. marinheisos, ¢ de Patrées de lanchas, e escaleres; cincoenta Gru-
-Metes; quatro pazens; ¢ ofte Artilheiros, Os criados do Commandan-
-e nZo erdo incluides na lotacio. Tinhio o nome de Officines, além
do Gommandante , 0 Escrivdo , 0 Capellio, o Mestre, o Contra-Mestre, _
o Guardido , o Primeiro, e o Segundo Piloto, o Carpintziro, o Cala-
-fate., o T'anoeiro, o Barbeiro (que servia de Cirurgiio ), o Conde.ta-
- vel, o Meisinho (que pertencia ao Corpo dos Artilbeiros , ¢ tinha a
seu cargo a guarda des prezos, a policia dos fogdes , e as armas, ¢ mu-
micdes ) , 0 Cosinheiso, ¢ o Marinheiro-Dispenseiro, Acrescentoyese
«lepois esta lotacio com hum segundo Carpinteiro, e hum segundo Ca-
hafate , e dezojto Artilhziros , completando o numero de 140 pracas: e
fPassados annos teve novo augmento, com dezoito marinheiros, e dez
@cumetes, sommando 168 pracas; e assim se conservava em 1634.
fQuando as Naos levavio Commandante em Chefe (Capitic Mor), em-
29
226
menos indispbensavel, caminhou cam passos mui vapa-
rosos, talvez por se lhe dpporem alguns prejuizos da-
quelle scculo; ¢ so muitos annos depois chegou a hum
barcav4d a seu bordo seis Trombeteiros , ou Charameleiros, que ne se
incluigo na lotacio.
A racio diaria consistia em arratel e wes quartas de biscouto, hum
arratel de vacca, ou meio arratel de porco, e meia canada de v inho ,
sto em dia de carne; © em dia de abstinencia, o mesmo biscouto, e
vinho , ¢ meio arratel de arroz, ou de bacallrio, ou d= quedja. Agua
-huma canada para beber, ¢ cozirthar ,. mas cozinhavasse. liuma ed. vez nbd
dia. Davaese huma ca:vada de azeite. para 60 pracas, e bump de ving
gre para trinta. Além destes mantimentos , levava cada Nio hum maio
de farinha, sal, vinte alqueites de lesumés , oito de amendoas , outros
tantos de amzixas, e huma certa porcio de mostarda , astucar > © mel,
tudo entregue 20 Gommandante .para o distribufr come quissse. Para
es doentes erubarcavao-se conservas ; -¢ outras dictas, © humsz .ow dins
boticas. As luzes fixas em huma Nio era sé tres de azeite. Os viveres
calculavdo-se para quatro mezes de dias de carne, e outros tantos do
abstinenzia, e 0 biscowto para dez mezec.
Os vencimentos erdo regulados da maneira seguinte: © Capitke-
Mor vencia 6oogjooo rs. de viagem redonda, e concediiaselhe dove
criados (nio inclusos na guarnicdo), tendo cada hum mensalmente dez
tostées. O Commandante de huma Nao vencia 200gj000 rs. de via-
gem redonda; e tinha seis criados a dez tostées por mez, O Escrivio
403000 ts de viagem redonda, e 12Q@cO0 fs. de emolumentas. O Ce
pellio 2gscco rs. mensaes. O Mestre 120Qj000 rs. de-viagem. © Con-
tra-Mestre s0q@)000rs. O Guardiio 1400 1s. por mez, e 2g§800 re. de
gttintalada, que era certa gratificacio que s¢ pagava em Licboa odian-
tada, O Primeiro Piloto 120@j000 rs, de viagem. O Segundo Piloto
1@200 rs. por mez, e 2@)800 rs. de guintelada. Os Carpinteiros , e
Calafates 1@)690 rs. por mez cada hum, e 3q@})900 1s. de guntaleda.
O T'anoeiro 1@200 rs. mensaes, e igual guiutalede. O Meirinho dex
tosthes mensacs, O Barbeiro o mesmo. Os Estrinqueiros o mesmo, e©
2@)8c0 r<. de guintalada, Os matinheiros os mesmos soldos, e gauinte-
dadat. Os grumetes 666 rs. por mez, e€ 1@)800 rs. do grintalada. Os
pagens 400 1s. por mez, e¢ 1209 rs. de quiatalade. O Condestavel
1600 rs. mensazs. Os Arrilheiros dez tostées ror mez.
Além destes vencimentos , concediio-se aos que andavfo nas Néos
da Incia ¢ rtas sratificacses , e liberdades, Ao Capitéo-Mor quime cai-
xoes -1o valor de 300.Hc00 rs, cada hun, de cujos direitos se the pes-
doavio quinze por cento, e de Obra Pia 3020 ¢s., € ma'‘s doas escu>
227
gr4o de perfeicao tokeravel , como mostrarei com bag-
tantes exemplos nestas Memorias. ,
"Nem. podia deixar de ser assim , em quanto se nfo
“N . .
‘vos livres: de frete , e direitos. A cada hum das seus doze criados hn.
_ ama caixa do valer de iz0@joco rs., perdoando-se dez por cento, e de
Obsa Pia 1@209 6s, Ao Commandante de huma Nao seis caixdes de
valor de 250gjcco rs., abatendo-se-lie quinze por cento de direitos; e
de Obs Pia 2g)500 rs. A cada hum dos seus criados, cue lhe pertens
viko, hirma caixa de’120gjoco rs., ‘perdoando-lhe dez pcr centd, e
4 200'rs:, do Obra-Pia. Ao Escrivia duas caixas de 200g}<co 1. }cade
haya , abatendé-se-Ihe quinze pos cento de direitns, © 2gyoon rs. de
Obra Pia; .e mais dous escravos livres de frete. Aa Capellio huma
caixa’ de 120q000 rs., perdoando-lhe dez for certo de direitos, e
1200 rs. de Obra Pia, e mais hum escrave livre de direitos, Ao Bar-
beiro: 0 mesmo, excepto escravo,, que 30 se the concedia. Ao Prinei-
ro Piloto duas: caixas de 2c0gj000 rs. cada huma, com o abatimento
de quinzs por cento, ¢ de Obra Pia 2gs000 rs. , @ mate dous escravos
livres. de dinsitos. . Ao Segundo Piloto,dmima ‘caixa‘de 2c0gjoco ‘8.
com o-abatimento :de vinte. por o¢nte:de direitos, ¢ de Obra Pia
2qj000 m., &. mais ( por hums. Provisso: de:‘Sua Magéstade ) dous escrae
vos livees-de frete,.e de dircitos. An Mestae duas caisay de: 200g)c00 Ts,
cada buma, com a abatimente de gitioze. par conta, e de Obra Pia
2q@000 rs., © mais dous escravos liyres de direitos, Ao Contra-Mestre.
harma éaixa de 200000 13... com O-abatimento de cuime pot cento »
@ 2qj00a-rs. de Obra Pia. .AO Guardiéo- huma caina.de 120g)000 19.,
abatendo-se-lhe dez por conto, ¢ tinhe mais de Qbra.Pia rgjaco mm
Acs Carpinteiros, Calafates , “Tatiociros ,° Marinheitos-Despensetos , €
Retrinquesros o mem que. a0 Guardiso. . Aos Matiabeiros -o mesmo,
gue a estes. Aos Grumetes, assim dos que pertencido aos Ofticiaes,
como eos do-servico da Néo, huma caixa a ceda hum de 80gjooa 1s: ,
de que se the perdoaviio dez por cento, ¢ de abré-Pia 8a0 rs, Avs Pa
gens hutn fardo a cads hum do valor de 5.39533 reis, de que se the.
aliatizo der por-ceato. A cada Arcilbeiro huma- caixa de 120g)000 3s. 5
de. que se the abatiio quinze por cento ,-¢ 1.g)200 rs, de Obra Pia.
. Estes réguhamentos soffrério alteracio pelo decurso dos tempas, co-
mo se colhe da narracio de Linschat , que no anno de 1583 passou 4:
India na Néo Portacueza S. Salvador (Vede a Historia da Navegacio de
Jofo Hugues de Linschot, Hollandez, ds Indias Qrientaes , Amsttrdam
1638), aggregada 4 familia do Arcebispo de Goa D. Ir. Vicente da
» e-apsistio naguelle Estado até o anna de 1588, em que -re-
gressou a Europa; o qual relata por extenso todos os vencimentos” Gos
2” i
cad
Ihdé (7); €m que te derZo différentes votos, sendo 0
maior nomero, de que a India se no devia descobrir’,
fundando esta opiniao em que, além de trazer comsigo
muitos encargos, por ser Paiz mui remoto para se pc-
der conquistar , ¢ conservar, enfraqueceria tanto as fore
gas de Portugal, que ficaria este sem as necessarias pa-
raa sua conservagao. Em segundo lugar, que desco-
berta a India, cobraria este Reino novos competido-
res, de que jd tinhZo experiencia as contestacdes entre
ElRei D. Jodo II. e EtRe: D. Fernande de Castella
pelo descobrimento das Antilhas; chegando ao ponte
de repartirem entre si o Mundo em duas partes iguaes,
para o poderem descobrir , e conquistar.. & por ultimo,
se esta ambiczo de Paizes incognitos preduzira aquella
reparti¢zo sd 4 vista de algumas amostras dos generos,
gue se tiravao de Guiné, 0 que seria, se viesse a Por-
tugal quanto se dizia das Regiécs Orientaes 2
A estas razGes se oppozerao outras mais acceitas z
ElRei, por serem conformes a seu desejo; e as princi-
paes , que o movérdo, forio: ter herdado a obrigacdo
aquella Conquista com a heranga do Reine, e o [n-
fante D. Fcsnaade seu Pat haver concorrido: para este
descobrimento quando mandou descobrir as Llhas de Ca-
bo Verde, e mais pela singular affeicdo que conservava-
a memoria do Infante D. Henrique seu Tio, que fdéra
© autlior do novo Titulo do Semherio de Guind, resu-
mindo-se a final na esperanca de que Deos facilitaria os:
mesos, que convinhao a bem do Reino.
Determinado ultimamente em continuar neste des-
cobrimento , declarou , passado tempo, em Estremés a
- (1) Damifo de Goes (Parte: 2. Cap. 23 da.sua Chronica d’ElRei:
B. Manoel) diz, que estes Canselhos forio feitos no mez de Dezembro:
de 1495 5; e-que determinado ElRei a continuar o desccbrimento dax
Iadia, mandou. logo preparar os navios, no que se gastou mais. de buns
anna.
231
embareagdes , que de ordinario hido a S. Jorge da Mi-
2. . a
Entrado- j4 no anno de 1497, em que a Esquadra
se achava pronrpta, mandou EdRei chamar a Monte Mor
o Novo a Vasco da Gasha, e a0s outros Commandan-
aes, que erao Paulo da Gama seu irmao, e Nicoldo
Coelho (1); ¢ ainda que lhe tinha ja explicado a sua
antengia, e€ lhe havia mandado fazer as suas Instruc-
gdes , quiz. agora praticar isto com maior solemnidade,
fazendo-lhe huma falla publica na presenga de algumas
pessoas. notaveis, para isso chamadas; na qual expoz as
razOes.que tivera para emprehender o descobrimente
da India , deduzidas dos beneficios resultantes da propa-
gacao.da Ké Catholica no Oriente, e do augmento de
gloria, e de riqueza, que esperava de tamanha-empreza,
sendo esta confiada a hum homem de tanto merecimene
to como. elje. | Do, |
Acabada a pratica, todos os assistentes beijarao a
amgo a. ElRei ;-e posto Vasco da Gama de joelhos, apre-
gentou's Escrivao da Puridade huma bandeira de seda
branca, tendo no aicio aCruz da Ordem de Christo (2),
(1) ‘Goes (ab lugar. citado) diz, que isto foi no mez.de Janeiro
i sO eee
mr, batideiras da Esquadra de Vasco da Gama erfo como esta;
e quando, passados annos, houverio na India Esquadras pertencentes
“guelle Estado, as suas bandeiras tinbio no meio as Armas Reaes, e por
dbaixo deilas a Cruz da Orden de Christo ; costume, que durou até ads
principigs-do secujo-passado, Couto, Memorias Militares, tomo 1.
. pag. 253. Tambem parece, que gs Naos da India trazido pintadas nas
gavias humas grandes Cruzes vermelhas , pois , segundo Castanheda, por
este signal conheceo Affonso de Albuquerque a Esquadra de Diogo Men-
ties de Vasconce}los, gue hia.de Portugal s mas ignoro quando se intro-
shuzio este costume. Castanheda, Liv, 3. Cap. 34. :
Devo advertir aqui, que o Capitéo Mor, ou Commandante em Che-
fe de huma Esquadra, ou Divisio de Nios da Carreira da India, trazia
bandeira no tope grande, como Generals e ainda que se encontrasse
com outra Esquadra qualquer, nao recebia ordens do seu Chefe. Esta
233
todos os Commandantes na Ermida de Nossa Senho-
ra, que o Infante D. Henrique funddra naquelle sitio,
em que estavdo alguns Freires do Convento de Thomar
para administrarem os Sacramentos aos navegantes. No
dia seguinte 8 deJulho concorreo alli muita gente, huns
por devogao, outros para se despedirem dos que par-
tio; e Vasco da Gama embarcou-se acom anhado de
huma devota Procissio, que os Freires ordendrao, se-
guida de toda a gente da Cidade, entoando a Ladainha,
até chegarem 4 praia, onde estavdo os escaleres da Es-
quadra; e ajoclhados todos, o Vigario da Casa os ab-
solveo na forma das Bullas, que o Infante D. Henrique
obtivera para os que fallecessem nestes descobrimentos ,
€ conquistas; acto que se concluio com lagrimas, como
era natural acontecer em tal occasiao. ,
Constava a Esquadra de tres navios de Guerra (1),
(1) Castanheda affirma, que ElRei, aproveitando-se das Instruccées
e Regimentos feitos pelo seu antecessor, mandou construir dous navios
das madeiras ja cortadas, hum de cento e vinte toneladas, por nome
S. Gabriel , e outro de cem toneladas , chamado S. Rafael; e comprou
huma Caravela de cincoenta toneladas a hum Piloto chamado Pérrio, de
guem ella conservou o nome. E que como nos navios da Esquadra nao
cabigZo mantimentos para tres annos, comprou mais outra embarcacao
de duzentas toneladas , pe. ir catrregada de mantimentos até 4 Aguada
de S, Braz, e ser alli despejada, e queimada. A guarnicado da Esqua- ,
dra , segundo o mesmo Historiador, era de cento e quarenta e oito pese ,
sons; © Batholomeu Dias sé a devia acompanhar at¢ ds Ilhas de Cabo
Verde.
Pedro Barreto de Rezende no seu Epilogo manuscrito dos Vices,
Reis da India, escrito em 1635 CObra de que Barbosa nio teve noti-.,
cia), diz, que a guarnicio dos tres navios de Guerra era de cento e.
seswnta homens, entre soldados e marinheiros.
Faria e Sousa (Asia Portugueza, Tomo. Parte 1. Cap. 14.) diz, ,
que a guarnicfo da Esquadra se compunha de cento ¢ sessenta pessoas, ,
de mar e guerra, ¢ parece excluir a equipagem do navio dos manti- ,
inentos, a que chama hum Barco: que Vasco da Gama levava por Con-
fessor a Fr. Pedro de Cobilh6es, Religioso da Santissima Trindade, o
primeizo Sacerdote que passou ao Oriente: que Ferndo Martins, e Mars
30
234
é hum Transporte de mantimentos: no primeiro, cha-
mado §. Gabtiei, hia Vasco da Gama , le’ando por Pi-
loto a Pedro de Alemquer, que se achdra no descobri-
mento do Cabo da Boa Esteranca, e por Escrivao Dio-
go Dias, irmao de Bartholomeu Dias: do segundo na-
vio, por nome S. Rafael, era Commandante Paulo da
Gama, Piloto Jodo de Coimbra, e Escrivio Joao de
$4: commandava o Bérrio Nicoléo Coelho, era seu Pi-
loto Pedro Escolar, ou Escobar, e Escrivio Alvaro de
Braga; o Transportes levava sé alguns marinheiros, e
¢commandava-o Gongalo Nunes. O total da guarnizdo
destes navios era de cento é setenta homens, entre ma-
yinheiros, e homens de armas (soldados armados offen-
siva ¢ defensivamente ); e 0 porte de cem até cento €
vinte toneladas (1).
tim Affonso ergo Pilotos, e¢ servigo de interpretes; e que entre os
sdidadés se distingutio Fernio Veloso, Alvaro Velho, e os dous i
Pedro de Faria e Figueiredo, ¢ Francisco de Faria e Figueiredo, que
fallecér3o no Cabo das Cortentes, o ultimo dos quaes era hirin ‘ilbastre
Poeta Latino. .
He preciso saber, que Vasco da Gama ‘levava dez ou doze degra-
dades para deixar nos Portos, que bem Ihe parecesse , os quaés nfo erfo
ificluidos na guarnicio da Esquadra. ,
€1) O celebre Historiador Robertson achou que os tres navios, de
que se compunha a Esquadra de Vasco da Gama, ero em demasia pee
qtrenos , ¢ sem a forca necessaria para aquella commissio. (Clarke , To-
mio 1. Cap. 2.)
Eu creio, pelo contrario, que estes navios, relativamente d¢ cir-
cOnstancias do tempo, ero mui adequados para preencherem os fins,
qae ElRei D. Manoel s¢ propunha nesta primeira expedicio, os quaes_
se reduziao a marcar a linha da navegacdo para o Oriente; a examinsr_
a estado Commercial e Politico daquella vasta Regido, quasi desconbe=
cida , sem espantar os seus Reis com hum apparato de forca, que os.
obrigasse a lizarem-se desde logo para mal-lograr qualquer tentativa, que
os Portuguezes depois arriscassem para se firmar no Paiz; e 2 explorer,
e reconhecer os Portos mais opportunos para arribadas, e estabelecimen-
805 mercantis,
Accresce a estes motivos a facilidade, que dava'a Vasco da Game *
235
No mesmo dia 8 de Julho de 1497 sahio Vasco da
ama com a Esquadra, e 0 navio da Mina de Bartho-
lomen Dias, dando aos Commandantes por ponto de
reuniao a Ilha de S. Tiago, no caso de occorrer alguma
separacdo. Aos oito dias de viagem avistou as Canarias,
@ com a cerracgao e mdo.tempe que sobrevcio, se apar-
tdrZ0 de noite os navios, reunindo-se no fim de oito.
dias , menos o de Vasco da Gama, que enconirdrfo na.
tarde. de 27, e o salvdrdo com tiros de artilheria, e to~
ques de trombeta (costume daquelle tempo); e no dia.
seguinte (1) seguio toda a Esquadra na ha de Sado
a@ mesma pequenez dos seus navios, para evitar os riscos de. huma na-
vegacdo, que além do ponto a que chegou o famoso Bartholomeu Dias,
esa desconhecida; ¢ até se ignorava. se os navios grandes de quilha acha-
rido Portos, R.ios, e. Bahias em que se abrigassem - das tempestades , e:
podessem refazer-se de viveres, ¢ aguada, E da experiencia do passado.
se deduzia, que se devido encontrar naquelles mares virgens muitas.
_ Abhas, e baixos, huns occultos, outros descobertos; circunstancias em
que as embarcagdes pequenas tem toda a vantagema sobre as grandes,
ngo s6. pela rapidez com que virfo., e manobréia ,. mas for passarem
a salvo por cima de bancos, e parceis, em que os grandes naufragios ;
e achareys tambem guarida em Portos, ¢ Rios, onde estes nio tem
fyndo sufficiente para ancorar.
De resto. a observacio. critica de Robertson convertesse em louvor.’
de Vasco da Gama, porque. sendo certo, que merece mais Jouvor quem?
com, poucos meios obtem grandes resultados, s¢ se compararem os- ese!
cassos auxilios que as Artes, e as Sciencias, ainda infantis naquelle -se-:
culo, derfo a Vasco da Gama para completar a sua viagem; com os:
immensos socgorros de toda a especie , que as mesmas Artes, e Scien-
cigs .em;todo. 0 seu vigor no seculo passado fornectrio a Cook, Van-
cower, e La Peyrouse, persnado-me, que todo-.o homem intelligeme,-
e desapaixonado escolheria ser antes hum Vasco da Gama, do que qual.
destes illustres Navegantes.
Porém esta materia pedia huma Dissertacio, que por nao caber
nos.estpe¥tas limites de-.huma Nota, deixo para outro tempo.
(3):, Segunda, Basras, Vasco .da Gama -chegou..com treze dias de
viagem 4 Iha de S, Tiago, isto he, a 21 de Juiho;. mas. Castanheda,
e Damjag. de. Goes ( Parte 1. Cap. 35 ) dizem que foi a 28, opiniao
gug.eu segui.fundado na particular individuacdo, que faz Castanheda
desta viagem.
30
237
Astrolabio de madeira de tres palmos de diametro,
0 qual , posto que mais exacto do que os outros Astro-
labios pequenos de metal que levavao, nao podia ter
uso a bordo de embarcacdes tdo pequenas, que arfavao
muito com o mar, por ser necessario suspende-lo em
huma especie de cabrilha.. Além disso desejava colher
alguma lingua de terra, ¢ saber a distancia a que lhe
ficava o Cabo de Boa Esperancga, de que o Piloto Mor
Pedro de Alemquer se fazia trinta Icgoas (1), ain-
da que ngo conhecia a terra, por haver passado de
largo quando foi ao descobrimento do Cabo com Bar-
tholomeu Dias.
Enere tanto alguns Portuguezes, que andavdo espa-
lhados pelas praias e matos, derfo com dous Negros,
que estavdo apanhando mel aos pes das moutas com ti-
gdes de fogo na m4o, dos quaes segurarao hum. Vasco
da Gama, porque nao havia quem o entendesse, e celle
de assombrado nao acodia aos acenos, mandou vir dous.
grumetes, de que hum era negro, e estes o@fovocdrio
a comer e beber; e a final mostrou por acenés humas
serras, que scrido duas legoas, dando a entender que
junto dellas estava a sua Povoacio. Vasco da Gama o
mandou soltar, dando-lhe cascaveis, contas de vidro,.
e hum barrete vermelho, acenando-lhe que se fosse, e
tornasse com seus companheiros, para lhes dar outro
tanto; o que clic fez logo, trazendo aquella tarde dez.
ou doze, que recebérao iguaes presentes; e apresentan-
do-Ihes amostras de ouro, prata, e especiaria, de ne-
nhuma dero noticia. |
No outro dia j4 com estes vierao mais de quaren-
ta tao familiares, que hum soldado chamado Ferniao Ve- '
€1) Este calculo de Pedro de Alemquer,, hum dos melhotes Pilotos.
daquelle tempo, era sufficientemente exacto, e por isso mesmo deve |
Rarecer hoje extraordinario, |
239 | .
¢o da Gama 4 yéla a 16 de Novembro (1), com vento
S.S.E., sem Jevar informagao da terra, como deseja-
va, porque Fernio Veloso nao vio cousa que contar,
sendo O perigo que dizia_passar entre os Negros; os
quaes tanto que se apartarao da praia, o fizerao tornag
somo querendo-o ter por negaca, para quando o fossem
recolher commetterem alguma maldade, como intentd-
Na tarde do dia 18 vio Vasco da Gama o Cabo
de Boa Esperanga, € como o vento lhe era contrario
para o dobrar, foi de dia no borda do mar, e de noite
na terra até ao dia 20 (2), que cam menos perigo do
que se esperava, 0 dobrou, indo ao langa da Costa com
vento em pépa,:com grandes folias, e tanger de trom-.
betas; e dia de Santa Catharina (25 de Novembro) che-
gou 4 Aguada de S. Braz (3), sessenta legoas além do
Cabo, ,E pasto que.achou Negros decabello revolto, co-
mo os passados, estes sem receio algum chegardo aos
escaleres a receber as cousas, que lhes langavdo na praia,
¢ por acenos comecarag logo a eptender-se.com os Por-
tuguezes, e derdo carneiros em troca de outras cousas ;
. a) . Segundo Castanheda, e Goes (Cap. 36), que trazem esta pre-
cisa data da sahida de Vasco da Gama da Bahia de Santa Helena. © -\°
(2) OCabo de Boa Esperanca he o mais famoso, e conhecido de
toda a Africa, por isso julgo inutil a sua desctipeios 36 advertirei; que’
a.Bahia da. Meza be. a verdadeira Aguada .de Saldanha, ‘onde os Cafres:
anatdra0 20.V.ice-Rei D, Francisco de Almeida, com a flat dos Officises-
da India, que o acpmpanhdrio_na imprudente correria, que fez naquelle
P3iz, entio selvagem. A ignorancia dos Navegantes Hollandezes deo o
mome de Bahia de Saldanha a outra grande Bahia ,: cuja penta do Norte’
esté em 33° 5’ de latitude Sul, nat 10! $f cone: - A situacdo:
Cabq de, Boa Esperanca, no ancoradouro da Cidade , he a seguinte :
tavinade Syt 33° 54’ 24’, @ longitude 36° 34! a5”, a
(3) A Aguada, ou Bahia de S. Braz, tem na ponta de Oeste 34°
32! de katitude Sul, ¢ 40°10’ de longitude. Esta Bahia tem tres le
goas de boca , cam fundo limpo, e ha nella hum IJlhote: abriga muito
dos ventos Ponentes. Chamfo-lhe os Inglezes Flesh-Fay.
241
em que se faziao, de que erdo causa as grandes corren-
tes; mas crescendo muito o Ponente, vencério a cor-
rente da agua, e dia de Naral avistarao a Cesta, a que
,chamdrao (1) deste mesmo nome.
A 10 de Janeiro de 1498 (2) indo a gente a quar-
tilho d’agua, cosinhando-se j4 com agua salgada, anco-
rarao defronte do Rio, a gue derao o nome de Rio de
Cobre, onde comprdrdo acs Negros muitas manilhas.
deste metal, e marfim, €-mantimentos, tenco tanta com=_
munica¢gdo com elles, por ‘Wasco da Gama os satisfazer
com dadivas, que Martim Affonso, pratico em muitas
linguas de Negros, e que entendia a destes, foi 4 sua
Aldea, cujo Chefe nao so o recebeo com grande festa ,
mas quando tornou ao navio, pelo honrar mandou com
elle mais de duzentos homens. Depois elle e outros
yierdo visitaf Os navios, e em seu tratamento mostravao
habitar em terra fria, por virem alguns vestidos de pel-
les; € por causa da muita familiaridade, que tiverio
com os.Portuguezes em cinco dias que a Esquadra se
deteve neste ancoradouro, lhe péz Vasco da Gama o
nome de Aguada da Boa Paz. E sahindo a 15 de Ja-
neiro (3), cOomegou a afastar-se da terra, com que de
(1) A terra do Natal comeca em latitude Sul 32° 17/, e 47° 27 de
longitude, e acaba na latitude de 30°, e longitude 48° 58’. O Rio
do Natal entra no Oceano Indico em 30° de latitude, e he o maior
Ne Paiz: tem na boca huma barra com dez ou onze pés d'agua,
e dentro mais fundo, .
(2) Barros diz, que foi a 6 de Janeiro,.dia de Reis, e por isso de
ario este nome ao Rio. Castanheda, e Goes (Cap. 36) dizem , que fora
mo dia 10, cuja data cambina com as circunstancias, que relata o pri-
smmneiro destes dous ultimos Escritores. Este Rio dos Reis, ou do Co-
Boe he o mesmo, que a Aguada da Boa Paz: he hum Rio pequeno, em
«Jue nio podem entrar navios, os quaes sao obrigados a dar fundo por
<5ra dos recifes. Esti na laticude Sul 24° 454, e longitude 51° 43’.
Em todas as Cartas tem o nome de Rio do Cobre.
(3) Basros nfo traz as epocas da sahida de Vasco da Gana da Aguae
vl
242
noite passou 0 Cabo das Correntes (1), porque comecdé
va a Costa a encurvar-se para Oeste, e sentindo que as
aguas 0 apanhayao para dentro; temeo ser alenma Em
seada penetrante, d’onde ndo podesse sahir.
Este temor Ihe fez dar tanto resguardo, por fugie
da terra, que passou sem haver vista de Sofalla (2), Gi.
dade tao celebrada naquellas partes por causa do muito
ouro, que os Mouros alli recebem dos Negros da tere
ra por via do Commercio, segundo depois soube: e @
24 chegou a boca de hum Rio mui grandé, além delle
eincoenta legoas, vendo sahir delle alguns barcos com
vélss de palma, equipados de Negros de boa estatura,
cingidos de pannos de algodio azul , que sem medo ak
gum entrdrdo nos navios. Entre estes € outros que con~
corrérao depois , havido alguns fulos, que pareci#o mes-
tigos de Negros, e de Mouros. Muitos trazifo turban-
tes brancos, e de seda de varias cores, e alguns tame
bem entendiio palavras do Arabe, que \hes fallava Fere
nao Martins , marinheiro, ainda que 0 seu idioma pro«
prio ninguem o entendeo. Por estas palavras, e por ace
nos disserio, que para o Nascente havia gente branca,
que navegava em navios como aquelles, os quaes yiio-
passar por aquella Costa em differentes direccdes.
Todas estas circunstancias derfo grande animo aos
Navegantes , com a certeza de se irem aproximando 4
India, e por esta causa-chameu Vasco da Gama a este
Rio dos Bons. Signaes (3). E vendo a seguranga, e boa
da da Boa Paz, aem da sua chegada ao Rio dos Bons Signaes; porm
achio-se em Castanheda , e Damiiv de Goes, d’onde as copiei; porque
as datas das sahidas, e entradas de Portos sido essencizes na Historia do
huma Viagem.
(1) Situado na Costa da Africa Oriental, latitude Sul 23° 40’,
Jongitude 5 4® 50’.
(2) Cidade mui rica pelo seu Commercio do ouro, situada na Costs
Oriental da Africa, na latitude Sul 20° 22’, e longitude 5 3° a14
(3) Este Rio he o Zambese, que penetra cento ¢ oitents legoas pe
243
fé dos Negros no trafico que tinhdo com os seus, ven-
dendo-lhes mantimentos da terra, carenou, e concertou
os navios, por virén) ja rmu gujos, e comidos do gusa-.
no (1), em que gastou trinta e dous dias; e neste meio
tempo, com aurilio dos naturaes, poz hum Padr%o pot
nome S. Rafael, dos que levava para este descobrimenta
_Mas para nao ficar sem desconto de trabalhos. este
prazer das boas novas, adoeceo aqui muita gente, de
que morreo alguma; a maior parte de ‘inchac6es de pers
nas, 4 maneisa de eris{polas, e de-lhes crescer tanto a
carne: das gengivas, que quasi ndo cabia na boca aos hex
mens; (era: o. escorbuto, ainda :ent4o mal ‘conhecido), e
assinx Como crescia, apadrecia, e cortavao nella como em
carne.morta(z). A qual doenga vierdo depois a perceber ;
lo Imperia de Monomotapa, ¢ entra no mar por varias bocas, a mais
conhecida das quaes he a de Quilimane , cuja ponta do Norte esti em
latitudde- S. 17° 47', © longitude 56° 30’. Chama-se-fhe vulgarmente
Rio de Sena. oo
(1}> QO gusano (supposto que este seja o mesma que @ do Brazil ¥,
roe, © comsome todas as madciras, excepto as mui amargosas, como a
Tapinhoan , ou as que tem alguns succos em certa grd0 verenosos, co=
mo o féo de Arco do Pari, cuja serradura mata alguns insectos. As madei=
tas. qne nfo tem estas propriedades , ¢ sd tent a de serem mui compat
ctas, resistem nmis ou menos tempo, mas por uicimo séo destruias,
O pioho he de todas:as madeiras a que elle desfaz mais dz prossa, Eu
vi no Rio de Janeiro o forro do fundo da Néo S, Sebastido (que era de
pinho) ficar em menos de um anno em estado, Gue muitas tabnas s¢
achavio reduzidas a poucos filamentos , que formavio como htrma tene
da; ¢ mesta occasiéo he que se colheo hun gusano, qus tina duas pols
Becadas, ¢ alguroas livhas de conyprido, a cor esbrunquicada, e emtas
«Jo similhante 4: minhoca, excepto a cabeca, que era mais grossa, do que
axeveria ser, segundo a grandeza do cotpo, e terminava em hunia boca
mmedonds , e atrombetada. Morren logo que sé expoz d accio do ar.
Alsumas pessoas tem-lhe dado o nome de Cupim do Mar, posém .
asdile nfo tems a. menor similhanca cam o Cupim, que he bem bichinho
ae cir fusca, do tamanho, e feitio dos bichos das fructas, .
(2) Refere Castanheda, cue Pai:lo da Gama visitava os deentes de
<A ta, de noite, consolando-os, ¢ répartindo com elles da: sua matalo-
@ asm, . . |
31 i
24%
que procedia das carnes, pescado saleado, e biscouto
corrompido de tanto tempo. ‘Tiveraio mais dous gran-
des perigos: hum foi, que estando Vasco da Gama 4
borda do navio de seu irm3o em hum bote pequeno, sd
com dous remeiros, e tendo as mios pegadas nas ca-
déas da batocadura, em quanto fallava com elle, descia
a apua tao teza, que lhe furtou o bote por baixo, e
elle, e os marinheiros ficarao pendurados nas cadéas
até que lhes acodirio, O outro perigo accnteceo a este
mesmo navio o dia da sua partida, que foi a 24 de Fee
vereiro: sahindo do Rio, foi encalhar em hum banco
de aréa, onde esteve em termos de ficar; mas vindo
a maré de cheio, sahio do perigo, com que Vasco da
Gama seguio seu caminho, indo na volta do mar aquel-
le dia e noite (1), por se afastar da Costa; e no dia
sccuinte 4 tarde descobrio tres pequenas Ilhas (2), nao
mui distantes humas das outras, duas com arvoredo, ec
huma escalvada. Vasco da Gama continuou por cinco
dias a sua derrota, navegando de dia, e pairando de
noite; ena tarde do 1." de Marco vio huma Ilha pe-
uena perto da Costa, e tres Ilhéos mais féra. Receoso
de topar de noite com elles, virou no mar; e como
amanheceo, tornou a buscar as Ilhas, desejoso de pas-
sar entre ellas; e mandou diante Nicol4o Coelho para
ir sondando, por ser 0 secu navio o mais pequeno da
Esquadra; mas Nicoldo Coelho crrou o canal, e achan-
do pouco fundo, virou, a tempo que sahido da Hi
mais chegada 4 terra alguns barcos com yvélas de estei-
ra, que lhe ficav4o em distancia de mais de huma le
goa; ¢ chegando 4 falla de Vasco da Gama, the disse :
(1) Barros nio individua circunstancia alguma da viagem de Vasco
da Gama, desde o Rio dos Bons Signaes até Mocambique; as que eu
mfirn sao tiradas de Castanheda.
(3) Frio as Ihas do Fogo, das Arvores, e a Rasa, chamadas as
tliat Primeisay Vasco da Gama passou sem ver as de Angoxa.
245
Que vos parece, Senbor? Fa esta be outra gente. E el-
le lhe respondeo mui contente, que seguissem o bordo
do mar, para poderem tomar aquella Ilha, d’onde sahi-
rdo os barcos; € que surgiriao para saberem que terra
era, ¢ se acharido noticias da India.
Entre tanto os barcos os seguido sempre, capean-
do-lhes que esperassem; e nisto deo fundo a Esquadra
junto a dous Ilheos, apartados mais de huma legoa da
Ilha, a hum dos quaes deo Vasco da Gama o nome de
S. Jorge, -por ser este o de hum Padrao, que alli met-
‘teo. Os barcos chegario logo cantando, e tocando seus
instrumentos, em signal de festa: os homens, que nelles
vinhao, erao bagos, e alguns brancos, de boa estatura ,
vestidos de algodao Hstrado de varias cores, com turban-
tes, alfanges, e adagas, e fallavao Arabe.
Entrados nos navios, hum dos mais bem vestidos
perguntou o que buscavao? Vasco da Gama respondeo,
por meio de Fernao Martins, que erao Portuguezes, e
elle queria saber, que Ilha cra aquella? Ao que o Mou-
ro (que depois se soube ser natural do Reino de Féz)
satisfez dizendo , que se chamava Mogambique (1), de
que era Xeque Cacoeja , que mandava por costume visi-
tar os navios , que chegavao, para saber se vinhZo com-
merciar na I|ha, ou sdmente prover-se para continuarem.
a viagem. Vasco da Gama entao the disse, que elle vi-.
nha aquelle Porto a buscar hum Piloto, que o levasse
4 Iadia, para onde era o seu destino, e nao trazia gene-
ros pafa negociar , excepto os précisos para a troce del-
les comprar o que lhe fosse necessario. Com isto o- des-
pedio, dando-lhe hum presente para o Xeque, assegu-
rando-lhe o astuto Mouro, que havia na I]ha quantida-
de de Pilotos, que sabiao a Navegacao da India.
C1) Esta Ilha he bem conhecida, estd na latitude Sul 15° 3’, e lon
Bitude 58° 27’, :
246
Pouco depois volrou com algum refresco da terra,
@ hum recado do Xeque, que moveo Vasco da Gama,
com parecer dos Commandantes, a entrar no Porto de
Mogambique, o que fez, indo Nicoldo Coelho diante
sondando, cujo navio tocou da pOpa em huma restings
da Ilha, onde deitou o leme fora; porém dando logo
em maior fundo, foi surgir junto da Povoagio; e apos
elle toda a Esquadra. Feta Povoacao era de casas pa-
Ihacgas, excepto a Mesquita, e as do Xeque. Os habi-
tantas erio Mouros estrangciros, que alli se estabelecés
F240, @ commerciavao com Quiléa, e Sofalla; e os nae
turaes do Paiz erao Negros, que moravao na terra fire
me,
Nas Memorias relativas 4 Asia, e Africa Oriental
exporci o resto desta interessante Viagem; e agora por
antecipacio direi a conclusdo que teve.
_ Vasco da Gama na sua torna-viagem para Portus
1 perdeo o navio S. Rafael no mesmo baixo, entre
Guilds e Mombaga, em que tocdra 4 ida; e por entia
lhe ficou o nome do Baixo de S. Rafael, salvando-se
toda a gente, que se repartio pelos outros daus navios,
A 20 de Marso de 1499 dabrou o Cabo de Boa Espe.
rancga. Proximo ds Ilhas de Cabo Verde se epartou del-
le com tempo Nicoldo Coelho, que a 10 de Julho che~
gou 4 barra de Lisboa; e sabendo que o seu General
ainda nao era chegado, quiz tornar a busca-lo, o que
ElRei nio consentio.
Vasco da Gama ancorou na Ilha de S. Tiago, -e
entregando o navio a Jodo de Sa, seu Escrivao, afrevon
huma Caravela, e foi 4 Ilha ‘Terceira, na qual falleceo
secu irmio- Paulo da Gama, que vinha mui doente, e fi-
cou sepultado no Mosteiro de S$. Francisco. Desta Ilha
partio Vasco da Gama para Lisboa, onde chegou a 29
de Agosto, sendo recebido d’ ElRei, e de toda a Corte
com as maiores hoaras, festas puolicas, c demonstragdes
247
de alegria. As mercés que entao, e depois lhe fez ElRei,
forio dar-lhe o Dom pata.clle, e seus irmaos, o Offi-
cio de Almirante dos Mares da India, € trezentos mil
réis de renda, o Titulo de Conde da Vidigueira, ea
faculdade de empregar cada anno na India duzentos
cruzados em mercadorias, livres de direitos, 0 que no
tempo de Joao de Barros produzia em Lisboa sete mil
cruzadgs, tudo isto de juro, e herdade. E ordenou
‘ mais ElRei, que ao escudo das Armas da sua familia
acrescentasse buma pega das Armas Reaes do Reino
(Barros, Cap. rr.). |
1g00 — Com a volta de Vasco da Gama a Portu-
gal muddrao os discursos, que os homens até alli fazizo
sobre as vantagens da descoberta, e conquista do Orien-
te. vendo em Lisboa espectaria, aljofar, e pedraria,
produces daquelles ricos Paizes, que antes olhavao
eom admiracio quando os Venezianos as trazido a este
Reino. E como pela viagem de D. Vasco da Gama.,.
ge conhécee,, que o tempo proprio para sahir de Lisboa:
era em Marco, e 0 espago de tempo que restava da
epoca da chegada de D. Vasco da Gama até Marco
do anno seguinte de rgo0, era mui curto, fez ElRel:
Consellio sobre o modo que teria no proseguimento da-
quella conquista, attentas as informag6es. que dava D..
Vasco da Gama, e assentou-se em se mandar huma
rande forca naval, que désse dquelles Povos huma alta
Téa de Portugal ; e igualmente foi logo determinado a
numero de Ndos,.e de soldados, ec o Chefe da expedi-
ga0, para que foi escolhido Pedro.Alvares Cabral.. ~
A 8 de Marco de 1500 foi: ElRei com. toda a Cor-
fe ouvir Missa 4 Ermida de Nossa Senhora de Belem,
defronte da qual. ancorou naquelle dia a Esquadra. Es-
teve arvorada no Altar, em quanto se disse a Missa,
huma bandeira da Ordem de Christo, que o Bispo de-
€enra D. Diogo Ortiz (que prégou. nesta occasiao) beii=
248
zeo no fim da Missa, e E]Rei a entregou da sua mao 2
Pedro Alvares Cabral com grande solemnidade de pa-
Javras, tendo-o com sigo dentro da cortina, por honra
do Cargo que levava, em quanto durério os Officios
Divinos. Concluido este acto, foi levada a bandeira
com solemne Tiucissio, que Elikci acompanhou até 4
praia, onde Pedro Alvares, e todos os outros Com-
mandantes Ihe beijirao a mao, e se despedirao delle.
A maior parte do Povo de Lisboa cobria neste momen-
to as praias, e campos de Belem; e muitos em batreis
embandeirados rodeavao os navios , augmentando esta
festividade o som de toda a qualidade de-instrumentos
musicos (1). |
Constava a Esquadra de doze navios de Guerra,
entre Ndos, e navios menores, e hum ‘Transperte car-
regado de mantimentos (2), todos bem aparelhados ,
C1) A narracio desta famosa Viagem foi feita 4 vista dos seguintes
Escritores : Barros , Decada 1. Liv. 5. Capitules 1. e 2. -— Castanheda ,
Liv. 1. Cap. 30 e seguintes. —- Goes, Pate 1. Capitulos 54, 55, €
$7. —— Colleccdo de Noticias para a Historia das Nacoes Ultramarinas ,
etc. Tomo 3. N. 3, que contém a Navegugdo do Cupitéo Pedre Alve-
res Cabral, escrita por hum Piloto Portuguex, que hia na sua Armada,
Capitulos 1., 2., ¢ 3. —- A mesma Colleccio, Tomo 3. N. 1, onde
se acha a Noticia do Brazil, Cap. 34. — Corografia Frazilica do Padre
Manoe] Alvares Cabral, impressa no Rio de Janeiro em 1817, na In-
troduccio da qual (pag. 12 e seguintes) vem huma Carta escrita a
ElRei D. Manoel, datada de Porto Seguro no 1.¥ de Maio de 1590,
por Pedro Vaz Caminha, que hia embarcado na Nio de Pedro Alvaes
Cabral. —- Epilogo Manuscrito dos Vice-Reis, e Governadores da In-
dia, etc. , por Pedro Barreto de Rezende , Secretario do Vice-Rei Conde
de Linhares. — O Padre Fr. Manoel Homem na sua Memoria da De-
scripcio das Armas Castelhanas , etc., Cap. 29, —- Além de cutros va
rios Escritores, que foi necessatio consultar, pela diversidade de opi-
niGes, gue se encontra em alguns factos, e datas.
(2) Os nossos Escritores sio unanimes em comporem esta Esquadra
de treze navios de Guerra, sem fazerem mencio do T'ransporte de
mantimentos; porcm Pedro Vaz Caminha, e o Piloto Portuguez da
anesma Esquadra , cujas Relacdes vio citadas, dize, que s¢ compunha
249
armados, e providos para dezoito mezes de viapem. Erto
Commandantes dos navios de Guerra (além do Chefe’)
Sancho de ‘Tovar, que hia nomeado por segundo Com-
mandante da Esquadra, Simao de Miranda, Aires Gomes
da Silva, Vasco de Ataide, Pedro de Ataide, Nicolao Coe-
lho, Bartholomeu Dias, Diogo Dias seu irmao, Nuno —
Leitao, Luiz Pires, e Simao de Pina. Commandava o
‘Transporte Gaspar de Lemos. A Guarnicdo desta Es-
quadra era de mil e duzentos homens (1), entre Solda-
dos, e marinheiros, toda gente escolhida. Hia por Fei-
tor da Esquadra Aircs Correa, e por Escrivaes do seu
Cargo Gongalo Gil Barbosa, e Pedro Vaz Caminha.
Embaredtio tambem nella oito Religiosos de S, Fran-
cisco, e por seu Guardiao Fr. Henrique, que depois fot
Bispo de Ceuta; e mais hum Vigario, e oito Capellaes
para ficarem na Fortaleza, que ElRei mandava fazer.
Por hum dos artigos do scu Regimento mandava
ElRei a Pedro Alvares Cabral, que procurasse ganhar
a boa vontade de ElRei de Calecut, e persuadi-lo a
dar-the licenca pata construir huma Fortaleza na sua
Capital; e em caso de a negar, lhe declarasse a guerra,
Por outro artigo lhe ordenava, que tocasse em Melinde ,
ara entregar ao Rei o presente, que conduzia, e o seu
‘Embaixador;.e que lhe offerecesse 4 sua amizade pard
tudo o que precisasse. Levava tambem ordem para en-+
viar a:-Sofala Bartholomeu Dias, e seu irmao Diogo
Dias, a fim de negociarem as mercadorias,‘.de que hiad
carregados, a troco de ouro, de que havia alli mbicd
de doze navios, e outra embarcacdéo carregada de mantimentos, opis
nido que me parecco mais segura, por ser apoiada com o testemunhd.
de dow homens, que hido naquella Esquadra,
(1) Castanheda, Goes, e Fr. Manoel Homem dizem mil e quichen-
tos hom:ns; Barros, Faria, e Pedro Barreto mil e duzentos. He mais
provavel , que este fosse o numero da gente, attendendo a que Os nae
vios ainda nao erio mui grandes,
32
250
‘quantidade , de cujo Commercio estavdo entao sehhores
os Mouros.
No dia seguinte 9 de Margo sahio Cabral de Lis-
boa com toda a Esquadra. A 14 vio a Grao Canaria a
tres ou quatro legoas de distancia, e¢ passou o dia em
calma. A 22 dobrou Cabo Verdc, e¢ nessa noite se se-
parou onavio, de que era Commandante Luiz Pires (1),
gue arribou a Lisboa maltratado. Pedro Alvares o espe-
rou pairando por espago de dous dias, e como nao ap-
pareceo, continuou a sua derrota. E querendo esquivar-se
4s calmarias de Guiné, empenhou-se tanto no bordo do
S.O., que a 24 de Abril descobrio terra para Oeste
por 16° 30’ de latitude Sul, suppondo-se a 450 legoas
ao Occidente da Africa (2).
O primeiro ponto que se descobrio foi hum mon-
C1) Pedro Vaz Caminha, na sua Carta a E]Rei D. Manoel, jd cita-
da, diz que Vasco de Ataide foi quem se apartou da Esquadra; mas he
equivoca< do.
(2) Esta he a opiniao geral dos nossos Historiadores, contando nesse
numero o Piloto da Esquadra de Cabral (jé citado) , testemunha ocue-
Yar; ainda que Pedro Vaz Caminha, outra testemunha ocular, diz que
@ terra se vio na tarde de 22 de Abril, quarta feira depois da Pascoa ,
com as circunstaicias de encontrarem na vesp2ra muitas hervas, e naquelb-
Ja manhi de 22 muitos passaros , como era bem natural que succedesse :
concorda porém com o Piloto, em que a Missa foi celebrada em Por-
to Seguro no dia 26, acrescentando, que era Domingo de Pascoela; e
© Piloto-diz ser no Oitavario da Pascoa.
Barros affirma, que a terra foi descoberta na latitude de 10°, e que
Cabral a costeou.dalli- para o Sul até achar Porto Seguro, aride se cale-
brou a Missa no.Domingo de Pascoela, o qual, pela sua-narracio , cahio
a 29 daquelle mez. A viagem costeira de Cabral até Porto Seguro he
mais gue inverosimil, tanto porque n:ste longo caminho de cento e
cincoenta legoas havia de descobrir a Bahia, e outras aba mais ao Sul,
em que procuratia ab-igar-se ; como porque sendo o vento S.E., ( assim
o dizem as duas testemunhas oculares), e estando cfle proximo ¢ terra,
Jo podia costear aguella parte do Brasil, que desde 10° aré 5 3° corre a0
S.O., e depois ao Sul, com pouca differenga.
Francisco de Brito Freire copiou cegamente este lugar de Basros,.
na sua Historia da Guerra Brasilica, Paste 1. pag. 12.
251
te alto, e redondo, a que deo Cabral o nome de Mon-
te Pascoal (1), por ser entio 0 Oitavario da Pascoa,
e depois forio apparecendo terras mais baixas para o
Sul com ‘grandes a4rvoredos. De tarde, aproximando-se
a Esquadra a meia legoa da Costa , deo fundo de-
fronte de hum pequeno Rio; e Pedro Alvares mane
dou o Mestre da sua Ndo em hum escaler, para ver que
gente era a que andava pela praia: achdrao alguns natu-
raes de cér parda, bem dispo.tos, os cabellos pretos, e
compridos, armados de arcos, e frechas, e todos absoe
Jucamente nus, homens, e mulheres; Como ninguem os
entendia, e'as vagas rebentavao nas praias, nao podérae
desembarcar, e apenas |hes podérao dar dous barretes
vermelhos, e receber delles algumas obras de pennas
de varias cores; e feito isto, recolheo-se o Mestre a
bordo. :
De noite ventou S.E. rijo de aguaceiros, com que
garrarao os navios, e pela manha se fez Pedro Alvares
Cabral 4 véla ao longo da Costa para o Norte, em bus-
«a de algum Porto, em que fizesse agua, ¢ lenha, e po-
desse ter melhor communicagio com os habitantes, indo
os navios com as lanchas por popa; e ordenou, que as
embarcacdes pequenas nayegassem mais 4 terra, e que
#e achassem bom ancoradouro para as Ndos, surgissem.
{om effeito, tendo navegado cousa de dez legoas desde
© ponto da partida, acharao huma aberta no fim. dos
recifes, pela qual entrario, e virio que dentro se fazia
hum Porto grande, e mui seguro (2), por cuja: causa
derao fundo. _
_Affonso Lopes, Piloto da Capitania, que Cabral
(1) Este monte ainda conserva o mesmo nome, e esta situado em
12° 22° de latitude. E nao faca divida ser differente a que Ihe deréio
os Pilotos da Esquadra, attendendo aos instrumentos, e ‘l'aboas daquel-
}e tempo, .
(2) .O Rio de Santa Cruz, em que ancorou Cabral, € a que deo 9
32
252
-mandira a bordo' de hum dos navios pequenos, por ser
homem mui habil, sahio logo em hum escaler a sondar
© Porto, e nesta occasifo tomou dcus indigenas, que
‘estavdo pescando, e ja de noite os cohduzio a Pedro Al-
vares, que havia entrado com o resto da Esquadra em
seguimento dos primeiros navios, vendo que estes davao
fundo. Os dous prisioneiros passirao a noite a bordo,
sem quererem comer, e sem responderem aos acenos, que
se lhes fazido. Pela manha, vindo a bordo da Capitania
todos os Commandantes , ordenou Cabral a Nicolfo
Coelho, Bartholomeu Dias, e Pedro Vaz Caminha, que
os levassem para terra, jd providos de camizas, barre-
tes, campainhas, cascaveis, e Outras quinquilharias, com
que forgo mui contentes. Na praia cstavao mais de du-
zentos naturaes, todos nus, com o beico inferior fura-
do, eno buraco mettido hum osso, ou huma pedra
azul; em fim era4o em tudo iguaes aos que antecedente-
mente tinhao visto.
Estes Selvagens recebérao os Portuguezes com gran-
des festas , o que observando Pedro Alvares Cabral, de-
cerminou que naquelle dia 26 de Abril se celebrasse Mie
$a, para a qual sc armou huma barraca em huma coroa
de aréa, que na vasante ficava em seco (chama-se hoje
Coroa Vermelha), e Fr. Henrique disse a Missa, e pré
Zou, assistindo o General com a bandeira Real, e todos
os Commandantes, ¢ pessoas principaes da Esquadrsa.
Os naturaes, que estavao pela praia, consideravao mui
attentos as ceremonias Religiosas, e acabadas ellas, can-
nome de Poito Seguro, fica coberto com os recifes, que o abrio¥o do
mar, e cabem dentro muitos navios con toda a seguranca, tendo no-
ve e dez bracas de fundo; mas a Povoacio antiga, que se havia erigi-
do neste local , foi depois abandonada pelcs seus moradores , por se: 0
sitio doentio, ¢ se acha estabelecida onde hoje se chama Porto Seguro,
mais para o Sul; e por corsequencia este Poito Seguro moderno niio be
© mesino, em que Cabral ancorou, e a que deo este nome. Esta Coste
do Brasil era habitada naquelle temoo pelos Indios Tupiniquins.
2638
taro, ¢ baildrao.com grande alegria, ¢ viero acorhpa-
nhando o General até sc embarcar, mettendc-se alguns
pela agua, ¢. outros nadando atraz dos escaleres. .
. Na’ mesma tarde voltou Pedro Alvares a terra, e
achando-st tum Rio de agua doce, se comecou a fazer
apnada, e lenha, ajudando os naturaes nestes trabalhoas
gos marinheiros; e tao familiares se mostravdo, que al-
guns Portuguezes forao 4 sua Aldea, situada dalli huma
legoa, d’onde trouxerao papagaios, inhames, e arroz
em treca-de guinquilharias, que lhes der#o. -As casas
destes Selvagens erdo de madeira , cobertas de ramos de
arvores ; € em todas se virao redes de algodio, em que
dormido. N&o se. Jhes vio ferro, nem outro algum me-
tal, e servido-se de machados de pedra para cortarem
as madeiras. Todo o Paiz era abundante de aguas, e
arvoredo; de milho,.inhames, e algodao; e as aves im-
mensas, e de mui;vistosas Cores, -
Deteve-se Cabral cinco, ou seis-dias neste Porto, e
por conselho dos Commandantes expedio para Portugal
o Transporte ja descarregado dos mantimentos, que re-
partio pela Esquadra; e escreveo a ElRei D;:-Manoel
os acontecimentos da sua viagem, e lhe mandou -dous
Naturaes, que quizerao tr por sua vontade; esta embar-
cagio sahio de Porto Seguro a 2 de Maio, e.a sua che-
gada a Lisboa causou grande prazer a ElRei,; e a todo
o Reino. Pedro Alvares deo a este Porto o- nome: de
Porto Seguro , onde deixou dous degradados ‘(hum das
quaes veio depois a Portugal ), e mandando levantar. sa
praia huma grande Cruz de madeira (1), como-em si-
- (1) Barros diz, que mandou arvorar buma Cruz mni grande no cj-
mo da arvore, ao pé da cual se celebrou a Missa. Pedro Vaz Caminha
diz, que mandou Jevantar na praia huma grande Ciuz de pdo com as
Armas Reaes. O Piloto da Esquadra (a quem segui) nio falla das Ar-
smas Reaes. Castanheda diz, que era hum Padrao com huma Cruz; e
Goes , que foi huma Cruz de pedra, como por Padrio.
255
te em sentido opposto, e no momento em que se hido
abordar, para se fazerem em pedagos, outra ondulagio
inversa do mar milagrosamente as separou. O vento pas-
sou depois com furia ag S, O., e assim podérdo os na-
vios seguir caminho a arvore seca, apartados huns dos
outros, cada qual comomelhor se aguentava. Cabral,
e outros. dous navios (em hum dos quaes hia o Piloto,
ue escreveo esta viagem) tomarao hum rumo; a Nido
Rei. e outros dous seguirao outro; e o- de Diogo Dias
outro: logo tratarei deste.
© mao tempo durou por vinte dias, com poucos in--
tervallos, e scm avistar terra alguma, se achou Cabral
com os seus tres navios a 16 de Julho no parcel de So-
fala , onde com effeito descobrio a terra, sem a conhe-
cer, ¢ correo ao longo della com bom vento, e aprazi-
vel rempo , distipguindo grandes arvoredos, e muito ga-
do. Chegando ds Ilhas Primeiras, vio deus navios de
Mouros,, que intentario: fugir, mas forio tomados sem
resistencia ,, dcitande-se a0 mara maior parte da gente
(de que alguma: se affogou.) para: salvar-se nas Ilhas,
Destas embarcagGes era dono, e Capitéo Xeque Fotci-
ma, tio do Rei de Melinde, que vinha de Sofala com
yauito ouro. Pedro Alvares, sabendo quem elle era, pe-
zou-lhe muito deste acontecimento, e fazendo-lhe mui-
tas honras, Jhe mandou entregar os navios com tudo
quanto tinhao. Xeque Foteima o informou. das minas
de Sofala , e de que pertencido ao Rei-de Quiloa (1) ,
e Ihe advertio, que o parcel. de Sofala ja lhe ficava mui--
to longe.
Continuando Pedro Alvares a sua: viagem, ancorou:
em Mogambique a 20 deste mez de Julho; e passando
poucos dias depois a Quiloa, como direi na segunda
Cv) Pequena Wha situada em huma Bahia na Costa da Africé Orien-
tal, na latitude S. 8° 37’, e longitude 58° 57’.
256
narte destas Memorias, se Ihe reunio alli a Ndo Rei
com as outras duas da sua conserva, que se havido se-
parado- no temporal, Lo
Diogo Dias, correndo com.a tormenta, foi ter a0
Estreito da Arabia, e Cidade de Magadaxo (1), e aqui
perdeo a lancha com toda a sua eqdipagent, em conse.
quencia de huma traig¢fo dos: Mouros; e ficando sé com
sete homens, e sem Piloto, voltou para Portugal, e em
Cabo Verde se veio encontrar com Pedro Alvares Ca-
bral na sua torna-viagem, o qual tendo dobrado o Ca-
bo de Boa Esperanga a 22 de Maio de 1501, surgio
por acaso na Bahia de Bezeneguc, onde estava fazendo
aguada a Esquadra commandada por Amicrico Vespu-
cio (2), ¢ entrou depois em Lisboa a 31 de Julho, ha-
vendo-se-lhe perdido o navio de Sancho de Tovar (de
duzengas toneladas} em hum baixo na Costa de Melin-
de, de que se salvou unicamente a Guarnicio..
1500 — Nocomceyo do Verio deste anno de 1500 (3)
partio de Lisboa Gaspar Corre Real, homem valoroso,
e amigo de ganhar honra, em hum navio armado, par-
te 4 sua propria custa, parte 4 custa-d? ElRei D. Ma-
nocl, com o projecto de fazer descobrimentos ao No-
roeste de Portugal, e ver se achava por alli passagem
para os mares Orientaes: projecto atrevido, e quasi in=
crivel para aquelle seculo!
Desta viagem niio se sabe mais nada, sen#o_o que
consta dos dous citados Escritores, isto he, que Corre
(1) Cidade da Africa Oriental, situada na latitude 2210 N., 6
longitude 63° 50%
(2) O facto he extraordinario, porém assim 0 relata o proprio Pilo-
to da Esquadra de Cabral; ¢ ow aqui estava tambem Diogo Dias, ou tie
nha partido poco antes para Lisboa. Barros falla do encontro de Cabral
com Diogo Dias com acontecido na Ilha de Cabo Verde.
C3) Dainiio de Goes, Parte 1. Cap. 66.— Vede a excellenre Me-
moria do Sir. ‘Trigeso no ‘Tomo &. das Memorias dz Litesatura Porte-
EucZa, pag. 395. , :
267
Real descobrio hum Paiz, cuja face do N.E. costeou
r duzentas legoas (1), sem poder passar mais para o
orte, por causa dos gelos, e neves, e regressou a Por-
tugal com quasi hum anno de viagem, deixando 0 no-
‘me de Terra Verde aquelle Paiz, que era mui fresco,
e de grandes arvoredos, e os seus habitantes (de que
trouxe alguns ) de estatura mediana, alvos, mui barba-
ros , ligeiros na carreira ,-e habeis frecheiros.
4501 — Neste anno mandou EiRei aprestar tres
Naos, e huma Caravela grande (2), para. cujo com-
mando em Chefe nomeou a Jo#0 da Nova, Nobre Gal-
lego, a quem havia dado a Alcaidaria de Lisboa, que
C1) Se Corte Real vio a terra da America por 50° de latitude N.,
como diz Galvio , era forcosamente a Nha da Terra Nova, mas parece
que nfo chegou ao seu extremo do Norte, situado em 52° de latitude,
alias veria o Estreito chamado hoje de BelleeIsle , que dd passagem para
@ Goifo de §. Lourenco, eo grande Rio do mesmo nome , por entre.a
Costa do Lavrador, © a mesma-Ilba da Terra Nova; e era natural que
elle commettesse o exame daquelle Estreito, segundo o plano da sua
vidgem ; ou, s¢ Cio © Estreito, a falta de viveres, e 0 receio dos frios
do Inverio o petsuadiréo-a regresear a Portugal, para no anno seguinte’
proseguir .o seu descobrimento..
A Tiba da Terra Nova tinha jd sido descoberta por Sebastifo Ca«
bore, Veneziano, que achando-se em Inglaterra, se offereceo a Henri-
que YII. ‘para ir fazer descobrimentos de novos Paizes para a parte de
Oecste; e sahindo de Bristol com dous navios no Verio de 1697, chee
gou a.ver terra por 56° de latitude ; e observando que corria para o Nore
te, temeo os frios daquella Regiio, e voltou para o Sul. Nesta derrota
descabrio a Wha da Terra Nova, de cujos agrestes habitantes metteo tres.
a bordo, Seguio depois o tumo do Sul até 38° de latitude; e achando-
se 74 mui falto de viveres, voltou para Inglaterra, onde os Selvagens
vivério muito tempo. Os Inglezes néo torndfio a emprehender esta na=
vegacdo, senio passados muitos annos.. Vede Clark , Tomo 1. Appen-
dix B. :
(2) Vede Faria, Asia Portugueza Tomo 1. Parte 1. Cap. 6. —
© mesmo ro Tomo 3. .no fim. — Fr. Manoel Homem, na sua Obra
jé citada, Cap, 29. — Galvio, Tratado dos Descobrimentos. — Pedro
Barreto de Rezende , j4 citado. — Goes, Parte 1. Cap. 63. —- Barros,
Decada 1. Liv. 5. Cap. 10. .
a3 ot .
259
Na sua torna-viagem para Portugal descobrio a
Iiha de Santa Helena (1), em que fez aguada, de ma-
peira que nesta viagem deixou descobertas tres Ilhag,
as duas ja mencionadas, e outra no Canal de Mocam-
pique, que conserva o seu nome (2). A 11 de Setem-
bro de 1502 ancorou em Lisboa, e foi recebido d’ E]-
Rei com grande honra. : :
15091 — Movido EjRei D. Manoel pela reputacdo
de habil Navegante, que tinha adquirido Americo Ves-
pucio, natural de Florenga (onde nascera em 1451, ©
que acabava de fazer duas viagens ds Indias Occiden-
taes), lhe escreveo a Sevilha convidando-o para vir a
Portugal , a fim de ser empregado no seu Real Servico,
© que elle acceitou; e chegando apressadamente a Lis-
boa, achou jd tres navios promptos, ea que se embar-
Gu, ¢ sahio deste Porto a 10 de Maio-de 1501 (3). .
Ignora-se 0 nome do Chefe desta pequena Esqua-
ara ,.cuja Commissao era examinar, e reconhecer as Cos-
tas do Brasil (4). Seguio elle .o rumo para as Canarias;
avistou-as , e atravessou para a Africa, que foi costean-
Ao, demorando-se por alli ‘dous ou tres dias em fazer
pescaria de pargos, até chegar a Bahia de Bezenegue,
uc situou na latitude N. de 14° 30’.com. bastante exacti-
‘dio; e nella se encontrou com Pedre Alvares Cabral,
gue volrava da India. Gastdrfo onze dias em fazer
agua,e¢ienha, c partirdo em demanda do Brasil, nave-
gando ao S.0. 4
C1) Esta ha tornou-se tao celebre, que he inutil dizer della cousa
alguma. .
(2) <A Ilha de Jodo da Nova, situada no mar da India, esta na la
tude 16° 58’S , ¢ lonzitude 61° 9%
(3) Vede a Collecc%o de Noticias para a Historia das Nacdes Ultra-
marinas, ji citada, ‘lomo 2. N. 4 pag. 1q4t. .
(4) O Author da Corogratia Frasilicz, na Introduccio do Tomo 1,
-pag, 37, duvida da verdade destas Viagens, que me patecem somente
cheias de exaceracées. .
33 i
260
No fim de sessenta e sete dias de navegacao, sem-
pre com grande trabalho, e ventos contrarios, soffrendo
por espaco de quarenta e seis dias trovoadas , chuvas, e
“Cerrac6es , virdo terra no 1.° de Agosto pela latitude S.
de 5° (1), e julgérado que distaria setecentas legoas do
‘ultimo ponto da sua partida (2). Surgirao a meia le-
goa da Costa, e desembarcando, achdrao o Paiz alegre
‘e vicoso, onde sé virao vestigios de gente, e tomario
‘posse delle por ElRei de Portugal. No dia seguinte
‘tornardo para fazer agoa e lenha, eentao virao no cume
‘de hum monte alguns naturaes todos nus, que nao qui-
‘zerao descer , por mais diligencias que se fizerde. Estes
homens erZo fe mesma cér, e feigdes dos que Vespucio
tinha visto nas Indias Occidentaes ; e sendo ja no fim
‘da tarde, se recolhérao para bordo, deixando-lhes na
praia alguns cascaveis, espelhos, e outras quinquilha-
rias; o que tudo elles vierdo buscar logo que as lan-
‘Chas se alargdrao da terra, mostrando-se maravilhados
4 vista daquetles objectos tao novos.
Na manha seguinte, observando-se dos navios, que
©s naturaes fazido muitos fumos, julgou-se que era. pa
ra os chamar, e desembarcando, virao muitos reunidos
‘a certa distancia, que Ihes acenavao para que entras-
sem pela terra dentro, 0 que ousdrao fazer dous: Portu-
guezes, obtida primeiro huma repugnante licenga do
Chefe da Esquadra; e assim partirao com intento de
examinarem, se aquella gente possuia alguma riqueza,
especiaria, ou drogas, e levdrdo iogo comsigo alguns
(1) Parece que seria o Cabo de S. Roque, que estd em latitude S.
$° 75 © mais provavelmente algum ponto da Costa ao Sul delle; ali
se perderijo nos baixos do mesmo nome, que correm desde o Cabo pe
ra o Norte.
(2) Esta distancia he excessiva, e@ 0 sio todas as de Americo Veo
Pucio, por isso ndo copiarei mais nenhuma; e advirto, que os Jtalir
nos contavso quatro milhas por cada legoa; e assim.o grdo tinha oer
ta milhas, |
261
generos de trafico, tendo porém ordem. de se no ‘dila-
tarem mais de cinco dias, porque outros tantos se es-
perdria por elles. . . 3
‘. Partides estes dous homens, recolheo-se a gente a
bordo, e dalli: :vido todos os dias virem os naturaes a
praia, mas sem quererem deixar-se communicar. Ao se-
timo dia desembarcarao os Portuguezes, e observarzo
que os Selvagens tinh#o trazido comsigo as mulheres,
e as manddrao para elles apenas os escaleres se aproxi-
marado da terra; e vendo-os tao desconfiados, envidrio-
thes hum moco mui gentil, e galhardo, ficando elles
nos escaleres para thes mostrar maior confianga. O mo-
¢o foi sem suspeita alguma ter com as mulheres, que
formérao hum circulo 4 roda delle, e apalpando-o, e
examinando-o attentamente, se espantavao sobre maneira.
Entretanto desceo do monte huma mulher com hum gran-
de pdo na mio, e chegando-se por detrds aelle, Ihe deo
tao forte pancada na cabega, que o estendeo morte:
as outras o tomarao logo pelos pés, e 0 arrastardo pa-
ra 0 montc, e os homens corréraéo 4 praia, e comecé-
rao a atiras com as suas settas, © que poz a gente dos
escaleres em tal confusdo, que estando surtos sobre os
bancos de aréa junto a terra, nenhum atinow a tomar
as armas, por causa das muitas frechadas que sobre el-
Ies choviao. Dispardra4o-se quatro tiros de canhao- con-
tra os Selvagens, que nado acertario; mas ao ruide del-
les, fugirdo para o monte, onde as mulheres estavdo
fazendo o cadaver em pedacos, e assando-os em huma
grande fogueira, os mostravao aos Portuguezes, e os
comiao; € os homens lhes dizigo por acenos, que o
mesmo havido feito aos outros seus dous eompanhei-
ros. Mais de quarenta homens querido desembarcar,
para vingarem similhante barbaridade; porém o Chefe
nao oO quiz consentir, e se fez a véla.
Seguindo a sua derrota entre o Leéte e o Sueste,,.,
262
que he como corre a Costa, fizerao varias escalas, sem
acharem gente com quem podessem tratar; e¢ assim nae
vezirgo até verem que a terra voltava para .o S.O,; e
em dobrando hum Cabo, a que pozerdo nome de San-
to Agostinho (1), que suppozerao na latitude S, de 8°
principidrio a seguir a direcgio da terra, e virdo
hum dia muita gente, que corria pela praia a ver
Os naviOs , Os quaes por isso se aproximardo, e mane
d4rio alguns escaleres a reconhece-la. Achando bom
ancoradouro , e homens de melhor condi¢gao , derao
fundo , e se detiverio cinco dias commercizndo com
os naturaes, que tinhao muita canafistula ; e tres
delles se embarcarao voluntariamente para Portugal.
(1) O Cabo de Santo Agostinho estd na jatitude S. 8° 22°, e lon-
gitude 342° 45’.
Bernardo Pereira de berredo na sua Historéa do Maranhdo, Liv. 1.,
diz, que Vicente Annes Pincon , sahindo de Palos em 13 de Novembro
de 1499 com cuatro navios armados ¢ sua custa, e de outro seu pasen-
te, tendo licenca dos Reis Catholicos D, Fernando, e Dona Isabel para
ir fazer descobertas, tocou na Jha de S. ‘Tiago, d’onde sahio em Janei-
so de 1500; sendo o primeiro Hespanhol que passou a Linha, descobtio
em altura de 2° S. o Cabo de Santo Agostinho, a que chamou da Con
solacio , onde desembarcou , e escreveo nos troncos das arvores os no-
mes daguelles dous Nonarchas, ¢€ 0 seu proprio, com a data da sus
chegada. Voltando dalli para o Norte, foi correndo a Casta, entrou no
Ama.onas, que appzllidou Mar Doce; e cortando a Linha, descobrio
hum Cabo, a que poz nome de Cabo do Norte, em 2° 40’ de latitu-
ce. Dalli seguindo para Oeste cousa de quarerta legoas, entrou em hum
Rio, a cue deo o seu proprio nome, Gue ainda conserva, e-que as
Fiancezes chamio Wiapoc. Em hum alto junta a sua f6z2 mandau de
pois o Imperator Carlos V. levantar hum Padrio, para marcar os limites
entre as Possessdes de Portugal e de Hespanha, cujo Padrao {oi desco-
heito no anno de 1723 por Joio Paes do Amaral, Capitio de huma das
Companhias da Guarnicio do Pard.
Galvao concorda com Perredo no descobrimento do Cabo de Saate
Agostinho, e Rio das Amazenas por Pingon, Porém o Author da Ceres
graha Erasilica (em a Nota da pag. 34, Tomo 1. da Introduccio} sue
tenta, gue Pincon nio vio o Cabo de Santo Agestinho antes de Pedro
Alvares Cabral o descobric, mas sim o Cabo do Norte.
Sahindo deste Porto, tomdra0 o rumo do S.O.,
fazendo tuitas escalas, e fallando com muitas gentes,
os recebiao benignamente , por cuja causa se demo-
ravZo alguns dias por aquelles Portos. Assim forao até
chegarem 4 altura de 32° S. Todo o Paiz era muito
voado, e€ os naturaes mui domesticos; tinhdo a cér
avermelhada, os cabellos negros, e corredios, andavdo
todos nus, erdo bem feitos de corpo, e€ o aspecto seria
gentil , mas tornavao-se feios, porque tinhao as faces,
© nariz, as orelhas, e os beicos chetos de furos, em que
mettido pedacos de varias pedras, e de cristal, e ossos
lavrados com primor. Nao virio entre elles ouro, ain-
da que tiverao noticia de que o havia no Paiz, bem co-
mo perolas, e pedras preciosas. -
Dez mezes tinha consumido a Esquadra neste re-
conhecimento, quando o Chefe encarregou Vespucio
de. dirigir 4 derrota:' em consequencia mandou este fas
#ér agtta ,e lenha para seis mezes, tempo que os Offi-
ciaes dos navios dizizo que elles poderiao navegar ain«
da. : Aos 2$ ‘de‘Fevereiro de 1502 tomou a Esquadra
o rumo do S.O. (1) , e por elle navegou até se
achar ra Tatitade Sul de 52°. Neste dia lhe deo huma
tormenta’ de $.S.0..com muito mar, e cerracio, e
eerreo.-cony-ella ‘em arvore seca por. quatro dias, em
ue vio huma terra desconhecida, a qual costeon cousa
viste lepoas.,e achou tudo costa brava, sem Por»
to, nem Povoacio; o frio era ineupporrarel, © mar mui-
to grosso., e a cerragao grande. Nestes termos, sendo
impossivel aguentar-se mais, conveio Vespucio com o
Ghefe em regressar.a Portugal, e feiso signal de reunido
4Esquadra, deitdrao a pépa; e a noite, e dia seguinte
cresceo. tanto a tempestade, que estiverao em riscos de
(1) O original tem.o rumo de E.S,E., mas he hum erro palpavel
© por isso substitui o rumo do §.O., que he a direccdo da Costa.
266
~
que convocando © concelho, pareceo a tadoe se envias-
se huma Esquadra de trinta navios em auxilio de Ve-
neza, por screm mui grandes os males gie se poderido
seguir, se os ‘Turcos realizassem a invasio que projecta-
vao. : ,
Na conformidade deste voto, partio de Lisboa a
1g de Junho deste anno o Conde de Varouca D. Joao
de Menezes, com trinta navios de Guerra, entre pran- .
des ¢ pequenos, escolhidos dos melhores de toda a Ar-
mada, guarnecidos com tres mil e quirhentos soldados:
era segundo.no commando geral Ruy Telles de Mene-
zes. “Encorporada com esta, e debaixo das suas ordens,
sahio.outra Eisquadra, em que hia muita gente Nobre,
para ficar de guarnicao no Castello de Mazalquivir, no
caso.de se poder ganhar de passagem, objecto que El-
Rei tinha em vista; e em segredo encarregou o Conde
de Tarouca. de 0 tentar; por quanto, tomado este Cas-
tello, Ihe seria facil apoderar-se de Oriao.
-As duas Esquadras dirigirao-se ao Cabo de Sane
ta. Maria no Algarve, onde se lhe reunirio algumas
embarcagSes armadas nos Portos daguelle Reino, que
alli as esperavao. ;
Seguindo a sua‘ derrota, chegdrao as Esquadras 4
vista -de Mazalquivir a 19 de Jutho, e por ser ja tarde,
se fez o Conde.na volta do mar, com intengio de come
metter o desembarque no dia sepuinte; porém os ventos
contraries lhe embaracdrao tomar o Porto antes de 23,
© que.deo tempo avs Mouros de se reforgarem. 2
- . DeeembarcérZo a final as tropas, ficando o Conde
no, scu escaler a requerimento dos-Fidalgos, que o acom-
panhav3o; .e€ sem opposi¢ao chegdrao as muralhas do
Castello, e.comegavao a arrumar-lhe as escadas, quan-
do de repente sahirao de dentro quatrocentos cavalios, '
e alguma gente de pé¢, e carregdr40 os Porruguezes com
tanto vigor, que estes ¢heios de terror. panico , fugiraa
34
266
pm derordem, e se secolhésdo as lanchzs, detxaado aly
guns mortos -no campo. .
_ Pescontenre deste desastre, fructo da pouca Discie
plina daquelles tempos , deo o Conde de ‘Tarouca, com
@ parecer dos seus Officiaes, por acabada a empreza, e
espedio para Portugal a Esquadra auxilier; e proseguin-
do a sua derrota, fez escala em Alicante, e nas Uhas
_ Baleares; e por ultimo entrou em Calheri, Capital da
Sardenha, para refazer-se de viveres, ema que se demo
sou pouco; e tornando a secu caminho, encontroy
travéz de Tunes huma Carraca, e dous Galedes Genor
vezgs , que hiZo para Orfo carregados de mergadorias,
entre as quacs haviao muitas pertencentes a Turcos,
Mouros, e Judeos. Com estas prezas volton o Cande s
Calheri, e tomou por perdidas todas as fazendas, que
niio erfio de Genovezes, ou de outros proprietarios Chris-
t3os, carregando-as nos navies da sua Esquadra ; largou
orém a Carraca, e deo liberdade a sessenta Moures, ¢
Frurcos , @ alguns Judeos, que achou abordo das prezas ,
Was quaes levou os Galedes, por ter necessidade delfes
para a sua commissao.
Navegando de Cdlheri para a Costa da Grecia, ene
gontrou tres Galés Venegianas, que o acompanhdario 2
Ilha de Corfu, onde © veio reccber tres legaas ao mar
oq General da Armada de Veneza, com vinte ¢ cinco
grandes Galés , e cinco Galedes. Dilatou-se algum teme
po o Conde de Tarouca em Corfu, e sabende-se que
os Turcos havido abandonado © projecto, que tinkio
contra a Grecia, e rccolhido j4 o seu Armamento, vol-
tou para Portugal, seguindy quasi a mesma derreta, qua
fzera 4 ida, e chegou a Sagres dia de Natal, d’onde
passou a Lisbua, havendo-se perdido no caminho com
rormenta os dois Galedes Genovezes. Os generos apreza-
ays repartirao-se pela gente da Esquadra; e du quinto,
que Ihe tocava, fez El]Rei mercé ao Conde.
267
1502 — Com a chegada de Pedro Atvares’ Cabral
foi EtRei D. Manoel informado do estado de guerra,
em que. ficavao. os Portuguezes na India com ‘6 Ret de
Calecur.,.c assim determinou mandar hume grande fot-
‘naval, capaz de fazer respeitar a sua Bandeira nos
mares Orientaes (1). bm consequencia fez trabalhar com
tanta actividade nos Arsenaes, e era tat a abundaficia de
munigées, e: petrechos, que nos firis de Janeiro deste an-
no de 1502 se. achav30 promptos quinze nayios, dos.
¥inte.destinados para aquetla viagem. Dividio-os ElRei
em deas: Bequadras: a primera das maiores dez Nos,
© a segunda de cinco, Scundo. o resto-para se formar
tums, tevecira: Esquadra , que devia partir loge que es=
tivesse completamente armada :
Offereceo ElRei o Commando emChefe a-Cabral,
mras sabendo este, que Vicente-Sodré-estava noméado
a €Commandante da segunde. Esquadra, com ham
egimento, qué quasi o isestaria da: sda jurisdiccio,
porque hia ficar estacionario na- India, para fazer a
gueréa: aoe inimigos do Estado, como era bomém de’
maites primores dceerca do ponto de bonra, teve sobre’
este. nigotio. diguus requerimentos, a-que ElRei lhe
nO setisfix, de que résultou- ser nomeado em seu li}
gae Ls. Vasco da Gama. 4
_ Exdo Commandantes dos navios da primeira Es-'
quadra D. Luiz Coutinho, Francisco da Cunha, Jofo’
Lopes Perestrello, Pedro Affonso de Aguiar, Gil’ Mia-'
toso:, Ruy: de: Castanheda, Gil Fernandes, Diogo Per>:
nandes Correa, e Antonio do Campo. Commandava a
segunda: Ksquadra Viceate Sedré, tio de D. Vascoi da.
Gane, e of outros Commandantes erao Braz Sodr¢, seu
irm4o, Alvaro.de Ataide, Fern4o Radiigues Bardagas, .
(1) Vede Barros, Decada 1. Liv, 6. Cap, 2, ++ Faria, Eutopa Pot-
teywezs, — Castanheda’, Liv. 1. Cap. 14. — Goes, Parte 1. Cap. 68,
—— Rezende no Epilogo jd citade:
34 i
263
gne alguinas pessoas‘da familia do Embaixador de Ve-
weza em Lishog (que viera pedir auxilio contra os Tur-
cos) hes canfidrao em segredo , que este Ministro tinha
dado soccorros em dinheiro, e municgdes para se prepa-
sar aquella Esquadra, por ser a Senhoria de Veneza a
maior Potencia da Christandade, e Portugal hum Reino
mui pequeno, ¢ pobre, que nao podia sustentar sé o‘tra-
fico: das especiarias; acrescentando outras muitas razdes
para os persuadir, que lhes seria 2 elles mais vantajoso
o Commercio com Veneza, do que com Portugal. Porém
a vista daquelle oura, que, por ser em obra, ria maior
vulto, capaciton estes Embaixadores Indianos da gran-
de riqueza de Portugal. |
© Almirante avicou de tudo a ElRei pela mesma
Caravela; e a 7 de Marco proseguio a sua viagem, na
qual, até aa parcel de Sofala, teve alguns temporaes ,
que the desaparelhdr3o alguns navios. Dalli expedia Vicen-
te Sodré com a maior parte da Rsquadra para Mocambi-
que , e elle foi a Sofala , onde fez o que direi na segun
a parte destas Memorias ; e desta Cidade passou a Mo-
gambique, em cujoPorto ancorou a 4 de Junho de r503,
e achou Vicente Sodré, que ‘chegdra quinze dias antes.
No 1.° de Abril partio de Lisboa Estevio da Ga-
ma com. a sua Esquadra de-cinco navios (1). A 4 virao
a Kiba de Porto Santo, e¢ no mesmo dia as Desertas::
no seguinte passdrdo as Ihas da Palma, e Ferro, ea 15 -
as de Cabe Verde. - . so
(1) As unicas noticias circunstanciadas , que temos desta Viagem,
so as que nos deixou Thome Lopes, Escrivio do navio, cue comman-
davz Joio de Ponagracia. A sua relacio he muito interessante na parte
hist orica, pela minueiosa singelezz com que narra muitos factos curios _
sos , © interessantes; mas ne cue respeita 4 Nautica, nZo tem igual me-
recimento,, por ser desta mui alkeia a sua profiss30, de que se seguio
seferir sinceramente 0 cue ousia 2 pessoas peuca instruicas naquella Ar-
te. Vede o Temo 2. N. 5 pag. 259 da Colleccéo de Noticias para 2
Historia cas Nacdes U)tramarinas,
270
A 18 de Maio , estando ainda distantes da Linkay
virgo (1) huma Ilha alta, e frondosa., que thes parecee
da grandeza da: Madeira ,-e julgdrao nfo ter sido. ainda
descoberta ; 4 qual tentarao, chegar-se, e nao tho permite
tio o Vento, Parece que a derrota desta Esouadpa foi
muito a Oeste, porque a quatrocentas legoas do Cabe
de Boa Esperanga comecdrao a sentir grandes frios, que
forio augmentando 4 proporgao que se aproximavdo. do
Cabo, por estarem. na estagao do Inaverno do. Hemish-
rio Abstral. ° 7
A 7 de Junho. os assaltou: huma furioss. tormenta
de Ocste, que nessa noite espalliou o3 navies, de soste
que pela manha se achou sd a Nao, de que era Com
mandante: Joao de Bonagracia, com a Nao Julia, No |
guarto das oito para o meio dia, indo os ravios em pa-
pafigos arriados , cresceo tanto o vento, que se quebrou
a verga grande do de Bonagracia, e rendeo hum mastro
da. Julia; e assim. corrérao em arvore seca aquelle dia,
@ noite com grande susto, ¢ trabalho, pelo muito map
que entrava nas Ndos, sobre tudo na Julia, que aguen-
tava menos. No dia 9 abonancou a tempestade, e tor?
nou a reverdecer a 11, seguindo sempre os navios o ru=
mo de Leste. Nos dias 12 e 13, em que julgavdo ter
ja vavegado quatrocentas e cincoenta legoas naquette
rumo, virgo pas aguas alguns limos, taninhas, loboe
marinhos, ¢ muitas aves de varias especies, que sfo si-~
gnaes de terra; e como estavao mui longe-do Continen«
C1) Aexistencia desta grande Hha he fabujoca; eu suspeo, que:
Thome Lopes vio talvez o Penedo de S. Redso, que esta quasi
grgo ao Norte da Linha, e lhe paseceo de, longe muito. maior de que
sealmente he; ou que algum curioso ignorante. adulterou no Original
de Thomé Lopes. a descripcio, que fazia. daquelle Hbote, acrescentens:
do-lhe , para fazer o caso mais verosiini!, a sua rosicdo relative 3 Mike
dos Papagajos Vesmelbos, ¢ outros absurdcs, que supprimi, por serene:
até itrisorios.
27f
te Afficam, pareceo-thes que se dchavio nas visinhan
cas dealguma Ilha nao descoberta. .
A 7 de Julho; sendo o vento ainda mui forte, cor
mecirio a navegar para o Norte, e depois ao N.O. uté
ao. dia‘ 10, em que virio terra distante algumas legoas,
€ por ser j4 no fim -da tarde, atravessirao, e 4s onze ho-
res derdo fundo.- Ao amanhecer fordo reconhecér a ter-
¥a, endo podende tomar lingua, voltdrao a ella no ou- -
tro dia, e souberao que estav2o no Cabo Primeiro, do
qual sahe huma ponta mui aguda pelo mar dentro, e he
por alli algumas Lhotas, e restingas de aréa. Deste lu-
gar nay cincoenta legoas ao N.E. e N.N.E., e
chegér0 defronte da Alagoa, afastados della vinte e
cinco legoas. Continuando no rumo de N.E. 4 N., acha-
rio-se guinze legoas ao mar do Cabo das Correntes; e
navegarao depois ao Norte sessenta e cinco legoas , com
grandissima falta de viveres. ,
A rg deJulho achardo-se na boca do Rio de So-
fala, e pers ser calmaria, surgirio em onze bragas, e
assim se conservdrdo por espaco de dous dias, em que
negociarao algum ouro com os habitantes , que para
i6m0 08 rao. Neste ancoradouro concertarae 0 mas
tro da Julia, e continuando a sua derrota, entrdr3o a
28 em huma Babia de pouco fundo, e muitos parceis ,
ue tisha sete ou oito legoas de extensao. Sahirio
lla, e corréedo ao N.E. 4 N , mais hum dia, e huma
noite, e virzo o Rio dos Bons Signaes, e depois as I}has
Primeiras, das quaes no dia 21 estavao ja cinco ou seis
Jegoas distantes. Vinte legoas antes de Mocambique
encontrérao hum baixo mui comprido, que seguia a di-
reggae da Casta por sete ou oito legoas, e entrava duas
pelo mar. No dia seguinte ancordrio ambas as néos
em Mocambique. |
1502 — Miguel Corte Real, Portciro Mor d’ ElRei
D. Manoel, partio de Lisboa a.10 de Maio de 1502,
272
com tres navios (1), para procurar @ seu irmao Gaspar
Corte Real. Chegado 4 Costa ja descoberta , e queren-
do examinar os Rios, Canaes ; ¢ Bahias que se lhe of-
ferecifo, entrou por lum delles,e mandou entrar os
dous navios ‘restantes por outros dous Canaes, determi-
nando-lhes hum ponto, ent que deverigo reunir-se até
20 de Agosto; porém n4o. appareceo mais, e os Com:
mandantes das duas embarcag6es, havendo-o aguardado
or mais.tempo que o praso assignado, voltardo para
Portugal. Desde entao se ficou chamando dquelle Paiz a
Terra dos Cortes Reaes.
1502 — Neste anno mandou ElRei huma Arma-
da (2) composta de Ndos, Caravelas, e Galés, dividida
em duas Esquadras, de que crao Commandantes Jorge
de Mello, e Jorge de Aguiar; para atacarem a Villa de
Targa, d’onde voltirao com perda de gente, e sem fa-
zerem cousa alguina.
1503 — Vasco Annes Corte Real, irmao de Gas-
ar, e de Miguel Corte Real, Vedor da Casa d’EIRei
. Manvel, e do seu Conselho, Capiréo , e Governador
das Ilhas Terceira, e S. Jorge, e Alcaide Mor de Ta-
vira , intimamente lastimado do desapparecimento de
scus dous irm4os (3), pedio licenca a ElRei para ir em
pessoa procura-los, a qual lhe nao concedeo; porém 4
custa da sua Real Fazenda mandou neste anno dous na-
vios a essa diligencia, de que voltdrao sem noticia al-
guma daguclles dous Navegantes (4).
(1) Vede a Memoria jd citada acerca destas Viagens dos Costes
Reaes , e tambem Goes no mesmo lugar citado.
(2) Goes, Parte 1. Cap. 62.
C3) Vede a Memoria j4 citada na Colleccio das Memorias de Litte-
ratura da Acadeinia das Sciencias, Tomo 3. — Goes, parte.1. Cap. 66,
ditiere em algumas circunstancias,
(4) Estas frequentes Viagens i Terra Nova derio a conhecer aos Par-
tuguezes, de que vantacem Jhes seria a pescaria do Pacalhio , e¢ assim
gteseco tanto a Navegacio pera aquelic Puiz, gue Pimentel affirma no
278
1503 — Confiado ElRei D. Manoel, que o Almi-
rante ‘D. Vasco da-Gama, com a forte Esquadra que
levou d India, teria restabelecido a paz, e boa harmo-
nia entre os Portuguezes e.as Potencias Asiaticas, man-
‘dou aprestar este anno tres E'squadras (12).
Compunha-se a primeira dos Navios S. Tiago de
300 toneladas, Espirito Santo de 350, S. Christovao
de 150, e Catharina Dias de 100: era seu Chefe Affon-
so de Albuquerque, e Commandantes de navios Duarte
Pacheco Pereira, Ferndo Martins de. Almada, e -outre
de que se ignora o nome. Hum-destes navios era armae
do por conta da Casa Marchioni, e relle hia embare
cado por Feitor Joao de Empoli, Florentino (2); Fran-
cisco de Albuquerque, primo de Affonso de Albuquer-
que, commandava a segunda Esquadra de tres navios,
€ os outros dous Commiandantes erao0 Nicoléo Coelho,
e Pedro Vaz da Veiga. Estas. duas Esquadras deviao ir
4 India carregar de especiarias, e voltar logo para Pore
tugal, sem ficarem alli servindo. .
Commandava a terceira Esquadra Antonio de Sale
danha, Fidalgo Castelhano, e os outros Commandantes
forio Ruy Lourengo Ravasco, e Diogo Fernandes Peo
feira', que servia tambem de Mestre da mesma Nao.
seu Roteiro (pag. 376), que anrigamente hijo todos os annos dos Pore
tos de Aveiro, Vianna, e outros, mais de cem Caravelas dquella pesca,
© ainda no seu tempo (elle nasceo em 1650, ¢ falleceo em 1719) se
Jido nas Cartas Francezes , ¢ Inglezas os nomes Pertuguezes de quasi to«
dos os Cabos, Portos, e Pahias da ‘Terra Nova, de que hoje restéo ale
guns, posto que alterados; como v. gr. as Pahias da Trepessa, e da
Grio Presenga, convertidas em EBahias de Trepassas , e de Pleisande.
(1) Barros, Decada 1, Liv. 7. Capituios 2., e 4. — Castanheda ;
Liv. 1. Cap. 55., € 64. — Goes, Parte 1. Capitulos 77., e 8c.
(2) Author da unica Historia conhecida desta Viagem, a quem se«
cuirei, por ser testemunta ccular dos factos que narra. Vede a Collece
<30 de Noticias para a Historia das Nacdes Ultramarinas, Tomo 2.
N.° 6.
35
276
vio a 6 de Julho 0 Cabo de Boa Esperanca , que do~
brou, e seguindo a Costa, foi ancorar na Aguada de
S. Braz, onde fez agua, e se proveo de vaccas a troco
de huma campainha por cabega, por ser este o artigo
que os Nepros estimavao mais; andavio elles vestidos
de pelles, erfo mui brutos, e ninguem entendeo a sua
linguagem. Sahindo desta Aguada , continuou a correr &
Costa, e tendo soffrido algumas tormentas, chegou a
Sofala, e d’agui seguio para Melinde, onde devia esperar
por Affonso de Albuquerque, segundo as instrucgdes
que levava, mas nao’ pode ferrar o Porto, ainda que
nisso trabalhou muito; a fim de tomar hum Piloto, que
o levasse 4 India; porém as correntes o arrastd4t40 até
Pate. Aqui foi obrigado‘a dar fundo em quatro bragas
entre parceis; e vendo a estagdo avancada, deliberou-se
o Commandante a atravessar para a India; e tendo na~
vegado quinze dias, encontrou Affonso de Albuquerque
com os outros dous navios da sua Esquadra, com prane
de alegria de todos; e navegando de conserva, for’e
avistar Monte Deli, e chegarao a Cananor a 11 de Se-
tembro.
Francisco de Albuquerque sahio no dia 14, e fez
mais breve jornada, porque ancorou em Anchediva no
mez de Agosto; mas perdeo-se-lhe no caminho, sem sa-
ber-se como, o navio de Pedro’ Vaz da Veiga.
Apoz estas duas Esquadras partio Antonio de Sal-
danha, e o secu Piloto dirigio tao mal a derrota, que o-
fevou 4 Ilha de S. Thomé, havendo-se ja separado da
sua conserva oO navic de Diogo Fernandes Pereira,
Desta Ilha o conduzio a huma Bahia ao Norte da
Cabo de Boa Esperanca , assegurande-lhe que jd o tir
nha passade. Aqui ancorou. Antonio de Saldanha, que
se achava sé com o scu navio, por se ter igualmente
apartado delle Ruy Lourencgo: e na incerteza do lugar
em que estava, subio a huma montanha mui alta, acha- -
35 U
277
depois a sua‘ derrota com a préa a E.S.E., porque co-
mo o Chefe era homem presumptuoso, e obstinado,
quiz reconhecer Serra Leda, sem ter necessidade disso,
e contra vontade de todos os Commandantes. Quando
porém se aproximdrao a ella, forao taes as tormentas, ¢
ventos contrarios, que em quatro dias que estiverio a
sua. vista, nao podérao tomar Porto, e forgo obrigados
a sepuir a sua verdadcira navegacao.
Desta paragem navegdrdo ao §.O., e tendo cami-
nhado trezentas legoas, estando ja na latitude S. de 3°,
virao huma Ilha extremamente alta, de que poderido es-
tar distantes vinte e duas legoas, e nao tinha mais de
duas de. comprido, e huma de largo (1).
Este descobrimento foi fatal 4 Esquadra, porque
se perdeo aqui a Capitania, que era de trezentas tonela-
das, por mao governo do Chefe, que deo com ella. em
hum baixo, onde se abrio na noire de to de Agosto, e
foi ao fundo, salvando-se a gente; e nella hidgo todos
os mantimentos de sobreselente da Esquadra. O Chefe
mandou o navio de Vespucio 4 Ilha em busea de .anco-
radouro, em que surgissem todos , e ficou-lhe com o es-
caler guarnecido de nove homens, que tinha ido acu-
dir ao naufragio da Capitania. Partto Vespucio, Jevan-
do sé metade da sua guarnigio em demanda da Ilha,
que lhe ficava em distancia de quatro legoas, e achow
hum Porto, em que podiao ancorar os navios.. Nelle es-
perow oito dias sem apparecer embarcacao alpuma: ao
oitavo descobrio hum navio, e receoso de que este o
(1) Eu inclino-me a que esta Hha era a de Fernando de Noronha,
situada na latitude S. 3° 56’, e longitude 345° 31’, tanto porque a de-
sctipcéo de Americo Vespucio se parece bem com a que outros fazem
daquella Ilha, como porque 0 rumo que seguio d’alli para a Pahia de
Todos os Santos, e a distancia que navegeu, nao concordio mal com —
o verdadeiro rumo, e distancia entre a Bahia e a Ilha de Fernando, at-
tendendo a que Vespucio conta por legoas mais pequenas , Gue as Noss as
Jegoas maritimas. :
278
nfo visse, fez-se logo 4 véla a encontra-lo,, pensando
que lhe traria o escaler ¢ a gente; mas chegando 4 fal-
la, e perguntando-lhe as novidades, sd lhe respondeo,
que a Capitania fora a pique, salvando-se apenas a guar-
ni¢ao, e que a sua gente, eo escaler havilo ido na Es
quadra. Neste aperto voltdrao os navios para a Ilha, e
‘se provérao de agua e Ienha, servindo-se do batel do
ultimo que veio. Esta Ilha era despovoada, tinha mui-
tas apuas doces e correntes, infinitas arvores, e innu-
Meraveis aves maritimas e terrestres, que se deixav4o
apanhar 4 mao, e nenhuns outros animaes virao, senio
ratos mui grandes, lagartos de duas caudas, e algumas
cobras.
Partirao dalli navegando ao S.4.S.O., porque tra-
ziZo rcgimento para que, em caso de separacao, se di-
rigisse o navio extraviado 4 terra descoberta na viegem
antecedente. Continuando a navegar com bom tempo,
vos dezesete dias de viagem descobrirao hum Porto, a
que pozerio o nome de Bahia de Todos os Santos (1°,
que distaria da tal Ilha trezentas legoas. No achando
alli o seu Chefe, nem outro alpum navio da Esquadra ,
€sperarao os dous Commandantes dous mezes e qua-
tro dias; e vendo que nao havia noticia delles, determi-
ndrao correr a Costa para 0 Sul; e sahindo da Bahia ,
navegarado mais duzentas e sessenta legoas, e entrarao em
hum Porto, em que Ievantérao hum Forte, onde deixd-
rao vinte e quatro homens dos que vinhao no outro na-
vio, e pertenciao 4 Capitania. Neste Porto, que Vespu-
cio situou na latitude S. de 18° (2), e longitude Oeste de
(1) A Puohia esta situada na latitude S. 13°, e longitude 339° av.
(2) Esta laticude he a de Caravelas, porém a distancia da Bahia a
este Porto he de cem legoas a0 rumo de Sul, com pouca differenca, @
nio de duzentas e sessenta, come diz Vespucio; a sua longitude tam-
bem esti errada, porque Caravelas fica 31° a Oeste «de Lisboa pouce
nisis Ou menos; mas este erro nado admira naquelle tempo,
279
Lisboa 37°, segundo os scus instrumentos ; estiverio
cinco mezes construindo o Forte, que guarnecérao de
doze canhées, muitas armas, e viveres para seis mezes.
E despedindo-se dos companheiros, e dos naturaes do
Paiz, que erdo téo pacificos, que Vespucio penetrou
quarenta legoas pela terra dentro, acompanhado sé de
trinta homens, se fizerao a véla ao rumo de N.N..E..,
e em setenta e sete dias chegdrao a Lisboa a 18 de Ju-
nho de 15a4, e€ forao muito festejados pelos supporem
j& perdidos. As outras Naos da Esquadra nunca_ mais
apparecérao, | |
1504 — Nesre anno mandou EIRei 4 India Lopo
Soares de Alvarenga (1), com huma bella Esquadra de
treze navios, OS maiores que até aquelle tempo 14: tinhSo
ido, guarnecidos de mil e duzentos Soldados, em
entravao muitos Fidalgos e Cavalleiros, e abundanté-
mente providos de munigées de gyerra. Erao.Comman-
dantes Leonel Coutinho, Pedro de Mendonca, Lopb
Mendes de Vasconcellos, Manoel Telles Barreto, Pe-
dro Affonso de Aguiar, Affonso Lopes da Costa, Filip-
de Castro, Tristio da Silva, Vasco da Silveira, -
Vasco de Carvalho, Lopo de Abreu, e Pedro Diag.. .
Sahio a Esquadra de Lisboa a 22 de Abril, e a2
de Maio chegou a Cabo Verde. Chamou Lopo Soares
a seu bordo todos os Commandantes, Mestres, e Pilo-
tos, e lhes advertio, que havendo partido tao tarde de
Portugal , nao devifio fazer os desmanchos, que até alli
fizerfo, e sempre por descuidos , como foi abalroareta
humas Nédos com outras, em que corrérao grande peri-
go; como tambem nfo seguirem alguns navios de noite
o seu farol,e huns irem pela sua proa, outros pela pos
pa, e alguns a seu barlavento. Para evitar estas desor=
(1) Vede Barros, Decada 3. Liv. 7. Cap. 9. — Castankeda, Liv, 2,
Cap. 90. — Goes, Parte 1. Cap. 96. — Faria, Asia. Portugueza,
280
dens , mandou lavrar hum Termo pelo Escrivio, as-
Signado por elle, e por todos os Commandantes, no
qual ordcnava: s« Que todos os navios seguissem de noite
oO farol da sua Ndo, e navegassem nas suas aguas. Que
em nenhum navio houvesse de noite outra luz, sen%o a
da bitacula, ea dacamara do Commandante. Que os Mes-
tres, ¢ Pilotos tivessem muito cuidado em que os navios
se nao abordassem; e que respondessem aos signaes,
que elle Ihes fizesse. Que os navios o salvassem de dia,
e nao lhe passassem adiante de noite. E que quem fi-
zesse o contrario, pagasse dez cruzados, e fosse prezo
até 4 India, sem vencer soldo. »» Como alguns Mestres,
e Pilotos erio negligentes, e por 'sua culpa se abalroa-
‘VAO Os navios, contentou-se Lopo Soares com os mudar
de humas embarcacgdes para outras (1). Deste dia em
‘diante navegou a Esquadra em boa ordem.
No mez de Junho, indo a Esquadra na volta do
Cabo de Boa Esperanga, teve hum temporal, com que
correo dous dias e huma noite em arvore seca, com
tanta cerragdo, que passados dous dias, virao-se signaes
de terra proxima, que se nao pdde descobrir ; e Lopo Saa-
res ordenou, que a cada ampulheta se dessem dous ti-
ros de canhao na sua Nao, e todos os navios respondes-
sem com outros tantos. Abonangando o tempo, achou-
se de menos a Nao de Lopo Mendes de Vasconcellos; e
C1) Este breve Regimento de Disciplina Naval, que o bom juizo
dictou a Lopo Soares, prova que até alli nio havia nenhum, gover-
nando-se cada Chefe de huma Esquadra pzlo su proprio discurso, ou -pee
los conselhos dos seus Officiaes’ de Nautica; e os Commandantes dés
Navios pelo mesmo modo. Nestas Memorias se ver’, que as Esquadras
Portuzuezas navegavio quasi sempre espalhadas desde que partifo do
Reino , separando-se voluntarizmente os navios huns dos outros; porque
cada Commandante 4 ida trabalhava por chegar primeiro 4 India; e na
volta a Lisboa; d'onde se seguiio immensas perdas ao Estado, e 20
Commercin; conseguencias inevitaveis da falta de hum bom Regula-
mento para 0 servico Naval.
. 283
pequenss ficasse servindo na India ;.que se construissem
ortalezas nos Portos mais. vantajosos 4 seguranca das
Esquadras, e concentragao do Commercio; e que se es-
tabelecesse hum Governo permanente naquelle Paiz, pa-
ra dirigir ‘os negocios Civis, e Militares, segundo ag
Instrucgdes , e Regimentos. que se Ihe dessem. __
Para preencher estes diversos fins elegeo ElRei a
Trist@o da Cunha, que estando. prompto a partir, teve
huma molestia, de que por entdo cegou, e em seu lugar
foi nonieado D. Francisco de Almeida, filho do Conde
de Abrantes, que acceitou facilmente o Cargo, e ElRel
dhe assignou hum grande ordenado, a contar do dia qué
sahisse de Portugal até regressar a elle; e Ihe conceded
mais ter na India huma Guarda de cem Alabardeiros,
Capella ; e¢ outras preeminencias, para que representas-
se a sia Real: Pessoa; ¢ a seu filho D. Lourenco de Al-
meida‘, mancebo das .matofes esperancds , que o acoms
panhava., fez tambem varias mercés, D. Francisco de
Almeida deyia ter titulo de Governador, e Capitéo Ge-
neral, e tomar ode Vice-Rei logo que construisse.For-
talezas.em Cochim, Cananor, e Coul4o; por quanto
ElRei mandava fazer nfio. sé estas, e.a de Anchediva
na India, mas outras em Sofala , Quiloa , Mombaga, ¢
Mogambique:na Africa Oriental , onde 08 Moujos con-
tinuavdo o trafico do ouro, que era.da maior importdn-
Cia veddr-lhes, Estes, e otros artigos se continhao em
bum amplo Regimento, que lhe deo para governo, o
gual copiarei por extenso em outra parte.
Compunha-se a Esquadra de dezeseis Ndos € seis
Caravelas (1), com mil e quinhentos soldados de guarni-
C1) Barros conta vinte e dous navios, e s6 nomea dezenove Com-
mandantes. Faria diz que a Esquadra constava de dezeseis Ndos , e quas
tro Carzvelas, e tran os names de dezenove Commandantes, Castanheda
conta quinze Ndos, e¢ seis Caravelas,.c namea outros tantos Comman-
36 il
286
sahindo este da Sé com os Commandantes, e Fidalgos
da sua Esquadra, toda a Nobreza da Corte o acompa-
phou até ao Caes da Ribeira, onde embarcou.
A 25 de Marco de 1509 se fez 4 véla a Esquadra
com quinze Nios e seis Carayelas, indo ElRei ao mar
para a ver sahir , e navegande com bom tempo, avistou
a 30 a Ilha da Madeira, e depois a da Palma; e se-
guindo a sua derrota para Cabo Verde, a 6 de Abril
ancorou no Porto de Ale, em que se. achava fazendo
escravatura huma Caravela Portugueza, e sendo por es-
ta' via sabedor-o Regulo do Paiz da chegada do Gover-
nador, mudou-se com a sua familia- para huma Aldea
fronteira ao ancoradouro,, 4 qual D. Francisco de Al--
meida © mandou visitar com hum presente, e elle The
correspondeo com outro de refrescos da terra. Aqui
completatdo a sua aguada os navios’, huns nesta Bahia,
outros na de Besenegue, que fica _pouco distante, em
que consumirdo nove dias. :
A 19 de Abril continuou o Governador a swa via-
m, soffrendo antes da passagem da Linha alguns dias
Fe calmaria: e como havi%o navios ronceiros, que fazize
atrazar Os Outros, convocou os Commandanees, e Pile-
tos, € com o seu parecer organizou duas Esquadras (1):
hama, que tomou para si, de treze Ndes, e a Caravela
de Gongalo de Paiva, para navegar de noite com farel
na sua proa; e a outra composta das Ndos de Sebastiao
de Sousa, e Lopo Sanches, e das cinco Caravelas restan-
tes, entregue a Manoel Pacanha, que hia embarcado
de passageiro na Ndo Conceicfo com seu genro Sebas-
ti20 de Sousa. Os motivos, que teve o Governador pa-
va |he fazer semelhante honra, forao ter ElRei nomea-
(1) Barros faz esta divisio de Esquadras-no Porto de Ale; mas Cas-
tanheda diz, que foi na occasiio da passagem da Linha, o cue me pac
receo mais provavel, pelo receio que devido causar as calmarias de ser
prolengada.a viagem. :
286
do Manoel .Pacanha por Governador da Fortaleza de
Anchediva, e suspeita que tambem hia nomeado em se-
gredo seu successor no Govetno da India.
Passada a Linha no dia 5 de Maio, achando-se a
outra Esquadra fdéra da vista do Governador, e haven-
do calma podre, e mar muito banzeiro, a Ndo Bella,
Commandante Pedro Ferreira, que era velha, abrio pe-
la segunda vez huma agua tao grossa, que foi a pique:
salyou-se unicamente a gente, e¢ hum caixote de prata
da Capella do Governador, nos escaleres da Esquadra,
sendo Pedro Ferreira o ultimo individuo, que sahio da
Nd4o, como devia fazer.
Os Pilotos por segurarem: a passagem do Cabo,
empenharao-se tanto no bordo do Sul , que chegdrao a
40° de latitude, onde o frio era intoleravel , e achdrao
ventos mui fortes, ¢ trovoadas. A 26 de Junho dobrd-
yao finalmente o Cabo, julgando-se distantes delle cen-
to e setenta e cinco legoas.
A 2 de Julho sobreveio huma trovoada com tanto
vento, que fez em pedacos as vélas das Ndos do Gover
nador, e de Diogo Correa, e levou desta tres homens
ao mar, de que ainda podérao colher hum, apezar do
grosso mar, por ser grande nadador. Abonangando oe
tempo, e dissipada a cerrac4o, achou-se de menos a Néo
de Joao Serrao , pela qual esperou o Governador , e naa
apparecendo, seguio seu camiinho. Arg de Julho vie
as Ilhas Primeiras, e expedindo a Caravela de Gongalo
de Paiva para Mogambique, a saber as novidades da
India, foi surgir em Quiloa no dia 22. O resto para a
segunda parte das Memorias.
1505 — Desejande ElRei que fosse quanto antes
construida a Fortaleza de Sofala, de que ja tinha encar-
regado Pedro de Anaia, que nao pdde sahir com D.,
Francisco de Almeida, pelo desastre acontecido 4 sua
Nao, fez armar a toda a pressa tres boas Ndos, e ou-
287
)
tros tanto$ navios menores, de que lhe deo o comman-
do em Chefe para ir cumprir equella commissao, deven-
do ficar por Governador da Fortaleza, que fizesse, com
Os tres navios para sua guarda; e remetter para a India
as tres Ndos, a fim de tornarem a Portugal com carga
de especiaria. Os Commandantes que hiao debaixo das
suas ordens erfo Pedro Barreto de Magalhdes na Ndo
Santo Espirito ; Joao Leite na Ndo Santo Antonio ;
Francisco de Anaia, filho de Pedro de Anaia, no navio
S. Jo#o0; Manoel Fernandes em outro, e Jodo de Quei-
rés no navia S, Paulo.
A 18 de Maio de 1509 sahio a Esquadra de Lis-
Boa, e seguindo sua viagem, sendo pela altura de Ser-
ra Leda , querendo Joao Leite fisgar do gorupés hum
dourado, cahio ao mar, e afogou-se. Os Pilotos, que
rece se havigo combinado com os da Esquadra de D,
Francisco de Almeida, forao buscar 45° de latitude,
onde o frio era t%o intenso, que se gelava a agua, co
vinho, e a gente nao podia trabalhar por falta de bom
vestuario proprio de similhante temperatura.
Virando depois né bordo do N.E., tiverio ventos
furiosos, € témpos escuros , com que os navios se espa-
tharao, ficandeé Pedro de Anaia com o de Francisco de
Anaia, e Manoel Fernandes; e a 4 de Setembro do-
brow o Cabo das Correntes (1), ¢ fot ancorar na barra
de Sofala.
Aqui veio ter a Nao Santo Antonio, e o navio Sdo |
Paulo, cujo Commandante, chegando ao Rio da Alagoa
€om necessidade de agua , desembarcou acompanhado
de vinte homens, tendo o desacordo: de levar comsigo
o Piloto,e o Mestre; ¢ mettendo-se meia legoa. pela ter-
(1) O Cabo das Correntes est? situado na Costa Oriental da Afris
ea, no Canal de Mocambique, na latitude S. 23° 40’, ¢ longitude
54° 55%
288
ra dentro movido da cubica de colher algum gado, foi
assaltado dos naturaes, de cujas mJos apenas escapou o
Escrivio Jojo de Ga, e mais quatro homens, todos fe-
ridos. © navio ficando sem Official aigum, que enten-
desse da Navegacao, hia perder-se , quando o acaso
trouxe Jogo Vaz de Almada, a quem Pedro de Anaia
dera o commando da Nao Santo Antonio, ¢ provendo
© navio do necessario, o levou em sua conserva; bem
como a lancha de Pedro Barreto de Magalhaes, que en-
controu perto de Sofala, em que este enviava seu irmifo
Antonio de Magalhaes a participar a Pedro de Anaia,
que ficava com a Nao Santo Espirito no Cabo de S. Se-
bastiio (1), ¢ pedia hum Piloto, que o levasse a Sofa--
Ja, por quanto o seu nao se atrevia a isso, por ser no-
vo naquella carreira. .
Antonio de Magalhiaes trazia comsigo na lancha
cinco Portuguezes, que achou no Rio de Quilimane,
que os Mouros ihe entregirae quasi mortos, e ergo da
companhia de outros, que tinhao passado adianre, todos
da Nao de Lopo Sanches, perrencente 4 Esquadra de
D, Francisco de Almcida. Pela confissdo destes homens
constou, que julgando-se quarenta legoas do Cabo das
Correntes, hia a Ndo jd fazendo tanta agua, que foi
forcoso encalhar, onde se salvou a gente, os mantimene
tos, muita madeira que levava, pregadura, e aparelhos,
com que construirio hum Caravelao para passarem a
Sofala. Porém como Lopo Sanches era Hespanhol, a
guarnicao nao quiz mais obedecer-lhe (2), e dividida em
C1) O Cabo de S. SebastiZo esti vinte e oito legoas 20 Norte do
Cabo das Correntes, na latitude S. 22° 6’, e longitude 54? 50% -
(2) Parece que naquelles tempos quasi todos os individuos a bordo
de hum navio estavao persuadidos que perdido elle, ficavéo desligados
da obediencia do seu Commandante ,,e podiio eleger outro a seu arbi-
trie ; a0 menos ma pratica succedeo isto muitas vezes , como mostrarei
com exemplos nestas Aleinorias, Tao perniciosa desordem era a coie-
| 289 3
bandos ; huns embarc4ra0 com Lopo Sanches no Cara-
veldo, outros resolvérdo ir por terra. Estes cinco, que
escapardo , erd4o do numero de huns sessenta , que segui~
ro seu caminho ao longo do mar, assim como outros
vinte , que o Rei de Sofala entregou a Pedro de Anaia,
o resto acabou na jornada, e o Caravelao nunca mais
appareceo. |
1505 — Neste mesmo anno (1) mandou ElRei dous
navios, de que forde por Commandantes Cide Barbudo,
e Pedro Quaresma , para examinarem a Costa d’Africa
Oriental desde o Cabo de Boa Esperanca até Sofala, e
algumas daquellas Ilhas, a fim de obterem noticias de
Francisco de Albuquerque, e Pedro de Mendonca, que
se sabia terem desapparecido naquella paragem.
Estes dous navios partirio de Lisboa no mez de
Setembro , e seguindo sua viagem, quando cuidavao ter |
dobrado o Cabo de Boa Esperanga , achdérado-se na An-
a das Areas, situada na Costa d’Africa Occidental,
quem do Cabo cento e cincoenta legoas; e bordejando
trabalhosamente, chegarao 4 Aguada de Saldanha, onde
comprérdo alguns mantimentos aos Cafres, e aqui pas-
sou Cide Barbudo para o navio de Pedro Quaresma,
por ser elle quem hia encarregado da commissd0, e Pe-
dro Quaresma passou para o seu.
Dobrado o Cabo, porque os tempos o nao deixd-
r4o reconhecer a Costa 4 sua vontade, principalmente
no lugar da suspeita, que era na Aguada de S. Braz,
estando a este tempo ja separado de Pedro Quaresma ,
tornarao-se a ajuntar na paragem em que o Piloto affir-
mava ter visto encalhada a Ndo de Pedro de Mendon-
guencia de no haver hum Corpo fixo de Officiaes da Marinha Real,
gue tivessem huma authoridade deduzida dos seus Postos, e indepen-
dente de Commissdes precarias, para se fazerem sempre respcitados, ¢
obedecidos dos que Ihes fossem inferiores em graduacio. :
Ci) Bartos, Decada 1. Liv. 10, Cap. 6. — Goes, Parte 2. Cap. 9,
: 37
' gem fomar aquella Fortaleza, ¢ @ déixassets ‘guaractida,
no caso de set capaz disso; e€ neo sendo, construleecsn
eatra.de ‘novo: ‘E para que os: Portaguezes em. en
incitente podessem fortificar-se logo ow naquelle ! oa
ew em outro mais vantajoso ,. fez embarcar kuna For
taleza de madeira, que se guardava no Arsenal desde 0
trppo em. que intentou passar em pessoa 4 Africa;
rque EJRei dava grande importancia a possuir ert
Crcotort hom Porto, em. que podessem irivernar, € p#o«
wer-se @& seus. navios de guerra, para sahirem dali a
crazar nes Estreitos da Arabia , e da Persia , e embara-
orm assim a: navegacao doe Mouros para a Costa de
ar. :
. A. peste'em: gue entdo ardia Lisboa, onde morride
Cento e vinte pessoas por dia:, abstou ao recrutamente
necessatio,, por nao ousar ninguem vir das Provincias 4
Capital, e foi Forgoso mandar embarcar alguns présos
j@ condemnados.a degredo. para outras partes. Em fim 2
6 de Abril de rg06 sahirao de Lisboa as duas Esqua~
dras (1). A de Tristao da Cunha compunha-se de cite
Ndos , € tres navies menores, de que erio Commandan-
tes, elle: na Ndo S. Tiago; Leonel Coutinho na Leitéer
Velhz; Alvaro Telles Barreto na Garga,; Ruy Dias Pe--
reira, Alferes Mor, no S. Jorge; Ruy Pereira no S. Vi-
cente; Joao Gomes de Abreu na Ajuda; Job Queimado
em homa Nao sua; Alvaro Fernandes na Ndo de La-
gos; Joio da Veiga em hum navio; Tristao Roiz enti
outro navio; e Jristio Alvares no navio Santo Anto-
nio. Muitos. destes navios erao de particulares , afreta--
dos por E]Rei. A segunda Esquadra constava de qua-
tro Naos; ¢ huma.Taforéa, ou. Setia,, de que erdo: Com-
(1) Barros diz, que as Esquadras sahirio juntas a 6 de Marco; Cas
tanbeda.. © Goes: dizem a 6. de. Abril, Faria, que Affonse.d’Albu-:
querque sahio a 28 de Marco. 7
37 ii
293
" vernar, ou se Fallecesse antes disso; cujo Alvard hia sel-
Jado,:e no sobrescrito dizia: Este se abrird quando
Affonso de Albuquerque o requerer, e€ no mesmo s0-
brescrito estava assignado EJRei. O outro era para que
esse mandar assentar no Livro das Moradias as pes-
goas, que bem Ihe parecesse. 7
Estas Esquadras hido inficionadas de peste , que
antes da sua sahida morrerdo alguns homens a bordo da
propria Ndo de Tristfo da Cunha, que seguindo a sua
derrota.,' foi fazer aguada a huma I!ha, que fica no ros-
to de Cabo. Verde (1), ent4éo chamada Ilha da Palma;
e para sepultar as muitas pessoas, que fallecério, se
construio huma Ermida de pedra e barro, na qual se
disse Missa, e enterrardo os mortos; porém tanto que
Trist3o da Cunha chegou 4 Linha, todos os enfermos
se restabelecérao, De Cabo Verde forao as Esquadras avis-
tar a terra do Cabo de Santo Agostinho; e atravessan-
do para o Cabo de Boa Esperanca , metterdo-se em tane
ta altura, que os homens mal enroupados soffrérdo mui--
to do frio, e alguns delles- morrérao.
‘Nesta -travessia descobrio ‘Tristf?o da Cunha .as
Ilhas, que se chamao do seu nome (2), e com hum
temporal se espalhdrao todos os navios, indo elle an-
corar em Mocambique no mez de Dezembro, onde se
reunirago quasi todos.
Alvaro Telles correndo com o tempo, sem saber
(1) No rosto de Cabo Verde ha tres pequenas Ilhotas insignifican-
tes, chamadas Ilhas da Magdalena, ou dos Passaros. N&o he possivel que
Tristao da Cunha aqui ancorasse com a sua Esquadra, e creio que se
elle com-effeito desembarcou em alguma Ilha, seria na Goréa ( talvez
naquelle tempo chamada da Palma), que tem agua nativa, e huma ex-
cellente Bahia. Castanheda diz, que fez aguada na Enseada de Besene-
gue , e¢ que alli deixou os doentes.
(2) Estas [thas de Tristao da Cunha sdo tres: a maior he a que estd
mais ao Norte, cuja latitude S. he de 37° 5’, e a longitude de 5° 48%
294
bem por onde hia, passou por féra da Ifha de S. Low
renge, foi ver a Sumatra, cuidando. ser o Cabo Guag-
fui; e conhecendo a final o seu erro, voltou para o
menciorade Cabo, onde se deixou ficar cruzando, e fez
boas prezas.
eonel Coutinho foi invernar a Quilaa, e R
Pereira entrou em huma Enseada da Ihe de XS Lou-
kengo (1), chamada Matatana (2), onde veio 2 seu bor
do huma canoa com alguas Negros, cuja linguagem: se
nao entendia, mas por acenos pareceo dizerem, que: no
Paiz havia prata, (de que alguns. trazido manithas ). era-
vo, e gengivre que lhe mostrar4o; por cuja causa Leow
nel Coutinho tomou. dous delles , que levou a
bique , ¢ os apresentou a Tristio da Cunha; e aout
Rasceo a fabula de haver naquella Uha muita prata, e
€speciaria.
Job Queimado, que se havia separado hums soite
das Esquadras antes de sahirem da Costa de Guiné, nao
dobrar o Cabo de Santo. Agostinho, e virando no
rdo de Leste, foi avistar a Costa da Africa Occiden-
tal, e dalli foi ter a Ilha de S. Thomé, d’onde prose-
guio a sua viagem ao longo da Costa, navegando com
terraes, e viracdes; dobrou o Cabo de Boa Esperanga,
e chegou a Mocambique depois de Tristao da Cunha.
1507 — Este anno mandou ElRei aprestar quatorze:
Mavios (3), divididos em quatro Esquadras. A primeira
de duas Ndos, commandada por Jorge de Mello Perei-
ra, embarcado na Ndo Relem, a maior que até este dia
tinha passado 4 India , e Commandante da outra Henri-
‘(1)_ A Tha de S. Lourenco foi descoberta no 1.° de Fevereiro de
1506 por Ferndo Soares , na sua torna-viagem da India para Portugal.
(2) Enseada situada na Costa Oriental da Ilha de S. Lourenco ss
latitude S. de 22° 8’, e longitude 66° 10%
(3) arros, Decada 2. Liv. 1. Cap. 6. — Goes, Parte a. Cap. 14,
— Castanheda, Liv. 2. Cap. 72.
295
que Nunes de Leo, partio de Lisboa a 12 d’Abril de
1507, com destino a India, para daili volrar com car-
ga de especiaria. A segunda de quatro N4os, com iguat
destino , commandada por Fernao Soares, e Comman-
dantes das outras tres Ruy da Cunha, Gongalo Carnei-
ro, e Joao Colago, partio a 13. A terceira de duas
Nios, tambem da cafreira, commandada por Filippe
de Castro, e Commandante da segunda Ndo, Jorge de
Castro, seu irm4o, sahio a 15.
_ A-ultima Esquadra partio a 20, composta de seis
navios mais pequenos, commandada por Vasco Gomes
de Abreu ; nomeado Governador de Sofala, que leva-
va ordem d’EIRei para construir huma Fortaleza ria
{tha de Mocambique, a qual devia ficar comprehendida
no sea Governo: os Commandantes erao Lopo Cabral
no navio S. Romdo, em que hia embarcado Vasco Go-
mes de Abreu, Ruy Goncalves de Valladares no S. Si«
mo; Pedro Lourenco' no S. Joféo, e Lopo Chanoca ent
huma Caravela; Martim Coelho, e Diogo de Mello ent
outros dovs navios, os quaes erdo destinados a servir na .
India por tres annos.
_ Vasco Gomes de Abreu achando-se na Costa dé
Guiné.a 3 de Maio, mandou navegar de noite com fa-
rol pela préa da Esquadra a Jodo Chanoca, por ser a
sua Caravela pequena, e mai veleira, mas por falta de
ir sondando , encalhou em hum parcel da Costa ao Nor-
te do Rio Senegal, salvando-se em terra toda a gente.
Os outros navios, que seguifo a sua pdpa, nado vendo o
farol , cuiddrao que a Caravela se teria adiantado, pois
nao fizera signal aleum, e continudfdo a derrota, estan~
do a noite de cerracdo, até que sentindo # arrebentacio
do mar, derao fundo, e pela manha souberfo da perdi-
ga0 da Caravela. Vasco Gomes nao se quiz arriscar a
enviar hum escaler a terra, tanto pot ser a Costa peri-
gosa , cemo porque receou que os Negros o aprisionas-
297
Diogo de Ataide , Pedro Correa, e Diogo Correa, set
irmao (1). "
Fez ElRei tambem aprestar oito Ndvus grandes para
carga de especiarias, e determinou que Jorge de Aguiar.
as lewasse debaixo das suas ordéns até Mocambique, on-
de se devido apartar para seguirem a derrota da India,
e elle a de Socotora ; e para mais o authorizar, quiz que
entre tanto fosse embarcado na Nao S. Jodo, que era
a maior de todas, da qual passaria depois em M m-
bique para hum dos navios da sua Esquadra: erao Com-
mandantes das outras sete Ndos Tristao da Silva , na
Magdalena; Francisco Pereira Pestana, na Leonarda;
Vasco de Carvalho, no Castello; Alvaro Barreto, na
Santa Martha; Joéo Rodrigues Pereira , no Bota Fogo;
Jo%o Colago, na Judia; e Gongalo Mendes de Brito em
outra.
Além destas duas Esquadras, preparou-se outra de
quatro navios medianos, de que E]Rei nomeou Come.
mandante a Diogo Lopes de Siqueira, Almotacé Mor;
e os outros forao Jeronymo Teixeira, Gongalo de Sou-
sa,e Joio Nunes. A commissao de Diogo Lopes era
para descobrir Malaca, de que se fallava muito em toe.
do o Oriente (2), ¢ da qual ElRei queria ter noticias
individuaes; e na sua passagem devia entrar em alguns
Portos da Ilha de S. Lourengo (3), e certificar-se se
(1) Vede Castanheda, Liv. 2. Cap, 92.— Goes, Parte 2. Cap. 205
€ Parte 3. Cap. 1. —— Earros, Decada 2. Liv. 1. Cap. 6.5 e Liv. 4,
. je
(2) Bairos diz, que as navios erio desesete, ¢ nomea deseseis Com-
mendantes, Faria concorda no numero dos navios, ¢ traz os nomes de
outros tantos Commandantes. Castanheda, numerando sé treze Commans-
dantes,, nio declara quantos erfo os navios. Goes conforma-se com Fas
tia na quantidade dos navios , e dos Commandantes.,
(3) A Ilha de Madagascar , ou S. Lourenco , tem trezentas legoas de
comprido, e cem na sua maior largura; e he habitada por varias Nacées,
cu Tribus de Negros: tem mwuitas Portos, e Pahias espacosas , ¢ em gee
298
com effeito tinha minas de prata, ou produzia especiaria;
e se era conveniente fazer-se nella huma Fortaleza.
Esta ultima Esquadra partio de Lisboa a5 de Abril
de 1508, e seguindo sua viagem, a primeira terra que
vio, foi Cabo Talliado (1), onde fez agua, e lenha; e
estando na altura dos Medaos do Ouro (2) a 20 de Ju-
lho, se encontrou com Duarte de‘Lemos; e sobrevindo
hum tempo, este seguio para Mogambique, e Diogo
Lopes de Siqueira correo com elle até huma Enseada na
Iha de S, Lourengo, em que entrou a 4 de Agosto com
a sua Esquadra , menos 0 navio de Jeronymo Teixeira,
que se apartou. Sahindo desta Bahia, chegou a 10 do
mesmo a hum Cabo -pela parte de Leste da Ilha, ao
qual chamou Cabo de S. Lourengo, por ser o dia des-
te Santo. Avante deste Cabo achou humas Ilhas, on-
de vierjo ter com elle dous grumetes, hum Portuguez,
e outro Genovez, da cquipagem de Jodo Gomes de Abreu,
que por alli se perdéra. Entrou depois na Porto de Tu-
rubaia (3), no qual communicou com o Rei, e recolheo
outro Portugucz da mesma equipagem.
Daqui passou a humas Ilhas, a que péz nome de
Santa Clara (4), pelas descobrir no seu dia; e desem-
barcando em huma dellas, negociou com os Negros al-
ral he mui fertil, e productiva. A sua ponta mais do Sul he o Cabo de
Santa Maria, situado na latitude S. de 25° 40’, e longitude 63° 10’.
O Cabo de Ambre férma a ponta mais do Norte, situado na latitude
sa° 5’, e lonzitude 67° 50’.
C1) Situado oitenta legoas além do Cabo de Boa Esperanca, naCos-
ta Oriental da Africa. Latitude S. 34° 16’, e longitude 41° 14’
(a) Di-se este nome a hum Rio na Costa Oriental da Africa. Lati-
tude S. 27° 45’, longitude 50° 58%
(3) Nome de hum Reino, que naquelle tempo, segundo parece ,
Occupava a face do Sul da Ilha de S$, Lourenco: talvez serd Oo mesmo a
gue se chama hoje Porto Delfim.
(4) Sie duas Hhas sobre a Costa Oriental ca Ilha de S, Lourenco:
a do Sul esta na latitude 24° 59’ S. e longitude 65° 36’.
299
gum gado ,‘e outros mantimentos , e se demorou até 12
e Outubro, que proseguio a sua viagem, e foi ancorar
em huma Povoac4o do Reino de Matatana, onde che
Barfio os Gous homens, que por serem praticos na lin-
gua Arabe, tinha desembarcado no Cabo de S. Lou-
renco, para virem por terra examinando o Paiz, e in-
formando-se das suas producgGes. Estes lhe contardo,
que em toda a sua jornada nao virdo, senao algum gent
givre nascido espontaneamente ; e que achdra0 dous Mou-
ros de Cambaia, que alli naufragarao havia trinta an-
nos, os quaes lhe affirmdrao nao aver na Ilha outra al-
puma especiaria. —
Deste lugar foi Diogo Lopes ao Rio de Matatana,
em que recolheo mais tres Portuguezes do navio de Joaa
Gomes de Abreu; e continuando a sua navegacao ao lon-
go da Costa, vio muitas Povoagdes, e chegou a huma
grande Bahia, que chamou de S. Sebastiao, por ser dese
coberta a 20 de Janciro de 1505. Sahindo desta Bahia.
se pdz a caminho para Malaca, mas pelo tempo lhe
nio. servir arribou a Cochim, onde ancorou a 12 de
Abril’, sendo bem recebido pelo Vice-Rei D. Francisca
de Almeida.
A-9 de Abril sahio de Lisboa Jorge de Aguiar
com as duas Esquadras ; e a poucos dias de viagem te-
ve hum tempo, por cuja causa Francisco Pereira Pesta-
na arribou a Lisboa com o mastro grande rendido; e
tornando a partir a 18 de Maio, dobrou o Cabo de Boa
Esperanca, e¢ foi invernar nas Ilhas Primeiras. Jorge de
Aguiar arribou 4 Ilha da Madeira, por se Ihe quebrar!
o mastaréo de gavia, e com elle. outros navios; e repa-"
rados das avarias, pozerao-se em derrota, porém na
Costa de Guiné se dispersdr3o todos com as trovoadas; .
e Jorge de Aguiar, indo depois na volta do Cabo de
Boa Esperanca, so com a Nio de Alvaro Barreto, e
achando-se huma ncite muito escura na altura das Ilhas
38 i
301
hou Sebastiao Rodrigues Berrio, hum dos maiores Pilo-
tos, € mais valentes homens do seu tempo, com outros
habeis Marinheiros, e Duarte Darmas, grande Pintor,
que desenhou as vistas da terra, e as plantas que se le-
vantdrao : sobre cujos documentos, e as informacdes que
derfo, resolveo-se ElRei ao ataque de Azamor, confiado
nas promessas que lhe fizera em Lisboa Moley Zeyao,
Rei que fora de Mequinez, e ainda posssuta alguns Es-
tados, com cujas forcas promettia auxiliar a empreza ,
© que ndo cumprio.
Nomeou E|]Rei ao mesmo D. Joao de Menezes por
General deste Armamento, que constava de cincoenta
navios, huns de guerra, e os mais de transporte (1) ,
em que se embarcdr4o quatrocentos homens de cavallo,
e dous mil de gente de Ordenanga (a primeira que se vio
em Portugal) dividida em dous corpos, de que erdo
Commandantes Christovao Leitao,e Gaspar Vaz. Accom-
nhavao a D. Joao de Menezes o Conde de Tentugal ,
. Pedro de Noronha, Luiz da Silveira , depois Conde
‘da Sortelha, D. Joao Mascarenhas, Capitdo dos Ginetes ,
D. Nuno Mascarenhas, seu irmao, Jogo Rodrigues de
S4 e Menezes, D. Luiz de Menezes, D. Antonio de
Almeida , Pedro Mascarenhas, D. Henrique de Mene-
zes, Simao Correa, Simao de Sousa Ribeiro, D. Tris-
tao de Menezes, Francisco de Mendonca, Joao Ho-
mem , Simao de Sousa Docem, Joao Brandao, e outros
muitos Filalgos, e Cavalleiros. Era Piloto Mor da Es-
quadra Sebastiao Rodrigues Berrio.
A 26 de Julho de 1508 sahio D. Jodo de Menezes
ao. Sudoeste do Cabo de Espartel, e cinco de Mamora: pode-se ancorat
defronte delle desde 30 até 16 bracas de fundo limpo; o Rio he de dif-
ficil entrada.
C1) Vede Barros, Parte 2. Capitulos de 27 até 29. —- Fr. Manoel
Homem, na sua Obra jd citada diz, que fordo perto de tres mil he~
Mens, ¢ cincoepta navios
-
302
de Lisboa, e demorando-se em Lagos alguns dias pare
recolher a gente, e navios do Algarve, foi dalli com
bom tempo surgir diante do Rio ge Azamor, pelo qual
entrou com enchente de aguas vivas ja sobre a noite a
12 de Agosto, e no dia seguinte comecdrao os navio’s
de guerra a bater a Cidade, a que os Mouros respondé-
rao vigorosamente com a sua artilheria, e pelo Rio abai-
xo langardo balsas de fogo, que pozerdo as embarcacdes
em perigo, por ser o Canal estreito, e estarem apinhoa-
as.
Neste meio-tempo Moley Zeydo enviou hum emis-
sario a D. Joao de Menezes com offerecimento dos seus
Servicos; mas soube-se logo, que na Praca havia mais
de oito mil homens , e que o mesmo Moley andava no
campo em seu auxilio com outros deseseis mil. Apezat
de tudo, D. Jodo de Menezes determinou desembarcar ,
e assaltar a Cidade da banda da terra, d’onde se deve
inferir, que o fogo da Esquadra produzia pouco, ou
nenhuin effeito. :
Os Mouros, nao ousando disputar o desembarque ,
Jispozerao tres ciladas de mil e duzentos cavallos entre
a Cidade e a praia, na csperanca de cercarem os Portu-
guezes, e cortar-lhes a retirada. Desembarcou D. Joao
de “Menezes sem opposicao, e formando a sua Infante-
ria em columna, poz-se na sua frente com cento e cin-
coenta cavallos, e do resto formou dous esquadrdes: hum
de cem cavallos, que entregou ao Conde de Tentugal,
e outro de cento e cincoenta a D. Joao Mascarenhas,
para cobrirem a retaguarda. Nesta ordem marchou di-
reito a Cidade, d’onde sahio grande numero de gente
ao seu encontro, que elle rechzcou, e persepuio até ds
portas, as quaes os Mouros fechdrao, deixando os seus
de tora.
Travou-se aqui huma furiosa peleja, que nio du-
rou muito, porque os Mouros das ciladas vierao atacar
303
as dous esquadrdes, que cobrido a retaguarda da cofumna
da Infanteria, a que acodio logo D. odo de Menezes ;
e vendo que os inimigos erdo muitos, e se reforcavao
com as tropas de Moley que tinhaa chegado, marchou
para o lugar do desembarque , rompendo pela multidao
dos inimigos, e conseguio recolher-se as suas embarca-
ges sem mais perda, que deseseis Cavalleiros, em que
entrdérao D. Pedro de Noronha, Simao Fogaca , Diogo
Barreto, D. Jodo Henriques, Henrique Rodrigues Alco-
forado , e Christovio Marques; ¢€ seis soldados de pé,
Os Mouros perdérao mais de mil e trezentos homens,
Nesta perigosa retirada hum Alcaide Mouro matou o
cavallo a Joao Rodrigues de S4, e o mataria a elle, se
nao lhe acudira Jodo Homem, e Diogo Fernandes de
Faria, que matando o Alcaide, deo occasiéo ao Sd de
montar no cavallo deste. :
No dia seguinte sahio do Rio a Esquadra, com
perda de algumas embarcac6es, pela desordem que hou-
ve na occasido de fazer-se 4 véla. 7
D. Jodo de Menezes foi cruzar no Estreito, segun-
do as ordens d’ElRei, e em poucos dias tomou treg
Fustas de Tetuam ; e mandando para Alcacer a maior
parte dos seus navios, ancorou em Tanger, que gover-
nava D. Duarte de Menezes, e avisou o Conde de Bor-
ba, Governador de Arzilla, para vir conferir com elfe,
e D. Duarte sobre objectos importantes ao Real Servi-
go. Chegado o Conde, consultavao todos tres. 0 moda
com que atacariao Larache, quando veio noticia de que
a Rei de Féz marchava a sitiar Arzilla, por cuja causa
o Conde de Borba se recolheo logo. Com effeito a 19
de Outubro appareceo aquelle Monarcha com hum Exer-
eito de mais de cento e vinte mil homens, muita arti-
Sheria, munigdes, e petrechos de guerra para atacar a
Praga, 0 que comecou a fazer no mesmo dia, e conti-
muou no seguinte , em que tendo picado, e derribado
308
ma maneira hum Cavalleiro por nome Pedro da Costa,
fameso nadador, que o informow:do modo com qué
poderia -desembarcar com. menos: risco , e. introduzir no
Castello ‘gente, ¢ mantimentos, que lhe faltavao,
Com estas nacdes se preparou D. Joaa de Menezes
a soccorrér a Praca, escolhendo. para iss as embarca-
gdes que.demandavao mengs fuado; e publicou, que per-
doava em:nome:d’ ElRei a-todos os homisiados a bordo
dos navios, que no dia stguinte .desembarcassem , e da-
ria quinhentos ¢ruzados ‘ao prime¢iro homem, que pozes-
se os pés em:terra, Prompto tudo, fez-se 4 véla para
o recife, e quando. vio hum signal convencionado, que
Ihe fez o Conde de Eorba:s: de que hia fazer huma sor-
tida , mandou desembarcar as tropas, que j4 estavdo nas
lanchas, e escaleres, e rompeo huma furiosa canhonada
contra a multidao de Mourps, que inundavdo a praia,
e a despejérao em breve. _
D, Joio Mascarenhas foi o primeira que desem-
barcou o Corpo do seu. commando, mas D. ‘TristZo’ de
Menezes ganhou 0. premio, porque a embarcacdo ent
que hia abordou primeiro a terra. Os Mouros vende
uc os Portuguezes desembarcavado, corrérdo 4 praia, ons
de fordo tratados de maneira pelos que sahido das. lan-
chas, e os da sortida, que recudrdo por todas as par-
tes, ¢ abandonirao huma hateria de seis canhdes, 4 cuse
ta das vidas de muitos delles, e de alguns dos nossos ,
hum dos quaes foi Manoet Coutinho.
No maior ardor do conflicto introduzio-se no Gas-
tello D. Joao Mascarenhas com duzentos homens, e al-
gumas imunicdes de guerra, e boca; e no dia seguinte
entrarao outros duzentos , posto que com muito perigo. ;
Com este soccorro ficou o Castello capaz de defer-,
der-se, 0 que nao faria se tardasse o soccorro mais hum
dia, por se achar todo minado, ¢ a gente ser tdo pouca,
© to cangada, que jd nao podia resistir ao trabalho. *
39
TT
ee -Sermio. Ech quette ella s¢:celebrava fer, antomptar,
o seu gdntar, ¢ sellar hima faca mui .andadeira, ¢ de
pois del.comer 4 preesa, ¢.se.despedie da Rainha, parkio
8d coms Be, OL Aid: pessadg, GoM: tanta pressa, que na
aerra: do:Alearve the. rebeaton A faca,,..¢ alli soube ser
o Chatelib:jd soccerrida., prio que foi com maia vagar
até Eavira. E resolato a passar em pessoa 4 Africa ,-s¢
ajuotérte em‘‘Tavira ,¢ extras: Portas do Algarve maig
ee vime ail‘homens com-:artilheria, mynich¢s, @ vives
‘ e¢s,,’e. haviod. qi vierda' de Lishog para trangpoxtar fer
dno'b HarercitO. 220 ce ett,
-. Hétanda: EiRei’ prenupte a. fager-ge, a véla, ,sonbe
hhayerca Rei de Féz-levantade o sitio, e par parecer de
seu: Concelito desistio.da jorhada, remettcndo cqnmmde
a Arma alguns navios carregedes de tropas, nwaie
, ¢. Artifices para repararem. as fertificagdes, Ao
Conde D. Pedro. Navarro mandou. seie mi} crpzadgs , que
elie..s4o’ acriwu: an Corregedor, ide Geren (que pere
deo: aitdnta: homens namuella expedicio),.e.4 outros Car
vatieives:da Anfaluzia deo Habitos com tengas.em quag |
vidas ,.£m reconhecimenta da presteza com que’ acadi«
s40 a secoorrer Arzilla. . tA. -
D. Jado de Menezes conservquese diante desta Pras
ga até chegar todo o so¢cerra, que lhe. foi do Algarve,
€ voltbu depois a Portugal, sendo recebido d’ E/Rei
com mevecia@n os seus relevantes servicos, °. |. 4°,
1509 — ..Pelas. noticias que EIRei teve. da guerra.
que khe fazia o Camorim (1), e da Armada que. Sul-
tZ0 xlp proparava em Sugz pata invadir a Ipdia,
e unir-se Aquelle Principe, e a outros seus confederados,
Gererminon: mandar huma forte Esquadra a destrujc.a
Cidade de Calecar; ¢ para esta expedicgao escolheo a,
1) “Vede Farros , Decada 2. Liv. 3. Cap. 9. — Damiio de Gor.’
Parte 2. Cap. go. — Castanheda, Liv. 2. Cap. 122. coe
39 ib |
309
mandante dé hum navio Portuguez, que vinha da India
-no anno de 1508, sobre a restituigao de cuja preza fez
EIRei D. Manoel inuteis representac6es 4 Corte de Fran-
¢a; soube-se. que o mesmo Mondragon armava de novo
quatro navios para vir esperar as Naos da India na sua
torna-viagem a Portugal, e em consequencia mandou
EJRei sabir de Lisboa a Duarte Pacheco Pereira com
‘algumas embarcag6es, para o interceptar na passagem
para os Agores,; o que com effeito conseguio, encon-
‘trando-o a 18 de Janeiro de 1509 sobre o Cabo de Fi-
nisterrz# ; e depois de huma furiosa peleja, o tomou com
tres dos seus naviOs, metteo outro a pique, e os condu-
_-zio a Lisboa.
1510 — Este anno partirao de Portugal duas Esqua-
dras (1) para a Asia, e huma para a Ilha de S, Lou-
renco. , .
A 12 de Marco sahio a primeira com destino a
Malaca , composta de quatro navios 4s ordens de Dio-
go Mendes de Vasconcellos; e os outros Commandan-
tes Balthazar da Silva , Pedro Quaresma , e Diniz Car-
niche, Armador do mesmo navio. Todos chegdrio a
Goa a salvamento.
A segunda Esquadra sahio quatro dias depois des-
ta, e constava de sete Ndos da Carreira, que devido vol-
tar com carga de especiaria. Era seu Commandante
Gongalo de Siqueira; e os dos outros seis Navios Ma-
- noel da Cunha, Diogo Lobo de Alvalade, Jorge Nu-
nes de Leto, Lourenco Lopes, Lourenco Moreno, e
Joao de Aveiro, que servia tambem de Piloto. Perdeo-
se na viagem perto de Mocambique a Ndo de Manoel
da Cunha, salvando-se toda a gente: os outros navios
forfo 4 India a salyamento.
(1) Castanheda, Liv. 3. Cap, 34. — Rarros, Decada 2, Liv. 5.
8., ¢ Liv. 6. Cap. 10, — Goes, Parte 3. Cap. 10.
$10
A 8 de Agosto patti Jozo Serrfo, Cavateleo de
Casa d’ ElRei, com outra Esquadra de tres navios, sen-
do os outros dois Commandantes Paio de Sousa, e Fer-
ndo Cavalleiro. Levava Jodo Serrd4o instrucgdes para ic
4 Ilha de S. Loutenco estabelecer pazes, e trato mer-
cantil com os Reis de Turvbata , e Maracana.
Forcado dos ventds, ou por m4 navegacio, foi ter
4 Iiha de S. Thomé com os navies destrocsdos, onde
se reparou; e seguindo a sua viagem, chegow ao Porto
de Antepdra (parece ser a Bahia chamada dos Galetdes,
na-face do Sul da Ilha), s6 com dois navios, por se ha-
ver separado o de Fernio Cavalleiro, em que com
viveres, e algum gengivre. Dalli passou ds Idnas de
ta Clara, e a outros Portos, pelos quaes perdee dois es-
calcres; e depois de gastar 0 Inverno correndo 4 Cosre,
sem achar mais gengivre, Ou Outra espeCiaria, partie pa-
ra Goa, onde chegou; e Paio de Sousa foi asribado a
Moca mbique. : St
Neste mesmo anno mandou ElRei para Goversa-
dor de Cafim ao fatroso Nuno Fernandes de Ateide ,
com ham Comboi de trinta navios carregades de tro-
pas, e municdes, e muita gente nobre, para ficar de
guarnic#o naquella Praca.
151r — Neste anno mandou ElRei 4 India huma
Esquadra de seis Ndos (1), de que deo o commando a
D. Garcia de Noronha, sobrinho do Grande Affonse de
Albuquerque, o qual embarcou na Néo Ajuda (2); e es
outros Commandantes erio Pedro Mascarenhas na Senhe-
ra da Luz; Manoel de Castro Alcofofado na Santa En-
femia; Jorge de Brito no S. Pedro; Christovéo de Brie
(1) Catanheda, Liv. 3. Capitulos 71 e 80. — Bartos, Decadla e.
Liv. 6. Cap, 10, e Liv. 7. Cap. 2. —- Goes nio faz mengio desta Es-
cuadra.
(2) Nio achei o numero de Soldados que levava esta Esquarta ,
nias cond Parros nos diz, que a Ndo.Belem conduzia quatrucentos, po-
$it
te na Belem, hima das melhores Néos daquelle tempo;
e D. Aires da Gama na Piedade. | |
Por algnm incidente que ignoro, sahio primeira
D. Garcia de Noronha a 12 de Abril de 1511 com as
uatro primeiras Ndos, e a 20 D. Aires da Gama, e
Cheistavdo de Brito. Estes dois ultimos Commandantes
navepaésao unidos at¢é.4 altura do Cabo de Santo Agosti-
pho, onde hum tempo os apartou, Christovao de Brito
dobrou o Cabo de Boa Eaperanca a 2 3 de Julho, che-
u a-Mogambique nos principios osto, ed India
om Serembro. D. Aires da Gama chegow pouco depois.
D. Garcia de Noronha seguindo sua viagem, so-
tavenecomse tanto, que ne pode montar o Braeil (1);
e virando no bordo de Lesre, foi huma noite topar cons
hum Dhore, que sendo primeira visto por Jorge de Bri-
to, Commandante da Nao 8. Pedro, que. hia na van-
da, fez signal aos outros navios, que assim escapa-
rGo dle se perder (2). Deo-se a cste penkasco o nome
de Pesedp de S. Pedro. Por wtimo ancoron D. Garcia
an Hhe de S. Thomé, onde 9 seu Governador Fernan-
do de Mello © provéo do necessario; e daqui esereveo
a ElRei os acontecimentos da sua viagem.
Pastindo de S. Thomé no 1.° de Agosto, o seu
demos avaljar o total em mil e seiscentos homens pougo mais ou me-
hos.
{1} Nf&e havia ainda naquelles tempos hum systema fixo, e conhe-
cido das derrotas que se deviio fazer de Lisboa para o Cabo de Boa Ee«
peranice, segundo as-estacdes do anno; ¢€ por isso muitos Pilotos, por
fugirem das calmarias de Guiné, onde algyns voluntariamente se bido
Metter, corrjio tanto para Oeste, que nio podiio mantar o Cabo de
Sante Agostinho, e erio forcados a virar no bordo de Leste em mui
poquens latitude, o que os levava ¢ mesma Costa de Guiné , que gue-
FiZ0 evitar, farendo assim hum radeie immensp, até se metterem ap-
vamente em caminho. Mas he preciso tambem confessar, que os navios
daquelle tempo nao andavao, nem bolinavio como os de hoje.
€2.) © Benedo de S. Pedso esra na latitude N. de 55’, e longitude
35° 55"
312
Piloto, por seguranga , foi buscar a latitude de 46°, on-
de as equipagens soffrérao terriveis frics,; ¢ vindo. de-
pois demandar a terra, e cuidando (nao sei porque) le
var dobrado o Cabo de Boa Esperanga, veio embetes-
gar a Esquadra em huma Enseada muito ao Norte do
Cabo, cheia de bsixos, e correntes, que arrastav%0 os
navios para dentro; e milagrosamente sahio a salvo pa-
ra continuar a navegar bordejando ao longo da Costa,
em que gastou mez e melo antes que montasse o Ca-
bo. Tantos trabalhos, e tantas mudangas de climas ti-
nhao ralado as guarnicg?es de maneira, que todos os dias
se lancavdo quatro, e Cinco mortos ao mar; € os doen-
tes erao tantos, que nao chegavao Os saos para marear
Os navios; e assim andou D. Garcia a téa meio perdi-
do, até que vio a Costa da Africa, a qual os Pilotos
atarantados n3o conhecérao.
Partio entao Pedro Mascarenhas na sua Jancha para
tomar lingua em terra, e saber onde se achavao; e co-
mo o mar quebrava muito, enviava elle hum Negro, e
hum marinheiro a nado, que voltdrao com resposta de
que estavao trinta legoas distantes dquem de Mocam-
bique; mas infelizmente nao. pédde Pedro Mascarenhas
recolhe-los a bordo da lancha, e mandou-lhes que fos-
sem adiante a huma ponta de terra, que mostrava fazer
abrigo, e ahi os tomaria, como tentcu fazer, porém
n30 apparecérao , e depois se soube que os Mouros os
matardo.
A tr de Margo de 1512 entrou finalmente a Es-
quadra em Mogaimbique (1).
1512 — Sabendo EJRei, pelas Cartas que da Ilha de
S. Thome lhe escreveo D. Garcia de Noronha, que nia
Ihe era possivel passar aquelle anno 4 India, mandou
(1) O inesmo diz Faria e Sousa, porém Castanheda da a sua che-
zida no me. de Fevereiro.
313
‘immediatamente aprestar doze Ndos com dois mil sol-
dados de guarnic&o (tanta era a abundancia de navios,
© municbes navaes naquelles tempos felizes!), de que
formou duas Esquadras, huma de oito, outra de qua-
tro Néos (1).
Commandava a primeira Jorge de Mello Pereira
na Ndo Senhora da Serra; e erfo os outros Comman-
dantes Jorge de Albuquerque na Nazareth; Jorge da
‘Silveira no Bota-Fogo; D. Joda de Eca na Magdale-
na; Lopo Vaz de S. Paio na Santa Cruz; Gongalo Pe-
reira na Conceicg4o; Simao de Miranda na Virtudes; e
Francisco Nogueira no Santo Antonio. Da segunda Es-
uadsa era Commandante Garcia de Sousa na Ndo Sao
Joao ; e os outros Pedro de Albuquerque na Sebastia-
na; Gaspar Pereira, que hia servir de Secretario com
Affonso de Albuquerque, no Santo Espirito; e Roque
Raposo de Béja’ cm outra Nao. |
Tinba ElRei ordenado, que os navios partissem a
dois e dois logo que estivessem promptos, e se fossem
reunir em Mogambique, onde esperariao pelos seus re-
spectivos Chefes até hum certo tempo, passado o qual
deverido seguir para a India debaixo das ordens do pri-
meiro delles, que chegasse; mas a 25 de Marco de 1512
sahirdo de Lisboa quasi todos os navios.
‘Estas duas Esquadras surgirdo em Mocambique
pelo mez de: Junho, excepto Jorge da Silveira , que
assando por fdéra da Ilha de S. Lourengo, chegou 4.
arra de Goa a 8 de Julio; e nao ousando entrar por
serem Os tempos mui verdes, foi. ancorar em Anchedi-
va; e Francisco Nogueira, que se perdco nos baixos das-
Ilhas de Angoxa (2), em que morreo quasi toda a gene
(1) Earros; Decada 2. Liv. 7. Cap. 2, —— Faria, Asia Portugueza
Tomo 1. Parte 1. Cap. 2. — Goes nao faz mencao desta Esquadra. —
Castanheda falla com assis confnsio no Liv. 3. Cap. 88.
(2) Sio quatro pequenas Ihas situadus sobre a Costa Oriental da
| 40
314
te, e elle, por ndo saber nadar , ficou na parte su-
fior do casco da Ndo com dois filhos sens; © quatt-
) a maré vasou, destobtindd-se o pattel , passdt#d
a pe ehxurd para htitha daquelias thas, oltide ficdr#o
patdise dos Mouros, mas pouco tempo depois se rts-
tdrao. °
1513. — Neste anno partio para a India hima Es-
Quadra de tres Ndos, commarndada por Joio de Sousa
de Lima na Ndo Piedade; e os outras dois er4o Hen-
riqué Nunes de Le%o no S. Christovio, e Franciscd
Correa no Santo Antonio (1).
A 14. de Margo de 1513 sahio de Lisboa esta Ee
quddra, e sobre o Cabo de Boa Esperanga se disper
rf os navios com hum temporal. Joao de Sousa de Li-
ima chegou a Mocambique a 22 deJunho; e nos prihcl
pies de Julho Hetrrique Nunes de Leao. Francisto Cor-
rea tomou por féra da Ilha de S. Lourengo, caidando
gue entrava pelo Canal; mas conhecendo depois a terra,
seguio a sua viagem, e dobrando a Ilha pela cahege do
Norte, atravessou a Costa da Africa para vir Buscai
Mogambique, e perdeo-se no baixo de S. Lazaro ses-
senta legoas ao Norte desta Ilha. Teve porém occasifo
de fazer jangadas, ¢ com estas, e a lancha, ¢ © escalet
salvou toda a gente, e foi ter a Melinde, onde achou
felizmente as duas Naos da sua conserva.
1513. — Agastado E]Rei D. Manoel do quebranta-
mento das pazes que fizera , e renovdra com Moley
Zeya4o , Senhor da Cidade de Azamor, determinou con-
quista-la, e€ para esta commissao nomeou ao Duque de
Africa, pouco distantes de Mocamlbique, e fronteiras a hum Rio, de
que ellas tomdrao onome.. A Ilha mais do Sul est situada na: latitude S.
16° 33’; e longitude 58° 10’,
(1) Barros, Decada 2. Liv. 8. Cap. 6. — Faria, Asia Postuguera —
Castanheda, Liv. 3. Cap. 115. — Esta Esquadra falta em Damiio de
Goes , e na Memoria ce Fr, Manoel Homem.
S16
Bragunea TD. Jaime , seu sobrinho, por seu Capitdo Mor
Gemeral, com poderes mui amplor (1). ?
Constava a Armada de mais de quatrocentas e trin-
ta embarcacgdes, entre navios de guerra, e de transpor-
te, na qual,embarcar4o (2), além da Marinhagem ne-
cessaria, dois mil e duzentos homens de cavallo, tude
gente nobre, de que duzentos erZ0 acobertados, ¢ quite
ze mil homens de Infanteria, pagos 4 custa d’ ElRei; e
© Duque alistou nas suas terras quatro mil homens ese
cothides, a seu soldo; e dos seus’ Vaseallos, e creados
quishentes ¢ cincoenta de cavallo, em que ‘entravdo cem
a¢obertados.. Destes quatro mil Infantes formou o Due
que quatro Corpos, de que nomeou Coroneis Gaspar
Vez, Pedro de Moraes , Christovao Leitia, e Jozo Ro-
drigues, os quaés tinhZo servido na Italia com boa ree
putagad;.€ tanto og Officiaes, como os Soldados , forda
fardadne.d sua custa, com g#bdo0, e gorrea de panno bran-
co, ‘tons huma Cruz vermelha no peito, e otra nas cos-
tas; @ fardamento dos Coroneis, Alferes, Sargentos, e
Cabos. era de teda da mesma cdr. Estes quatro Regi-~
mentos (fallando na frase moderna) estavao bem disci-
pliaados , e instraides em todas as evalugdes militares.
Nemeou KiRet a D. Joio de Menezes por Capitaa
@)_ Por huma Carta Regia datada de Lisboa a 3 d’Agosto de 1513,
dirigida 2 codos ‘os Fidalgos, Officiaes , e pessoas de que se coipurth¥a
we Forcas de Mar, ¢ ‘Terra, empregadas na expedicio; em cuja Carta
dizia EMRei estas formacs palavras; ‘© Com a qual Capitania the dure
2» (#0 Bugue) rode o nosso camprido poder, ¢ alcada sobre toda a geiv
ap te da dita Armada, ¢ Exercito, de qualquer estado, e condicso que
yn Stja, para delle usar, coma Nés pessoalmente o fariamos, se precen-
>> te fossemes , -assim no Give], como no Crime, até morte natural in-
>» clusive, sem d'elle em caso algum haves outra mais appellarZo, nem
n VO, porque tudo quesemos, ¢ nas praz que faca nelle fim. ,,
ca Vede Goes, Parte 3. Capitulos 46 e 47. — Historia Genealo«
gica da Casa Real Portugueza, ‘lomio 5. Liv. 6. pag. 503 € seguintes ;
é a Carea do Duque de Praganca 2 ElRe: D, Manoel tio Tomo 4. das
Provas i snesmia Historia, a fiig. 32. -
40 li
$19
@ou ho capo com todas as Forgas que pode teunir, p2-
ra_dar batalha aos Portugwezes, sepundo dizia. Tinha
o Durie ordendto a Pedio ‘Affonsd dé Aguiar, que com
bs navios dé guerra entrasse no Rio de Azamor, ¢ quel-
fhaske us bulsas iticendiarias, que os Mouros haviio fa-
bricado para deirarem fogo 4os navios; o que elle cums.
prio, a pezar da opposicao da artilheria da Cidade.
O Exercito foi assaltado na marcha pelos Mov-
fos, que intentardo embaraga-la, mas sendo rechaca-
dos , se ‘alojou o Duque aquella noite ao longo do
Rio , eri. que a Armada estava ja ancorada. No dia
seguinte se comegou a desembarcar a artilheria, e mu
higdes para bater as muralhas, e os Mouros totndrio
& apparecer, e a retirar-se. Alguns Generaes erao de
dpinido de os atacar , porém o Duque de Braganca
Pegeirou este parecer , Julgando mais prudente tomar
primero a Cidade, para depois obrar segundo as cir-
Cunstancias.
Desembarcada a aftilheria, e posta alguma della
em bateria, thandou entretanto o Duque encostar man=
tas 4 muralha para a picar, visto que a Cidade nio ti-
nha fosso, nem obra alguma exterior, que o embaracas-
se, e assim se fez debaixo da direccio de D. Joto de
es, que provia em tudo. Este ataque durou até
ao fim da tarde, defendendo-se os cercados o imelhot
jue podiao, com tiros, e armas missivas, langando sobre
as mantas quantidade de fogo, quando huma bala de
artilheria matou Cide Mangor, de cuja vida parece que
dependia a defesa da Praga; porque nessa noite a des-
ampardrao os Moures com tanta precipitagao , que mor-
rérao mais de oitenta affogades no meio da multidfo,
que se vasava pclas portas.
Antes de amanhecer veio hum Judeo Portuguez dar
esta noticia ao Duque, que tomou posse da Cidade, na
gual sé achou alguma artilheria, e¢ mantimentos. A fa-
320
ma desta conquista fez.despovoar as Cidades de Tite, e
Almedina , de que os Portuguezes se apoderdrdo.
Fez depois o Duque huma entrada na Provincia,
para castigar os Arabes, que havendo assentado comelle
pazes , as quebrdrao logo; mas nao achou mais que hum
_ pobre Aduar com duzentas individuos, a que.deo liber-
dade. E comegando a adoecer de hum tumor, que lhe
vedava andar a cavallo, deixou em Azamor toda a sua
casa, e tropas, e partio pira Portugal a 21 de Novem-
bro com dois unicos navios; desembarcou em Tavira,
e€ apresentou-se em Almeirim a ElRei, que o recebeo
com grandes honras.
_ 1914. — A 20 de Margo de 1514 partio para a In-
dia Christovio de Brito, commandando huma Esquadra
de cinco Ndaos; sendo os outros Commandantes (1) Ma-
no:l de Mello, Joao Serrao, Francisco Pereira Couti-
nho, e Luiz Dantas: este chegou primeiro a Goa, e de-
pois delle em Setembro o resto da Esquadra.
Em Juiho do mesmo anno sahio de Lisboa Luiz
igucira por Commandante de dois navios, e © outro
era Pedro Annes Francez. Levava Luiz Figueira ordem
para ir ao Porto de Matatana, na Ilha de 3 Lourenco,
estabelecer huma Feitoria, para negociar o gengivre,
ue produzisse o Paiz;, o que nao teve effeito, porque
depois de estar alli seis mezes recolhido em hum Redu-
cto, que construio, na falsa esperanga que lhe dayao os
habitanres da colheita do gengivre, se levantarao contra
elle, por cuja causa se retirou a Mocgambique; onde ja
achou Pedro Annes, que manddra naquelle meio tempo
a reconhecer a Costa de Leste da Ilha, e com effecito
cntrou em alguns Portos, e no ultimo comprou muita
(1) Barros, Decada 2. Liv. 10. Cap. 2., e Decada 3. Liv. t. Car. 1.
— Goes, Parte 3. Capitu'os 66 € 67. -- Castanheda, Liv. 3. Cop. 153,
cota so quatro Naos nesta bs guadia.
321
quantidade de ambar; e como © vento era contrario
para voltar a Matatana, foi-se para Mocambique,
1515. — Affonso de Albuquerque , depois de con
quistar Goa’, Ormuz, e Malaca , tres das principaes
chaves do Commercio da India, pedio a ElRe! D. Ma-
noel o Titulo de Duque de Goa ,’e licenca para acabar
nella a sua vida, mais gasta de trabalhos, que de annos;
mas O$ seus inimigos: tiverdo a arte de insinuar no ani-
mo sincero.d’ E]Rei algumas suspeitas contra a sua fides
lidade, exagerando a affeicao que lhe tinhao os Portu-
puczes que serviao na Asia, ¢ os Reis, e Povos daquel-
es ricos Paizes, que todos folgariao de o ter por scu
Governador, ou seu alliado; d’onde concluido , que per-
tendia por aquelle meio tornar-se independente de Por-
tugal. a A ,
- e Estas perlidas suggestdes, attribuidas naturalmente
pelo Monarcha ao zelo do Real .servico, o fizerZo re-
solver 'a ‘mandar por Governador da India (1) Lopo.
Soares de‘ Alvarenga, que nZo sendo amigo de Affonsa
de Albuquerque, parecia por isso mesmo mais capaz de
© fazer embarcar para o Reino, a pezar de qualquer
obstacula que occorresse (2). Levava elle Instrucgées
sobre dous artigos da maior importancia: o primeiro
para arrazar a Cidade de Goa, e abandonar a Ilha, se
assim parecesse bem «ts principaes pessoas, que serviao
na India (3); e.0 segundo para nao occupar a Cidade
de Adem (4) quando fosse ao Mar Roxo (5). Esté’ pro=
jecto era talvez o resultado das intrigas dos inimigos de
(1) Barros, Decada 3. Liv. 1. Cap, 1, —- Goes, Parte 3. Cap. 77.
— Castanheda, Liv, 3. Cap. 152.
(2) ‘Damido de Goes o diz positivamerte no lugar citado.
* (3) Goes, Parte 4. Cup. 2. ce
(4) Esta Cidade esta situada na. Costa do Estreito da Arabia, e era.
ssaquelles tempos mui celebrada ems todo o Oriente. ,
(5) Goes, Paste 4. Cap. 12,
41
42:3
etn Mogambique, e seguindo d’ali a sua viagem, che-
geu a Goa nos principios de Setembro.
: Affonso Lopes da Costa levava Cartas d' ElRei
para Affonso de Albuquerque, concedendo-lhe licenga
para ficar.na India (1) em qualquer Fortaleza que es
golhesse, isento da jurisdicg¢ao do Governador Lopo Soa-
res; € que na sua vagan<ia tomaria o Govcrno com @
Titulo de Vice-Rei. He certo, que ElRei sentio a mor-
te de tao grande homem, e fez muitas mercés a seu fi-
lho, como elle Ihe tinha requerido na hora da ‘morte.
_:1915. — Determinado ElRei D. Manoel a fazer
construir huma Fortaleza em Mamora , nomeou por.
Capirao-General desta expedigao a D, Antonio de No-
ronha, depois Conde de Linhares, seu Escrivio da Pus.
ridade; e para lhe succeder no commando, se falleces-
se, a D. Nuno Mascarenhas. Constava o Armamento
de mais de duzentos navios de todas as prandezas, ¢
gito mil homens de tropas, divididos em tres corpos,
de que crao Coroneis Tristéo da Silva, Ruy de Mello,
e Christovao Leitao (2). : :
: Qs Officiaes, e pessoas mais notaveis desta expe-
dicdo erao D. Affonso de Ataide, D. Alvaro de Noro-
pha, D. Bernardo Manoel, Camareiro Mor, D. Gas-
per, e D. Jodo de Noronha, da tha da Madeira, Gare
cia de Mello, Anadel Mor dos Besteiros, Pedro da
Fonceca, Langarote de Mello, Antonio de Saldanha,
D. Rodrigo de Noronha, D. Pedro de Azevedo, D. An+
tonio de Azevedo, seu irmao, Duarre de Lemos, Pedra
Moniz, D. Antonio de Sousa, Tristao da Silva, Ruy
de Mello, Simao Gelez, Senhor da Torre de Chamor ,.
Francisco Lopes Gir4o, Jorge Correa; Christovao Lei-.
ta20, Fernao Vaz Ccrte Real, Vicente de Mello, An-
; C13 Assim o affirma Damido de Goes na Parte 3. Cap. 80.
(2) Damiado de Goes, Parte 3. Cap. 76.
4i il
325
No dia segninte armou-se o Forte de madeira, e
comegou-se a construcc3o da Fortaleza, em que todos
trabalhavio, sem excepcio, e com tal actividade, que
em breves dias se abrio hum fosso de vinte palmos de
largo , e-quatorze de fundo, em que entrava a mar¢, e
se fechava 4 vontade para 0 conservar cheio d’agua.
Entre tanto os Reis de Féz, e Maquinez acudirio
a estoryar. a obra com hum numeroso Exercito, que co-
bria duas. legoas de terreno, e sitiar4o o campo dos Por-
tuguezes, que sem descontinuarem os seus trabalhos, fae
zia0 frequentes sartidas, com perda de muita gente de
parte a parte; e huma dellas tornou-se tdo sanguinosa,
que posto os Mouros fossem rechagados, tiverdo os Por-
tuguezes mil e duzentos homens fora de combate. A pezar
destes obstaculus, a Fortaleza estava quasi concluida n
fins de Julho. |
Como os Mouros recebizo muita damno dos na-
vios Portuguezes, que além de cconduzirem mantimen-
tos, e municdes para o Exercito, batiao os seus quar-
teis com artilheria , construirio logo no principio do si-
tio 4 entrada do Rio huma bateria mui forte, em que.
montdrao muitos canhdes, para lhes vedar a passagem,
€ cortarem assim tedos os soccorros aos sitiados; que a
final devido achar-se reduzidos a capitular, ou a fazer
huma retirada desastrosa, pois que nao tinhdo forcas suf-
ficientes para arriscar huma batalha. 7
D. Antonio de Noronha, vendo que a bateria dogs
Mouros 0 punha em perigo eminente de se perder, man-
dou ancorar diante della hum navio grande, cujo cos-
tado se reforcou com hum forro de vigas, coberto de
sacas de J4, estopa, e algodio., para resistir as balas de
srtilheria, e com a sua destruir a bateria, do qual na-
vio deo o commando a Gaspar de Paiva; mas no fim de
trinta dias o mettérao os Mouros no fundo; e D. Ante-
nio perdeo de todo a esperancga de conservar-se ali mais-
tempo.
327
a+ «Este Official chegou 4 India hum mez antes dos
navios da Esquadra de Joao da Silveira.
_ 1947. — Querendo ElRei D,. Manoel aproveitar-sé
dos talentos de Antonio de Saldanha, o mandou este ane
no de 1517 a fazer hum rigoroso cruzeiro no mar da
Arabia contra os Mouros,, que por ali passavio 4 Cos-
ta do Malabar; e como similhante servico exigia algu-
mas embarcacdes Latinas, que nao podiao ir de Portu-
gal, ordenou ao Governador da India lhe désse as que
em -necessarias.
Aprestou-se em Lisboa huma Esquadra (1) de oite
dNaos, de que elle tomou o commando, embarcado na
Ndo Senhora da Serra ; os outros Commandantes erao J).
‘Tristéo de Menezes, Manoel de Lacerda, no S. Tiago,
Pedro Quaresma , Rafael Catanho, Fernao de Alcaco-
va, noemeado Vedor da Fazenda da India, com pode-
res que o izentavao do Governador, os quaes nfo pode
executar, Affonso Henriques de Sepulveda, e outro. An-
tonio de Saldanha sahio primciro com cinco navios, e
peuco depois partirao os outros tres, que se Lhe reunirio
em Mogambique, e chegardo todos 4 India em Setem-
bro.
1517. — Em Junho de 1517 (2) mandou ElRei D.
Manoel huma Armada de setenta navios de guerra, e
de transporte , com muita gente de pé, e cem de caval-
Io, commandada por Diogo Lopes de Siqueira, com
ordem de embarecar cincoenta Cavalleiros em Arzilla, e
‘outros tantos em Tanger, e d’ali passar a Ceuta, cujo
Governador D, Pedro de Menezes, Conde de Alcoutim,
deyia reunir-se a efle com toda a sua Guarnigdo, para
-marcharem de commum accordo sobre Targa. O genio
altivo de Cende, e a desconfianca em que fico por se
cf? Vede Barros , Decada 9. Liv. 1. Cap. 10. — Castanhieda , Liv. 4
. 26, .
(2) Goes, Parte 4. Cap, 22,
329
- Diogo Lopes demorou-se pouco em Mocambique ,
e chegou'd India a .8 de Setembro. oe
istg. — Neste anno se armou (7) huma Esquadra
de quatorze Ndos (2), commandada por Jorge de Albu-
querque, embarcado na Ndo Guadalupe; os outros Com-
dandantes eréo Lopo de Brito, Pedro da Silva, Jodo .
Rodrigues de Almada, Francisco da Cunha, Christo-
' yao de Mendonca na Nao Graga , Rafael Perestrello aa
Rosa, Rafael Catanho, Diogo Fernandes de Beja, Gon-
galo Rodrigues Corréa na Ndo Santo Antonio, D. Dio-
go de Lima, o Doutor Pedro Nunes (3), Manoel de
Sousa em hum Gale%o (4), e D. Luiz de Gusmao, Fi-.
mova, até que andando o Carpinteiro por féra examinando as costuras ,.
vio acousa de meia braca abaixo do lume da agua, hum pedaco de
ponta como de boi cravada no costado, O Bergantim chegou a Lisboa
tocando sempre i bomba, e o Constructor do Arsenal cortou hnm pe-
daco da taboa, em que estava mettida a ponta, que tinha mais de dous
palmos de comprido, de cor escura, mui rija, e a superficie escamosa:
persuado-me que foi.conduzida para o Real Museo. |
(1) Vede Barros, Decada 3. Liv. 3. Cap. 9. —~ Goes, Parte 4.
Cap. 36. — Castaneda, Liv. 5. Capitulos de 15 até 18. |
(2) Assim o diz Barros no lugar citado, Faria na Asia Portugueza,
e o Nobiliario manuscrito das Familias Portuguezas, no Tomo 3. pag.
612. Damiio de Goes conta desaseis Ndos , e Castanheda desasete. Eu
creio, que a differenca consiste nos dous navios destinados para a Chie
na, que huns excluirio, e outros incluirio na Esquadra.
(3) Pedro Nunes hia com o Cargo de Vedor da Fazenda nos Estados
da India, vencendo 400g)000 réis annuaes, e outras muitas vantagens ,
além de ElRei lhe pagar vinte homens para o acompanharem., Levava
elle hum Regimento, que 0 isentava da jurisdicgio dos Governadores
nos casos Civeis, e Crimes, e lhe conferia toda a administracdo da Fae
zenda, que elles até ali tinhdo, segundo refere Castaneda no lugar
acima citado. Succedeo o que era bem natural, hum conflicto de ju-
sisdicgGes entre os dois Chefes do Estado, cuja consequencia foi voltae
Pedso Nunes para Portugal.
(4) Daqui por diante comeca a nossa Historia a fallar em Galedes,
e assim cumpre dizer, que ds vezes os Escritores chamio com indifferen-
&a aos navios grandes, GaleGes, ou Ndos; mas na realidade os GaleGes
comecario a ser naquelles tempos os navios propriamente de guerra, ¢
42
330
dalgo Hespanhotl ,. ent outro, que era o’ mais formoso ;
e bem armado navio de toda a Esquadra.
Partir4o’ este mesm@' afino mais: dois navios com
destino para a China , de que ero Commandatites Dio~
_ go Calvo, e Garcia Cainho.
A 23 de Abril de 1519 sahio a Esquadra de Lise
boa, menos Francisco da Cunha, que, por algum inci-
dente, partio a 7 de Junho, e com tal fortuna » que ene
trou em Cochim a 10 de Outubro.
A Esquadra navegou derramada: Diogo de Lima
4rribou a Portugal, e nado péde tornar a sahir. Jorge
de Albuquerque: invernou em Mocambique com. oito
Ndos; Lopo de Brito, Pedro da Silva, e Jodo Rodri-
ues de Almada forao a India a salvamento. Manoet
Se Sousa, separado da Esquadra, soffreo mdos tempos,
e chegando 4 altura de Mocambique nos fins de Serem«
bro, nao quiz entrar no Porto, a pezar deter muita fal-
ta de agua; e na esperanca de poder passar 4 India,
proseguio a sua derrota, em que achou levantes rijos,
que Ihe nfo deixavdo adiantar caminho. A final gqais
huscar o Cabo Guardafui, para fazer agua, que jd por
alta. della levava muitos doentes , ¢ hia deitando mor-
tos ao mar. N4o podendo ferrar o Cabo, foi avistar a
Illia de Socotoré, que tambem nao romou, por ser o
vento por sima della. Nesta extremidade arribou a bus-
Gar a terra da Africa mais proxima, e navegou 30 lon-
isso se BonstruiZo mais fortes da linha d’agua para sima, e monte
v0 mais artilhesia As Ndos erio de mais toneladsas, com grande ;
e menos fortes de costado, Na torna-viagem da India os GaleSes vinhSo
carregados como as Naos, de que se seguirdo alguns naufragios , porque
soffriiio mais dos golpes de mar, e dos balancos, em razio da nimiz ak
tura dos Castellos de popa, ¢ proa, representando cada Galefio o perfil
exacto de huma cortina flanqueada por duas ‘Torres. Houverfo depos
alteracdes neste systema, e constriirio-se GaleGes mui grandes , aindé
gue o numero de carhdes, que montavdo, era inferior ao que hoje st
Pratica.
331
go della, caminho de Melinde, determinado a ancorat
em qualquer Jugar , onde achasse agua. Assim chegou a
Matoa, e dando fundo , desembarcou na lancha com o
Piloto, e quarenta homens armados, para fazer aguada
por forga, ou por vontade. 3
Achou-se com effeito huma fonte afastada hum
pouco do desembarque , em que se comegarao a encher
os barris; e.os naturaes, longe de se opporem, acudirao
em som de paz a vender gallinhas, e outros comestiveis,
© gne infundio tao desleixada confianga nos Portugue-
wes, que na vasante da maré ficou a lancha em secco a
grande distancia da praia. Manoel de Sousa , conhecen-
do tarde o erro que commettéra em nfo deixar o seu Pi-
Joto na lancha com alguns marinheiros, cahio em outro
snaior; porque devendo reunir logo toda a gente em
dhum corpo, para resistir a -qualquer assalto dos Mou-
0s, e ganhar algum tempo até a maré.tornar a encher,
anetteo-se pela -vasa com todos os seus, para 4 forcga de
dbracgos pér a lancha em nado. Os Mouros, que escon-
didos espreitavao alguma boa occasido de mostrarem o
odio que tinhdo aos Portuguezes, vendo-os atolados.na
wasa, sem se poderem formar, nem mesmo usar das ar-
anas, corrério sobre elles em grande numero, matdrao
todos, e tomdrao a lancha. .
A gente do Galedo , estupefacta de se ver sem
Comnmandante, nem Piloto, deo a direcco da derrota
ao ‘Contra-Mestre, que mui pouco entendia de Nave-
gacao; e fazendo-se 4 véla, seguio a Costa, e foi sur-
ir em Oja, Cidade dezoito legoas ao Norte de Melin-
die. Os habirantes recebérao bem os Portuguezes, -que
se detiverao aqui seis dias, fazendo viveres, e aguada;
amas como Os desastres nunca ‘vem s6s, aconteceo que O
Regulo do Paiz deteve o Mestre, e¢ seis homens que
estavgo.com elle cm terra para os festejar; e os do.Ga-
leZo, cuidando que erao mastos,. au .cativos,.e vendarse
42 ii "
$32
geduzidos a seis homens sdos, e alguns enfermgs, de
duzentas pessoas que compunhZo a guarnicao, cortdér#o
as amarras, e seguirdo a sua derrota para Melinde,
o Contra-Mestre varou por ignorancia, e foi dar 4 costa
em huma coroa junto a Quiléa, onde os Mouros os mar
tdrao a todos, excepto hum rapaz, que cativdrdo.
Dos acontecimentos desta Esquadra resta-me cone
tar o facto: extraordinario, e unico de hum navio de guer
fa convertido em Pirata (1).
Era Commandante de hum Galeao BD. Luiz de Gus-
mo, casado:em Portugal, que separando-se do sev Che-
fe, navegou sd, e ao Sul das Canarias encontrou huma
Caravela Portugueza ; ¢ sabendo: pela pratica , que. com
ella teve, que vinha da Costa da Mina, e trazia ouro,
disse em particular: ao Piloto do seu Galeao, a fim de
sondar: Para que queriao: mais India, do que tomalla,
e passando: o Estreito de Gibraltar, irem para o Levaw
te, onde se fariao mais ricos? Or Piloto, que era Por-
tuguez, nao se deo por entendido, e sd the respondeo,
que nao tomasse a Caravela.. Parecendo-lhe porém iste
muito mal, o communicou. a quatro irmaos: do appelli-
do de Galvao, que hi3o com elle embarcados, naturaes
de. Evora, homens de muito espirito, e valor, os quaes
lhe promettérao oppor-se a qualquer attentado, que D.
Luiz ousasse commetter. Em consequencia affastarao-se
desde logo da sua conversa¢zo , e nao comérao, nem jo
garao mais com elle, como costumavao, D. Luiz, per
cebendo que se penetravao as suas intemcdes sinistras,
tratou de ganhar partidistas., e examinando o numere
de Hespanhoes. que: tinha no Galedo , achou cincoenta,
(1). Na-relacie -do caso de D. Luiz de Gusmio eegui a Castanbeds,
com preferencia a Jodo de Parros-, parque a miudeza com que o refese
Mostra que estava bem informado de tudo; e talvez que Barros tivesse
algumas razdes de circunstancia para nado dizer quanto sabia na materis,
camo de si confessa Damida de Goes...
333
¢ Fhes mandou distribuir do vinho, e agua’ que: bebia ;
dizendo que o fazia por serem homens Fidaleos; € GO-
‘mecou a tratar com altivez os Portuguezes. Quiz. tomar
huma pipa d’agua, e outra de vinho a Francisco, Fer-
nandes, Ourives, de quem féra hospede em Lisboa, e
a quem devia singulares favores, e para lhos remunerar,
segundo dizia,o Jevava cemsigo- para a India: e como.
elle se queixou: de lhe tomar a agua, e vinho. que em-
barcdra para algum caso de necessidade, @ metteo na’
arca da bomba, a que'se oppéz o Piloto, e os- Galvées ,
protestando que nao podiao consentir. similhante violen-
cia; e D. Luiz, receando alguma sublevagao , .deixou:
solto o Ourives, sem /he apprehender as pipas. Obser-
vando entdo que o Piléto trazia’ sempre hum punhal
(desde o: dia em que The fallou em tomar a Caravela da
Mina), quiz saber a causa, e respondendo elle, que o
seu punhal nao causava prejuizo a ninguem ,. ficdréo
d’ahi por diante poueo amigos.
| hegados 4 altura do Cabo de Boa Esperanca, ti-
verdo hum temporal, em que se quebrou a cabeca do
leme, e ainda gue se tentou em certo modo remediar o:
-damno, o Galeao goyesnava tio mal, ave 0 Piloto de-
clarou, que nao se atrevia a dobrar ©’ Cabo com aquel-
le leme ;. ¢ fazendo sobre ‘isso D. Luiz concelho, con-
cordou-se em arribar ao Brasil. para fazer hum leme
NOvO. °:
Em consequencia dirigio-se a derrota para o Brasil,.
e depois de trinta dias de navepagae vio-se a terra. To-
eou D. Luiz em alguns Portos, sem achar madeira de
que se podesse fazer o leme,e por ultimo-entrou em:
huma grande Bahia (talvez a de Todos os Santos), on-
de desembarcando com o: Piloto, o Carpinteiro, e trin-
ta homens achdrio muitas arvores capazes para a obra:
que se pertendia. Aqui, parecendo a D. Luiz occasiao:.
@pportuna de se yingar do Piloto, -Ihe disse algumas par
(334
Javras mas, lembrando-lhe as differencas passadas; ¢
Piloto, ainda que sé tinha da sua parte hum -primo seu,
e o Carpinteiro, enrestou a langa contra elle. D. Luiz
metteo mao 4 espada, e todos os da sua parcialidade,
fazendo o mesmo os outros dois. ‘Travou-se entre .elles
hum bravo jogo de cutiladas; eo Piloto, que era va-
lente, fazia praca com a langa, em quanto o primo, ¢
o Carpinteiro lhe guardavao as costas. Vendo o Hespa-
nhol que nao acabava o negocio téo azinha , como
cuiddra , offereceo a sua amizade ao Piloto, chamaado-
Jhe irmao, o que elle aceitou; e feitas as pazes , juri-
40 todos guardar segredo, o que nao foi possivel, por
estar ferido o Carpinteiro.
Passado isto, mandou D. Luiz a terra o ‘Mestre,
o Carpinteiro para se fazer o leme, e com elles dox
Artilheiros, com duas pecas de artilheria pequenas, que
montérao em huma trincheira, a fimyde se premunirem
contra os assaltos dos Indios, que j4 sabiao serem an-
_thropofagos. Comegada a obra, concorrérao muites del-
Jes com mantimentos do Paiz, que trocavfo por ammoes,
alfinetes, e outras bagatellas, entendendo-se por acenos.
Esta concorrencia sendo cada vez maior, e sempre de
hum modo pacifico, animou alguns Portuguezes a irem
a huma Aldea, quasi huma legoa distante, na qual fo-
‘rao bem recebidos. Oito dias depois levou o Piloto a
terra o Jeme velho, para lhe tirar as ferragens, que ha-
vido servir para 0 novo; e nao podendo os marinhei-
ros arrastallo pela praia, que atolava muito, os ajuda-
rao no trabalho duzentos Brasileiros.
Recolhido o leme ao abrigo da trincheira, partio o
Piloto com alguns homens para a Aldea, e levou comsigo
huma mulher, em torno da qual se ajuntdrao os Indios,
que a contemplavdo maravilhados, quando chegou hum,
que parecia ser o Chefe da Aldea, e os fez assentar em
silencio, tafyez para evitar as consequencias des senti-
336
loto ,:e dos outros -que com elles acabdrdo, todos Portu-
guezes , vendo-se agora desabafado para o que determi-
nava, e‘foi a terra com quarenta homens bem armados
a'buscar os lemes, j4 que nao o fez a soccorrer os seus.
‘Tres dias se gastarao em acabar o leme a bordo, e em
o calar, e neste mcio tempo repartio o fato do Piloto
los Hespanhoes , tomando para si huma vestia escar-
ate, de que mandou fazer outra pela feicéo da que via
no retrato de Amadiz pintado em hum livro, dizendo
que no Mundo houverao dous Amadizes, hum que-esta-
va jd morto, ¢ elle o segundo; e outras muitas fanfar-
ronadas. Calado o lemc, e dizendo-lhe o marinheiro
Joio Velho, aque o levaria a Mocambique, deo-lhe a
pilotagem do Galeao, e se fez 4 véla. Aos cinco dias
de viagem nomeou Meirinho a San-Torreno, Hespa-
nhol , havendo morrido no Brasil o do Galeo; e no
mesmo dia o novo Meirinho deo busca a todas as cai-
xas, com o pretexto de descobrir alguma fazenda perten-
cente aos fallecidos, porém sé para tomar todas as armas
aos Portuguezes, como fez, deixando-as aos Hespanhoes.
Ao amanhecer do dia seguinte appareceo D. Luiz
na tolda armado com a espada na mio, cercado de cine
cocnta Hespanhoes, ¢ de outros estrangeiros, todos ar-
mados, e mandou ali vir o Qurives Francisco Fernaa-
‘des , a quem se deitdrao grilhdes, e disse-lhe que se con-
fessasse, que o hia matar, por assim © ter determinado
fazer, ¢ mais ao Piloto, e aos Galvdes, pelas dispuras
que com elles tivera. E desprezadas as humildes suppli-
cas do Ourives, o confesson hum Clerigo, passeando
elle entretanto pela tolda, e dizendo a miudo ao Pa-
dre, que acabasse a confissio. Os Portuguezes vido do
convez este especraculo, mas como nao tinhao armas,
nio se lhe podiio oppor. Concluida a confissfo, correo
D. Luiz para o Ourives, que estava de joeclhus com as
miaos leyantadas pedindo o nfo matasse, ¢ deo-lhe huma
337
cutilada, com que lhe cortou huma das mos, e logo
huma estocada, de que cahio morto; e foi deitado ao
mar. |
Feito isto., chamou toda a guarnic#o, e fez-lhe
buma longa pratica, querendo justificar o assassinio do
Ourives com o fundamento de que este projectava ma-
tallo, ainda que disso nao tinha prova sufficiente, e cone
Cluio dizendo: Que como ElRei de. Portugal nao per-
doava ao homem, que matava a outro, elle nao ousava
tornar 4 sua presenga, nem menos apparecer na India
diante do seu Governador, e queria ir a outra India
mais segura, que era o mar do Levante, onde andariao
a toda a roupa, e ficari20 todos ricos no espaco de hum
aono,..Jevando ao mesmo tempo boa vida; e quem nfo
uizesse acompanhallo, o dissesse, porque Ihe dava a
fe de Fidalgo de nao Ihe ter por isso md vontade, e o
desembarcaria na primeira‘terra que tomasse. Desaseis
Portuguezes recusdrao dar o juramento exigido dos que
haviao servir com elle, a pezar das grandes diligencias
ue. para isso fez, por Cuja causa fordo postos em gri-
Ses, e dormiao no convez ao sereno; e mesmo nos
eutros Portuguezes, que se alistario para ser Piratas, ti-
pha elle t40 pouca confianga, que publicou hum edital,
para que qualquer Portuguez, que fosse ao fogao em
uanto lhe fizessem de comer, seria agoutado, e a mao
ireita pregada no mastro grande: tanto era o receio
que tinha de ser envenenado! |
- Depois disse ao Mestre Fernao Affonso, que o levas-
se ao Estreito de Gibraltar, porque d’ali bem sabia pa-
ra onde havia de ir, ameacando-o de lhe cortar a cae
bega , se nao 0 fizesse; e pedindo-lhe o Mestre hum at-
testado d’isso, para sua resalva, lho. deo logo. Seguio-
se orumo para a Europa,.e D. Luiz disse hum dia,
que estava informado de que os prezos o intentavao ma-
tar,.e por.isso deviio ser enforcados, e os fez confes-
43
338
ear. E para achar alpuma prova, deo tratos de polé a
hum delles, o qual obrigado da dor, disse era verdae
de, e que os conjurados erao trinta; mas como os Por-
¢uguezes presos nao cxcedid4o a dezaseis, e ninguem ti-
nha communicacao com elles, créo que entrarizo no
conloio alguns dos seus parciaes, e mandou chamar
hum Joao Esteves, Portuguez, que cuidando ser para
Ihe darem tratos, se deitou ao mar, e affogon-se; o
ue o confirmou nas suas idéas, e quiz enforcar cinco
Os presos, ¢ mais o Carpinteiro, porém rogando por
este os Hespanhoes, em attengao a ter feito o leme,
perdoou a todos.
Chegado 4 aleura dos Acores, disse o Mestre a D.
Luiz, que em certa Povoagao daquetlas Ilhas pederigo
fazer aguada, e carnagem, de que tinh’o necessidade,
em que elle conveio; e entretanto foi surgir na Ilha das
Flores, e¢ antes de communicar com a terra, chegoe
huma Caravela Portugueza, em que vinha hum Nego-
ciante da Terceira, que era seu dono, a comprar tri-
go. Logo que D. Luiz a vio, metteo-se no escaler com
alguns homens armados, deixando o Gale&o entregue a
hum Hespanhol chamado Bezerril , e abordande a Ca-
sayela, disse ao Negociante, que D. Luiz de Gusmio,
Commandante daquelle Galedo d’ ElRei de Portugal,
Khe mandava aquella carta, a qual lhe deo, e nella rela-
tava, que hindo para a India, arribara ao Brasil para
fazer hum leme em lugar do seu, que se quebrara com
hum temporal, e que os Brasileiros lhe matarao o Pi-
loto, e otitra muita gente, e por isso voltava para Por-
tugal mui destrogado , e Ihe pedia da parte d’ ElRei,
que viesse com elle a bordo. O Negociante, acreditan-
do tudo, foi logo a bordo do Galeao com o seu Pilo-
to, e alguns marinheiros, a todos os quaes prendeo D.
Luiz, e tomou a9 Negociante o dinheiro, que levava;
e passando a equipagem da Caravela para o Galeao,
339
deo o commando daquella a Bezerril, e Ihe metteo ar-
tilheria, e a gente necessaria, e por Mestre e Pilota
hum Portuguez, que fugira de Portugal, por ser casado
tres vezes, por cuja razao se conflava muito delle.
Perguotando depois ao Mestre do Galeao pela Po-
yoacao , que lhe dissera , este o leyou a Ponta Delgada
na Ilha de S. Miguel , onde determinava fugir, ja que
nao o podéra fazer nas Flores. D. Luiz mandou hum
Hespanhol a terra para dizer aos habitantes, que quem
Juizesse trocar carnes por azeite, e vinho., fosse a bor-
do do GaleZo; e com effeito vierZo logo tres dos prin-
cipaes moradores com hum grande presente de refres-
coz, e elle os prendeo, declarando-lhes, que nao os sol-
taria, sem que cada hum lhe désse dez, ou doze bois.
Neste tempo appareceo outra Caravela , e querendo D.
Luiz tomalla, mandou o seu escaler, mas estando den-
tro delle sete marinheiros todos Portuguezes, fugirao 4
voga arrancada para terra, dando aviso 4 Caravela no-
vamente chegada, que tambem se pdz em salvo.
Chegados os marinheiros 4 Povoagdo, requeréra4o
se prendesse o Hespanhol , que 14 andava, como se fez,
rque D. Luiz estava levantado com o GaleZo. Apda
isto appareceo huma Naveta, que vinha de S. Thomé,
e D. Puiz mandou a ella Bezerril na Caravela, com or-
dem de a metter no fundo, se nfo amainasse; porém
amainou logo, e o Mestre, o Piloto, e o Contra-Mestre _
fordo trazidos a D, Luiz, que os ameacgou com tratos,
se nao declarassem o que trazido. Constou do seu de-
poimento trazerem escravos, algalia, marfim, ¢ pao ver-
melho, e pertencer a cdrga a Duarte Bello, Commer-
ciante de Lisboa. Por ordem de D. Luiz se baldedrao
no GaleZo os mantimentos , e mercadorias da Naveta,
e se mettérdo a seu bordo todos os presos. | |
Em quanto se andava nesta faina, pedio-Ihe o Mes-
tre licenga para ir a terra yer huma irma, que ali ti-
43 il
341
huma ‘illustre familia, dotado de grande valor, e con-
stancia ,e bem instruido na Arte Nautica, segundo os
confecimeéntos ‘do teu tempo, depois de militar na In-
dia , passou a servir em Azamor, onde sobre a reparti-
g40 do déspojo ganhado em huma entrada, se lhe suscte
térdo taes accusacgdes, que foi obrigado a justificar-se
judicialmente , sem conseguir por isso ficar na gra¢a
d? ElfRei D. Manoel, que ihe negou o augmento de du-
wzentos réis mensaes na sua Moradia. :
- Descentente deste mdo successo, passou a Hespa-
nha em1517, desnaturalizando-se de Portugal, e levou
comsigo ao Bacharel Ruy Faleiro, habil Astronomo.,
© a outros Officiaes de mar. Em Sevilha achou estabele-
cido o seu parente Diogo Barbosa, em cuja casa se re-
colheo, e casou com sua filha D. Beatriz Barbosa; e
igualmente encontrou outros Portuguezes aventuretros,-e
descontentes todos, ou: quasi todos de profissdo mari-
. bi : ;
37, que publicou o summario do Contrato passado entre o Imperador
Carlos V: Fernio de Magalbies, e o Astronomo Ruy Faleiro.’ 3.° O
Resumo Historico do Doutor D. Casimiro de Ortega, impresso em Ma-
drid em 1769; que examinou todas as Historias, que tratéo de Maga-
ihfes , ainda que 4s vezes nfo escolheo o melhor; e nos deixou (co-
piada de Herrera) a Jist2 nominal de todos os individuos , que yoltario
Gaquella celebre expedicio 4 Europa; na qual se deve notar,. que se
nZo echa o nome de Pigafetta, sendo o de hum Antonio Lombardo, que
se diz ser elle. 4.° A Viagem 4 roda do Mundo, do Cavalheiro Anto-
nio Pigafetta; e a Carta de Maximiliano ‘Transilvano, seu copista, ju-
blicadas no Tomo 1. daColleccio de Ramusio. P'gafetta misturou com
& narracio dos acontecismentos nauticos muitas fabulas absurdas, e¢ risi-
weis de sua invencio. Nao obstante isso, tem servido de texto aos
Escritores estrangeiros, qué fallirfo daquella Viagem e he digno de
attencao, por ser testemunha ocular dos successes , ainda que ignorante
em Navregacio. 5.° A Noticia das Expedic6es ao Estreito de Magalhaes,
incluida na Relacdo da Viagem da Fragata Hespanhola Senta Maria da
Cabeca, impressa em Madrid em 1788. O Anonymo, cue por Ordem
a’ ElRei Catholico a escreveo, he hum Critico judicioso, cue reveo, e
analysou quanto achou em Obras impressas, e manuscritas naquella ma-
teria; posto que alguma yez se enganou. em citacdes, como mostrarei.
343
imento a Magalh3es para a sua viagem, datado de 8
Se Margo deste anno, nomeando-o Capitao General da
uadra, com authoridade de nomear, e depor Com-
mandantes, e Officiaes, como lhe parecesse mais van-
tajoso ao Real Servica, e para execntar gusti¢a ci-
vil , e criminalmente em todos os individuos embar-
cados na Esquadra, de qualquer classe que fossem.
Constava esta Esquadra de cinco navios: no pri-
meiro , chamado a Trindade , embarcou Fernao de Ma-
alhdes (1), com seu cunhado Duarte Barbosa, e seu. so-
brinho Alvaro de Mesquita, levando por Piloto Este-
vio Gomes, e por Contra-Mestre Francisco Alvo, am-
bos Portuguezes, e o total da equipagem sessenta e dois
homens. Commandava o‘segundo, chamado Santo An-
tofiio , Joao de Carthagena; e os seus Pilotos o Astro
nomo André de S. Martin, e Jodo Rodrigues Mafra ,
Portuguez; e de equipagem cincoenta e cinco homens.
Gaspar de Quezada era Commandante do terceiro na-
vio, appellidado a Conceigao; Piloto Jodo Lopes de
Carvalho, Portuguez, e Mestre Jodo Sebastido de EI-
cano; e-o total quarenta e quatro pessoas. Do quarto,
chamado a Victoria, era Commandante Luiz de Men-
donga, Piloto Vasco Gallego, e total quarenta e cinco
homens. Do ultimo navio, per nome S. Tiago, era
Commandante , e Piloto Mor da Esquadra Jodo Serra-
no, Com 31 pessoas ; sendo o total dos individuos em-
barcados duzentos e trinta e sete homens, em que en-
travao outros muitos Portuguezes. Destes cinco navios
erZo dois de cento e trinta toneladas, gois de noventa,
e hum de sessenta, com viveres para cois annos.
No 1.° de Agosto de 519 sahio a Esquadra de
Sevilha, e a 21 de Setembro de S. Lucar de Barrame-
(3) Ruy Faleiro nio embarcou, por ficar doente de accessos de
cya.
344
da; com rumo a Canarias. Deo fundo ety Tenerife, e
demorou-se quatro dias fazendo agua, c lenha: ali che
gou de Hespanha huma Caravela, que lhe levava diffe-
rentes effeitos; por ella recebco Magalhaes avisos par-
ticulares, segundo se disse, de que os Commandantes dos
navios hido com proposito de lhe nio obedecer.
Partio de Tenerife a 3 de Outubro, dirigindo-se 4
Costa de Guing, que avistou, onde soffreo muitas cal-
marias , e trovoadas; e tomando a volta do S.O. dege
cobrio tcrra do Brasil a 8 de Dezembro, julgando-se
em 19° 59! de latitude S,. e a 13 entrou no Rio de Ja-
neiro, a que deo nome de Bahia de Santa Luzia, e se
deteve até 27. Neste intervallo determinou o Astrono-
mo S. Martin a latitude do Porto em 23° 45’ (1); e fez
outra observacdo para achar a longitude, que ainda que
delicada para aquelle tempo, deo hum grande erro, que
elle percebeo, mas nig soube a que o attribuir. |
Os Indios recebérao bem os Hespanhoes, trocavio
os seus mantimentos por bagatellas da Europa, e offere-
cido hum escravo por hum machado; Magalhaes probi-
bio este ultimo trafico, por nao augmentar bocas, que
lhe gastassem os viveres.
A Esquadra sahindo do Rio de Janeiro, navegou
para o Sul, e a 10 de Janeiro de 1520 chegou ao Cabo
de Santa Maria, ja descoberto por Soliz (2), além do
gual virio hum monte fazendo em cima a figura de
hum chapeo, a que derio o nome de Monte Vidi (ho-
je Monte Video), que ficava na entrada do Rio da Pra-
ta. Surgirao em cinco bragas, e Magalhaes destacou 0
(1) A posicio do Rio de Janeiro, no Observatorio de S, Bento,
deduzida de muitas Observacdes, he a seguinte : Latitude S, aa° $3
g0/'s Longitude 334° 51’.
(2) Joo Dias de Soliz, habil Piloto Portuguez, refuziado na Her
panha, foi o descobridor do Rio da Prata, que por muitos annos co
servou O seu nome. Ali foi morto, ¢ devorado pelos Indios em 1515-
8456
navio §, Tiago, para examinar -se o Rio dava algunia
passagem para o mar do Sul, estando persuadido, que
a Natureza abriria algum canal de communicag4o en-
tre ambos os mares; ¢ bem resoluto, em caso de nao
descobrir nenhum , a rodear todo aquelle vasto Conti-
nente, de que se nao conheciao os limites, até dobrar o
ultimo. Cabo. Regressou o S. Tiago passados quinze
dias, tendo sé corrido vinte e cinco lepoas, com a no-
ticia de que o Rio se dirigia para o Norte. Magalhdes
foi entZo pessoalmente a bordo do navio Santo Anto-
nio examinar a largura do Rio na sua boca, € tornan-
do ao ancoradouro, se fez 4 véla a 3 de Fevereiro. No
dia seguinte surgio para tomar huma agua que fazia o
Santo Antonio. Seguindo a sua viagem ao longo da
terra, de dia a huma legoa de distancia, e de noite a
cinco , ow seis, tocou em hum baixo a Victoria, ainda
que sem receber damno. Chegados q 40’ de latitude,
comecdrdo a achar muitos frios, e mdos tempos; ¢ a 24
de Fevereiro , f@zendo-se por 42° 30’, descobrirao huma
grande Bahia, a que chamarao de S. Mathias (1). Re-
gistow-a Magalhdes, para se certificar se dava passa-
gem ao mar do Sul; e nao achando Canal, seguio a
Costa, e por ultimo ancorou a 2 de Abril na Bahia
de S. Juligo, que suppéds em 50° de latitude (2); achan-
flo-se a estagio tao avancgada, que os marioheiros nao
podizo marear as vélas com frio. oe
Ja nesta época tinha havido violentas disputas
entre elle e alguns dos Commandantes , por cuja causa -
tirou © commando do Santo Antonio a-Joio de, Car-
Ci) Esta Bahia tem de abertura vinte e cinco legoas, e quasi outras
tantas de scsio: a sua ponta do Norte estd na latitude 41° 3‘, ea do
Sul em 42° 4’. ve,
(2) <A ponta do Sul desta Bahia esta na latitude 49°. 25’, ¢ Jonge
tude 310° 50%,
44 :
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- - -'
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348
Trindade. Restava a Conceicao, cujo Mestre Jo%o Se
bastiao de Elcano, honrado Biscainho, quando Maga-
ihdes Ihe mandou perguntar por quem estava aquelle ne-
vio? Respondeo, entregando preso Joao de Cartha
Assim se restabeleceo o socego, e obediencia em toda
a Esquadra.. Restava punir os principaes culpados, a%o
sendo prudente castigar todos.
Gaspar de Quesada foi esquartejado vivo, e Luiz
de Mendonga ja morto. E porque na Esquadra nfo ha-
via algdz, deo Magalhaes a vida a hum creado de
Quesada, cumplice na traigao do amo, para exercer
este officio. Perdoou-se a Joao de Carthagena a. morte
natural, commutando-a em outra civil de perpetuo de-
gredo. naquella terra; ¢ com elle ficou tambem hum
Clerigo’, que tinha a mesma culpa (1), com aigum bis
couto para seu sustento. |
Durante a invernada neste Porto de S. Julido pas-
sara0 as equipagens grandes incommodos, empregadas,
a despeito dos frios, em reparar os navios dos
‘de tao comprida navegacgao. Aqui tratdrao a primeira
vez com Os naturaes, porque mandando Magalhdes entrar
pela ‘terra dentro alguns homens a descobrir, e obser-
(1) O Author da Noticia das Expediqdes a0 Estreito de Magalhies,
ji citado, diz na nota 3.7 a pag. 189, que com JoSo de Carthagens
ficou abandonado em terra hum Clerigo Portuguex chameade Pedre Sax
ches de Reyna: e cita os testemunhos de Pigafetta, e de Joio de Bar-
ros. Eis-aqui as palavras de Pigafetta no ‘T'omo t. de Ramausio, pag.
391: 5, Ma Giouanni di Cartazenia Jo fecero smontare in terra, ¢ i»
35 sieme con un prete Jo lasciarono in quella terra di Patagoni, ,, Joéo
de Farros, no lugar citado por aquelle Authos, explica-se deste modo:
>, & a Joio de Catthagena foi perdoada aquella morte natural, e hov-
»» Ve Outra civel de perpetuo degredo naquella erma terta; e com elk
3 ficon tambem hum Clerizo, que tinha a mesma culpa, com trina
5). atrates de pio a cada hum para se manter.,, T'ansilvano, relatend
© acto de justica, que fez Magalhies, nao falla da ultima circunstenc®
particularisa fa pelo Author Hespanhol. O Doutor Ortega, na sua Oba
)* Mencionada, pag. 13, diz que o Clerigo era Francez: mras pasec?
cue © seu appellido he Hespanhal.
mg — aiden
ry ‘tat cary
sae cea oes Ao
t :
eS. so8 19 Vor tntens rT} - : oa
4
381
2. sondo ie paseats seis mandou outro navio a buscalfe ;
e voltando este dahi a tres dias sem noticia alguma del-
Je, disse Magath3es ao Astronomo §S, Martin, que pr¢
gmosticasse pela hora da partida,e @ sua interroga-
¢4o; o qual respondeo., que achava ser 0 navio tornado
ra Hespanha, e que o Commandante hia preso (1).
sto que Magalhaes néo désse muito credito a isto,
sodavia assim aconteceo ; porque o Piloto Estevio:-Go-
ames, Portuguez, € 0 T hesoureiro Jeronymo Guerra, com
@ favor da gente j4 enfadada de to trabalhosa viagem,
malhtratarfo, ¢ Prendérdo o Commandante em ferros, e
erigindo-se o Guerra em Commandante, navepdrao pa-
za a Europa: passdrao de caminho onde havido dei-
mado Jodo de Carthagena, e o Clerigo, e nos fins de
Marco de 1521 chegdrao a Hespanha estes fracos deser-
tores, inimigos da gloria do seu Soberano, e da sua
Magalhies vendo-se sem aquelle navio, em qne
hia seu sobrinho com outros Portuguezes, e que sé tinha
agora a seu favor Duarte Barbosa, e alguns poucos de
que se poderia ajudar, pois toda a gente Hespanhola es-
tava delle escandalizada, além do aborrecimento que lhe
ceausava aquella viagem, ficou tao confuso, que se n4o
sabia determinar; e para justificar-se com estes de que
ee receava, passou dois mandados de hum theor para
os dois navios, sem querer que as pessoas principaes
delles.viessem a seu bordo, como homem que nio fol+
gava de ver ajuotamentos no seu navio; e a copia do
C1) Naguelle seculo confundiase a Astronomia com a Astrologia Ju-
iciatia; mas no caso presente era facil conjecturar o que stccedeo,
porque sendo Alvaro de Mesquita sobrinbo do General , e por isso inte-
ressado na gloria deste, ¢ na sua propria, néo podia abangonallo, senio
forcado pelos seus Officiaes, e guatnicgio, cujo descontentamento, e
pouco zelo do servico do Imperador erio bem sabidos, e provades pelos
antecedentes.
.352
ue foi 4 Victoria, de que era entZo Comandante
uarte Barbosa , e a resposta de André de S, Martin,
que alli se achava embarcado, so da maneira seguinte:
w
w
we
w
Mandado.
99 Eu Fernao de Magalhiaes, Cavalleiro da Ordem
de S. Tiago, e Capitao General desta Armada, que
Sua Magestade enviou ao descubrimento da Especia-
tia, &c. Faco saber a Vés, Duarte Barbosa , Capi-
tao da Ndo Victoria, e aos Pilotos, Mestres, e Con-
tra-Mestres d’ella, como eu tenho sentido, que a to-
dos vos parece coisa grave estar eu determinado de ir
adiante, por vos parecer que 0 tempo he pouco para
fazer esta viagem, em que himos. E por quanto eu
sou homem, que nunca engeito o parecer, e conselho
de ninguem, antes todas minhas coisas sao pratica-
das, e communicadas geralmente com todos, sem que
pessoa alguma de mim seja affrontada, e por causa
do que aconteceo no Porto de S. Julido sobre a-mor-
te de Luiz de Mendonca, e Gaspar de Quesada, e
desterro de Jodo de Carthagena, e Pedro Sanches,
Clerigo, vés outros com temor deixais de me dizer,
e aconsclhar tudo aquillo , que vos parece que he ser-
vigo de Sua Magestade, e bem, e seguranga da dita
Armada, e nao mo tendes dito, e aconselhado: errais
ao servico do Imperador Rei Nosso Senhor , e is con-
tra o juramento, e pleito, e homenagem que me ten-
des feito. Pelo qual vos mando da parte do dito S-
nhor, e da minha rogo, e encommendo, que tudo
aquillo que sentis, que convem 4 nossa jornada, as
sim de ir adiantc , como de nos tornar, me deis vor
sos pareceres por escrito cada hum per si: declarando
as causas, € razOes porque devemos ir a diante, ou 105
tornar, nao tendo respeito a coisa alguma, porqué
[roth Groh arieg taney sty
T yacht koala why Orne: On
2h te Respostasendne® sje Syramy
re ee eT, ah, HU tay hdr "
™
do-
Cpeph . Lakai
356
s% cem amarras, em especial a esta Nao Victoria; e
»» alem disso a gente he fraca, e desfalecida , e os man-
»9 timentos nao sao bastantes para ir pela sobredita via
9» a Maluco, ede ali tornarem a-Hespanha. Taobem
»» me parece que Vossa mercé nado deve caminhar por
99 estas costas de noite, assim por a seguridade das Nios,
99. como porque a gente tenha lugar de repousar algum
9» pouto: ca tendo de luz clara desanove horas, que
»» mande surgir por quatro, ou cinco horas que ficdo de
»» noite. Porque parece coisa concorde 4 razdo surgir
9» por quatro, ou cinco horas que ficdo de noite, por
»» dar (como digo) repouso 4 gente, e nao tempestear
99 com as Naos e aparelhos: e o mais principal por
9 nos guardar de algum revez, que a contraria fortuna
99» poderd trazer, de que Deos nos livre. Porque quando
99 em as COisas vistas, e olhadas sdem acontecer, nao he
2» muito temellos em o que ainda nao he bem visto,
sy nem sabido , nem bem olhado, sendo que faca surgir
9s antes de huma hora de Sol yque duas leguas de ca-
9» minho adiante, e sobre noite. Eu tenho dito o que
99 sinto, ¢ 0 que alcanco por cumprir com Deos, e com
9» Vossa mercé, € com o que me parece servico de Sua
o> Magestade, e bem da Armada: Vossa mercé faca
92 © que bem Ihe parecer, e Deos lhe encaminhar: ao
2» qual praza de lhe prosperar vida, e estado, como
99 elle deseja. 1» OS Do,
Magalhies recebendo este parecer, e os dos outros
Officiaes, como sua intengao nao era tornar atraz por
cousa alpuma, c sé fizera este cumprimento por sentir
que a gente andava descontente, e assombrada do cas-
tigo que dera aos rebeldes, fez huma longa réplica,
em que deo largas raz6es para irem avante; e que ju-
tava pelo Habito de S. Tiago, que assim lhe parecia ,
€ que todos o seguissem, porque esperava na pledade
de Deos, que os trouxera aquelle lugar, ¢ lhes rinha
48 il
)
357
‘A 6 de Margo em 13° de latitude Norte achou
muitas Ilhas bem povoadas, cujos habitantes cra0 tao
inclinados ao roubo , que furtavao quanto podiao al-
cangar, € por isso ficdrao com o nome de IIhas des
Ladr6es. Aqui se refizerao de alguns viveres, de que ti-
nh%o extrema necessidade. _
Continuando a navegacao, descobrirao hum Archi-
pelago de Ilhas, que denominarao de S. Lazaro (sao
as Filippinas); e em huma dellas chamada Mazagud
fez Magalhies amizade com o Regulo, entendendo-se
or meio de huma sua escrava natural da Sumatra.
Ile recebeo viveres, e praticos , que o levarao 4 Ilha
de Zebut, situada em 10° de latitude, tendo dez legoas
de contorno, onde Magalhaes ancorou a 7 de Abril, e
achou nella ouro, e tanto gazalhado no Regulo, que o
uiz fazer Christo, o que elle acceitou, baptizando-se
debaixo do nome de Fernando, com sua mulher, e ft-
hos, e mais de oitocentas pessoas; perém foi mais por
artificio, que por devocao. Por quanto asdava em guer-
ra com o Regulo da Ilha de Matan, visinha da de Ze-
but, contra o qual lhe pedio auxilio, e Magalhies, pe-
Jo comprazer, sahia a atacar Matan com tres lanchas,
em que levava sessenta homens, e desembarcando na
Ilha, ainda que duas vezes rechagou os inimigos, que
er4o mais de tres mil, na ultima acgao a 27 de Abril
‘ado a distancia a que estavio de Malaca. Aiccrescia a esta difficuldade
outra talvez maior; Serrio. tinha. ido as Malucas partindo de Malaca,
navegando assim déntro do hemisferio Oriental , ¢ Magalhdes vioha
buscallas pelo Occidente , atravessando immenso espaco de mar inteira-
mente desconhecido, que a sua. propria opinido figurava muito menos
extenso; ¢ em. ium seculo, em que faltavdo os meios para se determi-
nar a longitude a bordo de hum navio com alguma seguranca, Em con-
sequencia, passado certo. tempo, e vendo elle sem resultado o plano da
viagem , que concebéra, créo ter jd despassado as Malucas , ¢ achar-se. 2
Oeste dellas; e neste embaraco tratou de achar aleuma Hha, em que
The dessem noticias do rumo, e distancia a que the ficavdo..
359
Finalmente correndo de Ilha em Ilha forio ter 4s
Malucas, conduzidos por Pilotos praticos, que cbriga-
r30 a‘isso, e:a.8 de Novembro-entrdrao em Tidore,
de cujo Rei forao bem recebidos , por estar descontente
dos Portuguezes. Em hum mez, que se detiverdo ,.carre-
gardo de cravo, e por intervengao de hum mao Partu-
guez chamado Jo%o de Lourosa ( degolado depois por
traidor em Ternate ), pass4rao 4 I]ha de Banda. Daqui
sahirao para a Europa, mas o navio Trindade arribou
duas vezes com agua aberta, e da segunda se entregou
aos Portuguezes, tendo-lhe morrido trinta e sete homens
de fome, e de doengas; e achando-se os outros em tal
estado, que nem mover-se podiao, Antonio de Brito,
Governador das Malucas, e D. Garcia Henriques tratd-
rao os Hespanhoes com a maior humanidade, e o seu
Commandante Espinosa passou 4 India com alguns dos
seus, e veio a Portugal em 1526.
Elcano levando na Victoria de guarnicéo quarenta
e seis Hespanhoes, e treze Indios, comegou a sua via-
gem para a Europa a 21 de Dezembro de 1521: tocou
nas Ilhas de Malud, e Yimor, e nesta houve hum mo-
tim a bordo, que custou algumas vidas. Partio daqui
a 11 de Fevereiro; navegou por grande altura a dobrar
o Cabo de Boa Esperanca, para evitar o encontro de
navios Portuguezes, soffrendo mdos tempos, e muita
falta de viveres. A 8 de Maio vio a Costa d’Africa: a
30 de Junho estava a vinte e cinco legoas de Cabo Ver-
de. Fez-se concelho para saber se nas Ilhas, ou na ter-
ra firme deveriao remediar a penuria de mantimentos,
em gue se achavao, havendo-lhes morrido desde a pas-
sagem do Cabo vinte e huma pessoas: decidio-se ir ds
Ilhas. A 9 de Julho ancoraraio na de S. Tiago, e no-
tdrao com espanto, que estavio em quinta feira, cui-
dando estarem na quarta; o que attribuirzo0’.a engane
seu, nag o senda. +
361
dinheiro a Vasco Fernandes Cesar, que havendo reco-,
lhido quanto péde aproveitar da Galeota, e inutilisado,-.
© cascO, Continuou o seu cruzeiro.
1520. — A Esquadra que este anno foi 4 India,
constava de,dez Naos (1), de que era Chefe Jorge de
Brito, e os outros Commandantes Pedro Lopes de Sam-
paio, Pedro Lourengo de Mello, Gaspar ca Silva, Los -
po de Azevedo, Pedro da Silva, Lopo de Brito, Pedro
Annes Francez,; Ruy Vaz Pereira, e André Dias, no-
meado Feitor para dirigir na India a-carga dos navios,
_ Jorge de Brito levava .commissao secreta para ir
fazer huma Fortaleza em alguma das Il!has Malucas, e
a esse fm enviou ElRei ordens particulares ao Gover-
nador da India, para lhe fornecer navios, e quinhentos
soldados, com todos os Officiaes necessarios para a sua
guarnicao.. ;
Partio a Esquadra de Lisboa a 6 de Abril de 1520, .
e ainda que navegou hum pouco espalhada, todos os
navios chegarzo a Goa no mez de Setembro. ,
_ .1§21. — Este anno mandou ElRei huma Esquadra
composta de dez navios grandes, commandada por Sir -
mao da.Cunha, a levar dinheiro para pagamento das
Pragas da Berberia (como costumava fazer todos os an-
nos), commissdo que cumiprio; e gastando o resto..da
estaggo favotavel em cruzar no Estreito, e Costas de -
.Africa:, se recolheo a Lisboa. no comego do Inver-
mo (2). | a so
152% — A 5 de Abril de 1521 partio de Lisboa
para Governador da India D. Duarte de Menezes, .a
quem ElRei concedeo maior ordenado,, que até ali ha-
via dado a Governador algum,. pois com, os emolumen-
C1) Earros, Decada 3. Liv. 4. Cap. 7. —- Couto, Decada 10. Cap.
_.16. — Faria, Asia Portugueza. Goes nio falla nesta Esquadra, ,g¢ en-
tre Os outros Escritores ha diversidade nos nomes dos Comandante,
© (2) , Goes, Parte 4. Cap. 78. —_ Fr. Manoel, Homem , Cap, 29.
o . ~ . 46
363
no caminho encontrou Joao de Faria, que Ihe disse haver
ancorado antes delle em Matatana, e que por cuidar
seria perdido, se fora para a India. Reunidas as duas
Ndos, chegdra0 a Goa, e estando a partir para S. Lou-
renga, vierdo de Portugal ordens d’ElRei D, Joao III.
ao Governador da India, para que se nao construisse
Fortaleza alguma de novo, e somente se concluissem
as comecadas. |
1522. — Continuando Vasco Fernandes Cesar (1) a
ardar o Estreito , teve aviso, que a Leste do Morro
_de Gibraltar estavao quatro navios artilhados, que no
dia antecedente tinhao tomado huma Caravela mercante
Portugueza, a qual a Capitanea trazia a reboque. Vas-
co Fernandes, que hia de caminho para Ceuta, voltou
logo a busca-los, e vendo a Capitanea a barlavento, e
mui afastada dos outros, passou-lhe 4 falla, e pergun-
tou, que navio era? Ao que responderdo igando ban-
deira Ingleza, e acenando-lhe gue amainasse. Vasco
Fernandes prolongou-se entaéo pela sua alheta, e rom-
pendo os Inglezes o fopo, sem descontinuarem de fazer
Sipmaes, que amainasse, respondeo vigorosamente com
a sua artilheria, © que deo occasi#o 4 Caravela met-
cante de cortar o cabo do rebogue, e¢ fugir.
Depois de duas horas de combate, achava-se Vasco
Fernandes com seis, ou sete homens mortos, e mais de
vinte feridos, quando o seu Condestavel, que era hum
Alemao chamado Hansfreis, mui corpulento, e valen~
te, o qua] a pezar de quinze feridas causadas pelos esti-
Ihagos da madeira, nao queria curar-se dizendo, que ou
havia merrer, ou fazer amainir aquelle navio, e fodos
OS Outros, se viesscm; pegou em hum Falc’o-pedreiro,
cujo leme assentou no hombro,. e apontando-o ds osta-
gas do navio Inglez, pedto a oatro Arrilheiro Alemao
C1) Goes, Parte 4. Cap. 78. | _
46 ii
3885
tatdo @ntio abordar a Caravela, com o mesmo infeéliz
successo'; porque Vasco Fernandes, manobranco habil-
mente, apresentava-lhes sempre a proa, € com tiros de
coxia destrocou outra Galeota , matando-the a maior par-
te: dos remeires: @ que causou tal terror nos Mouros,
e sé cuidario- em fugir, aproveitando o vento para
a Costa de Barberia fronteira, seguidos algum espago
por Vasco Fernandes, que por ultimo cntrou em Mala-
-ga, para enterrar alguns mortos, e curar os feridos,
que erao poucos. | sg
' Velrando depois a Lisboa nos fins de Dezembro, .
‘ElRet D: Joao IE: lhe mandou.aerescentar ao escudo das
suas. Armas ,.as seis Galeotas-, e por timbre eutra.
1§2r. — Para transportar a Italia a Fnfanta D. Bri-
tes, desposada com. o Duque de Sabeia, mandou El-
Rei preparar huma- Esquadra, de que nomeou General
(1) a D: Martinlo de Castella Branco, Conde de Vil-
la Nova de: Portimad, com pederes para tedos os casos
Civels, e-crimes, até morte‘nattral. Constava de dez
‘Nados, dous Galedes, quatro Galés Reacs, huma: Cara-
‘vela, huma Fusra, e hum transporte com objectos da
Uxaria.. Das quatro maiores N4os era Capitanea a San-
-ta Catharina, de oitecemtas toneladas, feita: na-India,
as outras tres erao, ‘Huma de 650 toneladas, outra: de
350, e outra de 300; e as Seis restantes mais peqne-
nas. -Os Commandantes- de que achei: es nomes, erdo
D. Francisco de Castello Branco,, filho primogenito: do
Conde-General;, Di Francisco: da Gama, primogenito
do Conde Almirante D. Vasco-da-Gama; oe: Marechal
D. Alvaro: Coutinho, Affonso: Peres Pantoja, penro do-
~ General; €hristovao de Brito; D. Fernande de:Abrane
' ches, e D.. Luiz Coutinho, Affowso de Albuquergie,
C1) Vede Goes, Parte 4., Cap. yo. + Resende, Hid da Thfanta.
D. Prites para Saboia: — Acenhéiro, pag..341.: - an
367
vios que elle mandou ao Oriente, de que se perderdo
vinte e seis; mas eu sd achei duzentos e cincoenta e
oito, e naufragados dezenove 4 hida, e onze na tornae
viagem. As arribadas forio tambem raras neste tempo,
e communs nos subsequentes, em que tanto ellas, co-.
mo os naufragios. cre-cerao fora de proporc4o com o
gue antes acontecia. Em lugar competente apontarei as
causas desta differenca.
De TERCEIRA MEMORIA,
*Y
’
COMPREHENDERDO DESDE -O. .ANNO DE 1522 ate’ a*® NORTE
DO CARDEAL REI PD. HENRIQUE 4° Em: 1580.
"8s ww
ADVERTENCIA.
Ainda que eu tinha promettido abranger em tres
Memorias a Primeira Parte desta pequena Obra, vendo
comtudo que ficariao mui desiguaes em volume, fresole
vi-me a dividi-la em quatro Memorias ; 0 que em nada
altera o plano geral, que abracci na divisao das ma-
terias,
REINADO D’ELREr D. JoXo II.
N O REINADO deste Sabio Monarcha, nao sd conti-
nuou a florecer, e¢ prosperar o Commmercio Maritimo
na Africa, ena Asia, mas ampliou-se muito mais, e
comegou o do Brasil. As carregagdes das Ndos-da Ja-
dia, na sua torna-viagem, erao calculadas no valor de
hum milhio cada huma, e outras vinhao mais impor-
tantes, como aflirma hum Escritor Hollandez, que vi-
377
excepto Antonio de Abreu, e Vicente Gil, que achan-
do-se a‘sotavento da Costa do Brasil, pela ma navega-
fo que fizer’o, arribdrao para Lisboa. — |
‘Filipe de Castro, correndo pela Costa da Africa
Oriental com intento de ir a Ormuz, por n&o poder to-
mar Goa, foi encalhar de noite no Cabo de Rosalgate,
tanto por erro do seu Piloto, como pela falta da boa
vigia, que devéra ter. A Nao ficou inteira, e mandan-
do elle afrerar hum navio ao Porto de Calaiate, em-
barcou-se com a sua guarnigao, e parte da carga, que
salvou, e foi-se para a India. As outras Ndos chega-
rao a salvamento. |
1525. — Neste anno succedeo o caso lastimoso de
D. Luiz de Menezes (1). Sahio este Fidalgo de Goa
na Nao Santa Catharina, e seu irmao D. Duarte de
Menezes na Nao S. Jorge, com destino para Portugal.
Entraréo ambos em Mocambique, e depois de repara-
rem osseus navios de algumas cousas, que necessitavao,
sahirao, e navegarao separados. D. Luiz nunca mais
apparecco. 7 ,
Passados annos, morreo em Franca hum Piloto
Portuguez, que !4 residia, deixando ordenado em seu
testamento, que se entregassem a E-|Rei de Portugal seis
mil cruzados, que elle lhe devia das fazendas que lhe
tocarao da Nao de D. Luiz de Menezes, a qual fora
tomada vindo da India. oo
No anno de 1536, andando Diogo da Silveira
com huma Esquadra de guarda costa, aprisionou hum
Corsario Francez, e huns homens da sua equipagem
Ihe descobrirao em segredo, que o seu Capitdo era ir-
mio do Pirata, que tinha tomado a Ndo de D. Luiz de
Menezes na Custa de Portugal, e assassinado toda a
gente. Diogo da Silveira fez tratear o Capitéo do Cor-
(1) Chronica de D, Jodo II. Parte 1, Cap. 67.
48
382
‘estavio ali Christaos perdidos, Antonio de Saldanha,
entendendo o signal, poz-se 4 capa, e logo que ama-
fAheceo, foi no bordo da terra, mas nfo ousoa chegar-
Se, por nfo ser conhecida; e por oito dias repetio a
‘mesma manobra, indo de noite no mar, e de dia m
terra, esperando que viesse alguma embarcacdo de avi-
80. Parece que por fatalidade nao lhe occorreo, que os
naufragados podido nao ter em que sahir ao mar, pos
nao © fizerao no primeiro dia da sua chegada; e que
assim cumpria-lhe a elle mandar a sua lancha ben
guarnecida a saber que gente era aquella, e a sondar
juntamente a Bahia. Por ultimo succedeo o que se de
via ahtever , sobreveio hum mdéo tempo, que 0 obrigou
a seguir viagem.
Os miseros naufragados, vendo-se t#o cruelmente
abandonados, e julgando que nfo tornariao a ver aquel-
le anno outra Ndo, por nao-ser frequentada aquetta Co
ta, nem tendo meios de sustentar-se até ao anto sepuiil-
te, resolvérao, por sua desgraca, atravessar a Ilha me
sua largura, e irem estabelecer-se na contra-costa , por
Onde passavao as Ndos, qué por féra da Ilha tomavéd
© seu caminho para a India. E formando dois corpos
dos trezentos Portuguezes, que ainda existido, comme-
tério o erro de marcharem divididos, e mui poucos
delles apparecérao depois, como em seu lugar notarei.
Suppoz-se que os Negros do sert#o, conhecidos per
‘barbaros, os matario, talvez por falta de disciplina, ¢
boa ordem, que foi sempre a causa dos desastres acon-
tecidos 4s guarnicdes dos navios naufragados, de que
citarei excmplos , assim como do que fizerao alguns
Commandantes em casos similhantes.
Mez e meio depois de partidos dali os naufraps
dos, chegou o Governador Nuno da Cunha com parte
da sua Esquadra, e sé achou hum grumete, que ficou
por estar doente no momento em que os seus comp2
33ST
Jonge desse pensamento, aproveiton-se da demora para
despejar a Cidade, ficando nella sé com a gente de
erra, recolhendo-se o resto dos moradores com o que
puderao Jevar, para hum sitio distante huma legoa.
Desenganado o Governador de que lhe cumpria
usar das armas para obter quarteis de Inverno seguros,
tornou a mandar de noite seu irmao a reconhecer os lu-
gares opportunos para 0 desembarque, 0 que elle fez; e
ainda que sentido pelos Mouros, que lhe ferirao alguns
homens de frechadas , correo toda a frontaria da Cida-
de ,e nella achou huma praia, que lhe pareceo azada
para o intento, posto que seria necessario desembarcar
com agua pela cintura. Porém o Governador teve logo
outra melhor informacgao por hum Mouro, que veio a na-
do de terra, e indicou hum local abaixo da Cidade, em
que as lanchas poderiao por a barba em terra: além
disso notictou-lhe que estavao nella mais de tres mif
homens com huma unica bateria de seis pecas diante de
huma das portas, commandada por hum Renegado Por-
tuguez; e que era tal o terror nos Mouros, que em
vendo os Portuguezes desembarcados, fugiriao todos.
Sobre estas noticias resolveo o Governador desem-
barcar’no dia seguinte onde o Mouro dizia, servindo
elle de guia; e formando em dois corpos toda a tropa,
© primeiro de seiscentos Portuguezes, em que entravdo
duzentos espingardeiros commandados por Fernio Cou-
tinho, a que se agpregarao trezentos Mouros de Me--
Jinde; e o segundo do resto da gente, deo o comman-
do daquelle a Pedro Vaz da Cunha, acompanhado de
Manoel de Albuquerque, e dos dois irmaos Mellos, e
tomou para si a direc¢io do outro, em gue hiao D. Fer-
nando de Lima, e Diogo Botelho Pereira.
Ao amanhecer desembarcarao as tropas sem peri-
go , nem resistencia no ponto que o Mouro marcou, e
ao som de pifanos, e tambores, e as bandeiras desenros
q ' .
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Ea ree Oe
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405
mnandantes erdo Vasco de Paiva, na Santa Barbara; Dio-
go Brandao, na Santa Clara; e D. Francisco, ou D.
Diogo de Noronha (que de ambos os modos he nomea-
do) no S. Joao. : 7 .
A segunda Esquadra partio em Abril: era seu Che-
fe D. Gongalo Coutinho, na Ndo Sirne; e os outros
Commandantes Simao da Veiga, no S. Roque; e Nu-
no Furtado de Mendonga, no Bom Jesus. Estes tres
navios chegdrao em Setembro a Goa,
A Esquadra de D. Joao Pereira teve prospera via-
vem até 20 Cabo de Boa Esperanca, onde com hum
F racdo socobrou a Ndo de D. Francisco de Noronha,
sem escapar ninguem, talvez por ignorancia, ou descui-
do do Official que naquelle.momento critico: se achava
mandando; as outras Nags espalhardo-se.
D. Jodo Pereira, vencido o parcel de Sofala, e
achando-se com as Ithas, quiz esperar pelos outros na-
vios: o Piloto, e o Mestre disserao-lhe, que arriasse
todo.o panno, e Antonio, Galvao, que hia de passagei-
ro, e entendia melhor a-navegacgdo, oppoz-se a este
conselho, querendo que se aguentassem velejando, por-
ue as aguas puxavdo muito para a Costa; e assim se
fez.nessa noite. Mas ‘rendido o quarto ds quatro ho»
ras, que o Chefe, e Antonio Galvio se recolhiério , lo-
go. Pilotro, e o Mestre pozerzo a Ndo em arvore se,
€a, e fordo-se deitar a dormir nos seus camarotes, A’s
‘seis horas deo a Ndo duas fortes pancadas com a qui-
dha ,e deitou o leme fora, em consequencia das corren-
tes a terem levado para terra. A este ruido acudirio
todos acima, julgando-se perdidos; o Mestre, e o Pi-
loto ficario como pasmados; huns querido matallos ,
outros tomavao caixas, capoeiras, e pdos para se bota-
rem ao mar; e o Chefe, com a espada na mio, reser-
vava a lancha para si. Nesta’ revolta, e confusao geral,
“Antonio Galvao com grande accordo mandou largar o
, a illecimerto ihe
LH) Sct ilteopt acticin. juan saben
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4 a ‘ 1 ' r T ’ v
“421
requerimento em que pedia o Governo de Chaul, teve
Diogo Botelho a imprudencia de soltar algumas pala-
vras equivocas na presenga de D. Antonio de Noronha ,
Escrivio da Puridade, dando a entender queria mudar
de Reino; o que sabido por ElRei, lembrando-se do
caso de Magalhaes, a que Diogo Botelho nao cedia em
valor, e sobrepujava em conhecimentos, o mandou pren-
der no Castello de Lisboa, e o conservou a bom reea-
do até 4 epoca em que foi nomeado Vice-Rei da In-
dia o Conde Almirante D. Vasco da Gama, que im-
portunado de algurs Fidalgos, pedio licenga para o Ic-
var comsigo, e ElRei lha deo debaixo da condicgdo de
nao tornar mais a Portugal sem expressa ordem sua.
Chegado Diogo Botelho a Goa, continuo a ser-
vir, ¢ passava os Invernos em Cochim, por ter ali ami-
, que lhe faziao pagar com exactiddo o6 seus sol-
dos. Andava elle espreitando alguma occasido opportu-
na de vir a Postugal, porém de hum modo tao extraor-
dinario, que clacamente demonstrasse a ElRei a sua fi-
delidade, e desmentisse a quem lhe dissera queria dei-
xar o Real Servico. Com. este intento obteve faculda-
de do Governador Nuno da Cunha para armar huma
Fusta, em que servisse o Estado, e a construio em Co-
chim (1), munindo-a de tudo quanto julgou necessario
p2ra huma comprida viagem. Era isto no raomento em
que o Governador negociava com Sultao Badur a cen-
struccae. de huma Fortaleza em Dio; e devendo tao im-
portante novidade ses logo communicada a ElRei. por
expresso , intentava Diogo Botelho ser o mensageirq
detla. Com estas idéas foi a Bacaim, onde deixou a sua
Fusta, e passou a Dio em outro navio.
Comegada a Fortaleza,. sahio. Diogo Botelho occul-
C1) Castanheda diz, que esta embarcacio tinha 22 palmos dé quik
Iba, 1:2 de beca, e 6 de pontal; dimensées que me parecem extsaor>.
dinar igs ¢: - .
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chap y espe 5 . ’ Sis .!
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441
15949. — Constava de‘cinco Ndos (1) a Esquadra, que
a 20 de Marco deste anno partio para a India, com-
mandada por D. Alvaro de Noronha, embarcado no S40
Boa Ventura; e os outros Commandantes Diogo Bote-
Jho Pereira, no S. Bento (estas duas Ndos erfo da Co-
roa, e levavdo oitocentos e cincoenta soldados, as ou-
tras pertencido a Armadores); Jacomo Tristao, no Sao
Filippe ; Jodo Figueira de Barros, na Burgaleza (ou Sal-
vado): e Diogo de Mendonga, no Zambuco.
Desta Esquadra perdeo-se Jo#o Figueira nas Ilhas
do Comore: Diogo Botelho Pereira tomou Cochim no
mez de Outubro; e as outras Ndos chegdrao a Goa em
Setembro. | :
1549. — Conhecendo ElRei por experiencia (2), que
© systema estabelecido para colonisar o Brasil carecia
de reforma, pelas mudangas accontecidas no estado po-
litico do Patz, achando-se fundadas varias Colonias,
mais Ou menos prosperas, em S. Vicente (Santos), Es-
pirito Santo, Porto Seguro, Ilheos , e Pernambuco ,
além de outras, determinou crear naquelle Continente
hum Governo central , de que dependessem todos os
Donatarios, que por si, ou seus Procuradores regiao as
suas particulares Capitanias. |
bara obter este importantissimo fim, revogou ElRei
as authoridades Criminal , e Civil de que gozavao, e ds
vezes abusavao os Donatarios, e as reunio todas na
pessoa do Governador Geral, com amplos Regimentos,
e InstruccSes para a direccdo, e manejo dos negocios
publicos. Cumpria tambem escolher-se o ponto mais
vantajoso para formar a nova Capital, e.julgou-se com
(1) Couto, Decada 6. Liv. 8, Cap. 1, == Faria, na Asia Portu-
gueza. ——- Barreto de Rezende. —- Chronica de D, Joao III. Parte 4,
Cap. 44. |
€2) Chronica de D. Joao III. Parte 4. Cap. 42. — Noticias do
Brasil pag. 40. — Rocha Pita, Historia da America Liv. 2.
56
454
Teme. Deste modo corrérdo com 0 tempo; mas tornan-
do o vento a crescer, lhe destruio a guindola, e levow
o velacho,; e atravessando-se o GaleZo, deitou o leme
féra , ficando-lhe os machos mettidos nas femeas; des-
arvorou do gorupés, e comegou a fazer agua. ot
Neste estado critico , julgando-se os Navegantes a
vinte legoas de terra, trabalhdrio com actividade em
armar outra guindola, aproveitando hum intervallo de
bonanga, e em fazer outro leme, em que gastdrdo dez
dias, porém o Galedo nao péde governar com elle, por
sahir curto, e sem porta sufficiente; e ficou por tanto o
navio anhoto, e 4 mercé das ondas. | |
Finalmente a 8 de Junho houver%o vista da Cose
ta: Manoel de Sousa de Sepulveda chamou a_conselho
os Officiaes, e resolveo-se por voto unanime : encalhar
no lugar mais azado para salvar as vidas. Mandovu-se
em consequencia hum escaler a examinar a terra, e ¢r
tretanto o Galedo hia rolando para ella com quinze pal-
mos de agua no purdo. Estando a menos de meia le
goa da Costa, voltou o escaler, e disse, que defronte
da paragem onde estavao, havia huma boa praia,-e tu
do o mais era penedia. Assim fordo govérnando coma
uindola até acharem sete bracas, em que derZo fur
O, e arriando a amarra, largarao outra ancora a tiro
de mosquete da praia, tendo o vento abonancado. Dei-
tou-se a lancha fra , € assentou-se em conselho, que
fortificassem ali, e das madeiras, e mais coisas do Gs-
lefo construissem hum Caravelao, em que podessem it
para Mogambique, ou Sofala, ou mandarem pedir au-
xilio a qualquer d’aquellas Pragas.
_ Feito este accordo, e reunidos na tolda, e tombs-
dilho os mantimentos, armas, polvora, e roupas que #€
poderdo tirar das cobertas , embarcou-se primeiro 53
Jancha Manoel de Sousa com sua mulher, e filhos, e
trinta pessoas das principaes, ficando a bordo o Mestre
« f ke
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Ad pag . do
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‘WS dos a quem the Foss » yt) er 1 0 filho,, ni
. zello. co ny Fe CeIO. Ae © fic eS, que Fr ;
elles, matos . Ali ficou tambem Anto io de
fo Cocca “it ue fc Oh GA aid.
p: 19; £6 ada, dia ficay Sc eu |
pe rere = feroz : |
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ae Jepracmeatey:. valian noleallca’
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ranxo Tr sup sh “willude
de Sepulveda ‘eeguidio 0 camtinko
ope de .
“ ha
pl ae My fit eal
em a Sree
4 ee Ai © oh
467
pais de aturar 0 combate até pela noite dentro, se achd-
rao rendidas quatro Galés Turcas, com immensa perda.
sua, e o resto d’ellas buscou salvacdo na fugida. Huma
daquellas quatro Galés estava tao furada de balas, que
no acto de render-se foi subitamente ao fundo com
quantos tinha a bordo. oo |
As tres Galés tomadas forao conduzidas a Tavira,
e Xaramet remettido para Lisboa. Morrérao dos Portu-
guezes quarenta soldados, em que entrdrao os dois ire
maos naturaes da Beira, e alguns marinheiros, e remei-
ros ; € ficdraio feridos cento e scssenta homens. Dos Tur-
cos pertencentes ds Galés rendidas, morrérdo cento e cin-
coenta, forao cativos mais de noventa, e libertarao-se
duzentos e vinte Christios , que elles trazido a remo.
.. Karamet-Arraes esteve no Limoeiro, onde D. Pe-
dre da Cunha lhe mandava presentes, e dinheiro para
seu-sustento,, e no anno de 1561 foi trocado por Pedro
Paulo, que, sendo Turco, veio a Portugal fazer-se Chri-.
stio, e commandou huma Galeota Portugueza; e sendo
tomado no mar, ¢ levado a Argel, conseguio ser trocas
do por Xaramet.
1555. — A Esquadra este anno destinada (1) para o.
Oriente, constava de cinco Ndos, commandada por D.
Leonardo de Sousa , embarcado em a Nao Senhora -da.
Barca; e os outros Commandantes Francisco Figueira:
de Azevedo, em S. Filippe; Vasco Lourengo de Bar-
buda, em S. Pedro; Jacomo de Mello, na Algarvia Ve-
[ha (que na torna-viagem se perdeo surta na Tercei-
ra); e Francisco Nobre, na Algarvia Nova.
Partio a Esquadra a 10 de Abril: as primeiras.
uatro Ndos chegdrao a Goa a 1o de Setembro; porém
rancisco Nobre ensacou-se na Costa de Guiné, e an-
(2) | Couto, Decada 7. Liv. 2. Cap. 7. e Liv. 3. Cap. 2. — Barreto
fe Rezende. — Chronica de D. Joio III. Parte 4. Cap, 118. — Histo-
‘da ‘Tragico-Maritima ‘Tomo 1. pag. 171. _
59 i
471
Estando para sahir, abrio a Capitanea huma agua
t¥o grossa, que esteve em perigo de ir a pique, e foi
necessario descarregalla: a final.achou-se o furo de hum
prego, ou cavilha, que na carena tinha ficado tapado
com breu, e por clle fazia a agua; mas antes desta des-
coberta mandou ElRei partir as outras quatro Ndos a
5 de Abril, e a Capitanea sahio a 2 de Maio.
As Naos Assumpcao0, e Santo Antonio chegdrao a
Goa nos fins de Setembro. A’Flamenga invernou em
Melinde , e a 11 de Agosto do anno seguinte partio pa-
ra Goa, porém fez logo. tanta agua, que foi buscar
Mombaga, em cuja barra encalhou, e se desfez toda,
galvando-se.a gente, e a carga. A Aguia invernou em
Moscambique,.e em Maio passou a India.
:.:° WD. Luiz Fernandes de Vasconcellos, seguindo sua
derrota, metteo-se na Costa de Guiné, onde. andou se-
tenta dias em calmaria, e a final assentdrao os Officiaes
em irem invernar ao Brasil, como fizerao , ancorando na
Bahia 2.14-de Agosto. D. Duarte da Costa, Goyerna-
dor. Geral daquelle Estado, foi receber ao desembarque
a D. Luiz Fernandes, e a outros Fidalgos que com elle
hido, as quaes erao Luiz de Mello da Silva, D. Pedro
de Almeida, D. Filippe de Menezes, D. Pedro de Li-
ma, Nuno de Mendonga, e seu irmZo Henrique de Men-
don¢ga, Jeronymo Correa Barreto, e Henrique Moniz
Barreto, e€ a todos deo casas, e¢ tratou com grande
magnificencia. .
. Em tempo proprio sahio D. Luiz Fernandes da
Bahia, ¢ a 2 de Maio do anno seguinte chegou a Mo-
ambique , e d’ali passou 4 India em cempanhia do
Vice Rei D. Constantino de Braganga.
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para esta expedicdd seistentos soldadee faledudos, '¢ are
mados 4 sua custa. on’ de re
norava-se © mativo de tio gratides preparatives
quande na noite de 13 de Setembro hum rempord de
Vento Sul destrogou os naviog, e déd con’ quasi. todos
ém terra. ae ae :
- 15973. — A Esquadra deste anna (1) for de quatro
Ndos , commandada por Francisco de Sousa, embareado
-ém a Néo Santo Espirito; e os ofitros Commiandames
Antonio Rebello, em -S.: Gregorio; Quintino de Vas-
boncellos, na Belem; e Luiz de Alter, ‘em Santa Cla
ta. | :
__ Partio.a Esquadra de Lisboa a 10 de Abril, es
D. Francisco de Sousa chegou a Cochim nos ‘fins de Ove
tubro; as outras Ndos inverndrao em Mocambique. -
15974, — Commandou este anno (2). a Esquadta:da
India K mbrosio de Aguiar, emmbarcado em a Nido Cha-
Bas, € os outros Commandantes D. Diogo Rolim, ts
é; Pedro Alvares Corréa, na Santa Catharina; Diogo
Vaz Rodovalho, na Annunciada; e Manoel Pinto, os
Santa Barbara. |
" Sahio de Lisboa a Esquadra a 23 de Margo, e er
trou em Goa nos fins de Setembro.
1574. — Ardia ElRei em desejos de passar 4 Afri:
ca (3), Onde o seu impetuoso valor, que degenerava em
temeridade, lhe figurava gloriosas, e importantes Com
quistas ; mas qucrendo esconder as suas intengdes, por
evitar a opposicdo , que antevia, da Rainha sua Avéd, do
" (x) Couto, Decada 9. Cap. 14., e Decada 10, Cap, 16, — Redo
‘Batrero de Rezende. — Faria, Europa Portugueza.
‘ (a) Couto, Decada 10. Cap. 16. — Discurso sobre los Commexis
de las Indias, — Faria, Europa Portusueza.
(3) Memorias d’ElRei D, Sebastifo, tomo 3. Liv. 2. Capitules 36,
27, ¢ 29. — Chronica manuscrita d’ElRei D, Sebssti£o, por Antic
Vajyena, Cap. 9. .
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muitos Grandes ,:e Fidalgos, que coni sumind brevids
de se apromprd4rao para irem servir na Africa a. ElRei,
© qual descontente de ndo achar em Ceuta occasito al-
‘guma de medir as armas com os Mouros, passow:a Tan-
‘ger com todas as suas tropas,. e .pouco Ssatisfeito da i-
acc#o.em que estivera o Prior do Crato, lhe tirou 0
‘Governo ,.e © conferio a D. Duarte de Menezes.
Sahfrdo finalmente os Mouros ao campo com grax
de‘numero de gente, e ElRei marchou'em pessoa 4 re-
cebellos; porém o combate reduzio-se a huma escara-
-muga,/que acabou com o dia, sem perda consideravel
‘de parte-a:'parte. co,
: Conherendo agora, ‘ainda que tarde, que ndo tisha
‘forcas: para ‘fazer Conquistas' naquelle Paiz, sabio de
“Tanger nos principios de Outubro -para ‘Portugal , em
barcado no GaleZo S.. Marrmho; e-em outros navies,.e
Galés. se accommoddrao as Personagens, e 8 dis-
tinctas. _Hum rijo Levante, que lhe. deo: 4 -sabida do
Estreito, espathou toda 4 Esquadra: oGaleio S. “Mam-
nho correo em. pépa.até-o vento: abonancar, © depos
veio buscar o Cabo de. Vicente. Desembarcou EIRd
em Sagres, e buscando fogo outro perigo ; partio em he
ma Galé com vento Sudoeste, que a péz no risco mais
eminente; e/a final entrou em Lisboa. a 2 de Novenr
bro (1) St alr
1574. — Ainda que os Portuguezes introduzirZo 0
Christianismo no Reino de Congo (2): desde o tempo
@ EtRei D. Joao II. , ¢ continud4rao sempre a traficar em
todos os Rios, e Portos d’aquella Costa , nZo tinhio
nella Colonia ‘alguma; até que o Rei de Angola, inve-
joso das vantagens que o de Congo recolhia da comme
(1) ©O Padre Amador Rebello, na Vida ( manuscrita) deste Princk
pe, conta 0 caso com alguma differenca .
" (2) Vede o tomo 3. da Collecc3o de Noticias pera a Historia Gs
WNacées Ultramarjnas, — Anno Historico, tomo 2. pag. 224.
52)
de Lisboa D. Jorge de Almeida benzeo o Estandarte.
Keal, € dail ait a embarcar-se_ na Galé Real , am
Gon nO 0 ve met Infante D. Henrique se escusou.
a Ragencia nomeou ElRei para Goyerna-.
» 0 Arcebispo D.Jorge de Almeida, Fran-
). Joao Mascarenhas,’e Pedro de Alcagova
selho de Estado; e para
0. Miguel de Moura. 2 5s evn
lia 35 sahio . raada, de Lisboa, ea 29 ane
Jix, e se Ihe reunirdo varias ‘embarcaco
€ outras que conduzido as m WORE do Aen
= de Medina _ Sidonia obsequiou a
| 2s festas, e publicos divertimentos. A 7. de
J julho. sahi ‘a Armada a Cadix, e avistando Tanger
ess “mesma tarde, se adiantou EIRei com as Galés, e
s Galedes , ena manha seguinte deo fundo saga
2em Tanger o Xarife ouiaa do
_. 2%
. = .
*
ea ceca
tulle r Muley > Maluco , com hum filho, ¢ poucos Vas-
» 4 = , que £10 seguito, Desembarcou IR, e detendo-se
Be para Arzilla, levando comsigo ao Xa-
eet overteder D. Duarte, de Menezes. .
R ker lida em Arzilla toda a Armada, mandou ElRei
arcar as tropas, que se abarracdrao fdra da Pra-
i declarou a D, Duarte de Menezes por Mes-
.
as
-o Exercito de pouco mais de yinte mil
~e me -e quinhentos Cavallos. A Infanteria Por-
, em numero de quasi doze mil homens, dividia-
se em > Tergos , de que erio Coroneis D. Mi
de = Noronha, Francisco de Tavora, Vasco da Silveira,
4 oe ic Be de Siqueira. Além estes 2 eae havia
outre mado dos Aventureiros, composto de mil ho-
solhidos, e enon “ion uerras do Oriente, com-
do. por Christovd yao de Ta ia 4 Cayallaria, | to-
§32
da armada 4 ligeira, ndo tinha General particulat, pot
haver ElRei tomado o seu commando. A Infanteria es
trangeira formava tres Tercos: hum de quatro mil Ale-
macs , de que era Coronel Mr. de Tamberg ; outro de
tres mil Hespanhoes as ordens do seu Coronel D. Af
fonso de Aguilar; e o terceiro de seiscentos Italianos
commandado pelo Coronel Inglez Thomaz Stukeley.
© Xarife capitaneava quatrocentos Mouros de pé, €
duzentos e cincoenta de cavallo. Governavao. a Astilbe-
ria, Composta de trinta pegas de campanha, o Balin de
Lessa Pedro de Mesquita, e Jeronymo da Cunha. Exio
Quarteis-Mestres Filippe Estévio, Italiano, e Nicoléo
de Frias, habeis Engenheiros. Este pequeno Exercito
hia acompanhsdo de tantos gastadores, criados, e ov
tra gente inutil, que quasi o igualay4o em numero, ¢ 9)
Ihe servido de embarago.
Convocou ElRei por formalidade hum grande Com
selho de Guerra, e contra o voto das pessoas mais intel-
ligentes, e zelosas do bem do Estado, determinou or
char por terra a Larache , em cujas visinhangas se acha
va Muley Maluco com hum Exercito de mais de cem
mil homens, a maior parte Cavallaria, e com muita
artilheria, para lhe disputar a passagem.
Ordenou ElRei aos Coroneis dos 'Tergos Portugue-
zes, que escolhendo dois mil homens de cada hum
delles, remettessem para bordo dos navios os que resta®
sem; diminuindo assim de perto de quatro mil homens
© numero do seu Exercito. Tao cegamente se persuadia
ue lhe sobejavio as forgas para conquistar a Africa!
. Diogo de Sousa teve ordem para se apresentar com
toda a Armada defronte de Larache, mas nao entrar
no Rio até novas ordens, que nunca se lhe expedirao;
perdendo-se desta maneira a occasiao opportuna de ga
mhar aquella Praca , verdadeira base de operagées do
Exercito, e ponto unico para a sua - > porque
ANNAES
DA
MARINHA PORTUGUEZA
POR
IGNACIO DA COSTA QUINTELLA,
Vice-Almirante da Armada Real, Conrselbeiro @Esta-
de Honorario, Conselbeiro do Real Conselbo da
Marinba, e Socio Honorario da Academia
Real das Scieucias.
al
e* en 7 ZZ
7.
AG Sate
gem
LISBOA
Wa TypoGrariA DA MESMA ACADEMIA.
1840.
—™
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— _— ie
ARTIGO
EXTRAHIDO DAS ACTAS
DA
ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS
DA
SESSAO DE 9 DE DEZEMBRO DE 1835.
Determine a Academia Real das Sciencias, que
jao impressos d sua custa, e debaixe do seu pri-
legio, os Annaes da Marinha Portugueza, gue she
réo apresentados pele sew Secio Hoxorario Ignacio
1 Casta Quintella.
Joaquim José da Costa de Macedo,
Secretario Perpetwo da Academia.
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— odo, casco : Phang Togo em ecco.
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a’ pique , safvando-se a puarnicZo nas muitas-embarcas
de terra ,- que andavao 4 roda d’ella (1). 4
+ A Nao Salvador, Commandante Miguel de Abreu,
vindo de volta para Portugal, abrio tanta agua‘antes™
de dobrar o Cabo de Boa Esperanca, que arribou, ¢-
ndo podendo tomar Mocambique, seguio. a Costa ‘comi.
intengd4o de varar na primeira terra, e por fortuna foi:
a .Mombaca, onde achou huma_ Esquadra Portugueza «
vinda de Mocambique, commandada por Martim Af-
fonso de Mello, o qual vetido o misero estado da Néo
(que trazia dez pglmos de agua no purao), e a riqueza
da carga, a comboiou a Ormuz para se concertar ; mas
achou-se tio arruinada, e podre, que a condemndrdo, e
Gomprou-se hum navio grande, que trouxe a Portugal
toda a gente, e a carregacio. ee Co
15¢7 — A Esquadra da India (2) foi este anno de
cinco Nios, commandada por Francisco de Mello, em
barcado na Néo Santo Antonio; e os outros Commane:
dantes Gaspar de Araujo, no S. Francisco; Heitor Ve~
lho Barreto, na Nazareth; Alvaro de Paiva, na Santa
Maria Imperatriz ; e Francisco de Brito , no S. Tiago,
com destino a Malaca.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 26 de Marco; e are
ribando a Nao Santa Maria, as outras entrarao em
a 12 deSetembro: o S. Tiago foi tambem a salvamen-
to a Malaca.
Neste anno se comecdrao a reunir em Lisboa nas
vios, viveres, e municdes para se organizar huma fore
midavel Armada, destinada em segredo para conquistar
a Inglaterra, da qual logo tratarei,
-€1) Vede Linschot na sua Obra j4 citada, pag. 153.
-€2) Couto, Decada 10, L. 10, Capitulo 6 — Epilogo de Pedro Pare
geto. — Faria, Asia Portugueza. -: : : :
Tomo II 4
27:
Gas forgas da sua vadta Monarchia ; ¢ tom muita enite
cipaggo mandou remetter para elle das sutras Cidaled
maritimas tado quanto era nécessarid; porem 6 ataque
de Cadiz pelo Almirante Drake atfazed os prepara’
tivos. - .+ 9
~ Por morté do famoss Marquez de Santa Cruz: no-
meado Capitdo General da expedi¢g%o, ¢ auttor della;
_elegeo ElRei para 6 mestiio Cargo a D. Affongo Peres
de Gusmao, Duque de Medina. Sidonia » qué minca tse
nha servido no niat. Dividia-se a Armada em deg Ese
Quadras , das deaominacbes segiintes :
| Esquadra de Portugal.
GaleZo S. Martinho, em que embercou o Duqne,:
dé 1000 toneladas, 600 soldados, 177 marinheiros, e
48 pegas de artilheria. Dos soldados sé oitenta erdo Pore’
-. Galedo S. Jodo, de 110m toneladds, 321 soldados, :
374 marinheiros , e 50 pegas.
.+Galedo S. Marcos, de 790 tonelddas, 293. s0lda-
dos, 117 marinheiros, e 33 pegas. _—
Galedo S. Filippe, em que hia o Mestre de Cam-
po D. Francisco de Toledo, de 900 toneladas, 445 sol-
dados, 417 marinheiros , € 40 peges. 7
GaledoS. Mattheus, em que embarcou o Mestre dé
Campo D. Diogo Pimentel, de 750 toneladas, 277 sole
dados, 120 marinhciros , e 94 pegas. }
Galeio S. Tiago, de 520 toneladas, 300 soldados
Portuguezes do Tergo de Antonio Pereira, 93 marinheie '
r6S,.€ 24 pecas. |
Galeao de Florenca , de 961 toneladas, 400 solda~
dos Portuguezes do Terco de Gaspar de Sousa, 86 ma-
sinheiros, e 52 pegas. | : oe
Galeio S. Christovao, de 352 toneladas, 300 sol-
' Patacho Maria, de 70 toneladas, 20 soldados, 23
marinheiros , e 8 pegas,
Patacho Santa Isabel , de 71 toneladas , 20 soldae
dos, 24 marinheiros, e 10 pegas. :
Patacho N. de 96 toneladas, 20 soldados » 26 mae :
sinheiros , e 6 pecas. ,
Total da rga desta Esquadra: Nove Nios, e tres
Patachos, contendo 6189 toneladas, com 1805 solda«
dos’, 759 " marinheiros, e 21 13 pesas.
\
Esquadra de Castella. | 3
~ Seu General D. Diogo Flores de Valdez,
GaleZo S. Christovao, em que hia Valdez, de 70d
toneladas , 205 soldados , 120 marinheiros, e 36 pegas.
Gal. 4o S. Joao Baptista, de 560 toneladas, 207 soldae
dos, 136 marinheiros, e 24 pecas.
"Galego S. Pedro, de 530 toneladas, 141 soldados,
331 marinheiros, e 24 pecas.
GaleZo S. Jodo, ‘de $30 toneladas, 163 soldados 5
113 marinheiros, € 24 pegas. |
Gale4o S. Tiago Maior, de 530 toneladas, 210
soldados , 132 marinheiros, e 24 pecas. .
Galedo S. Fuippe, eS Tiago, de 530 toneladas,
351 soldados, 116 marinheires, e 24 pegas. ’
Galefe Ascensio, de 530 toneladas, 199 soldados,
134 marinheiros , e 24 pegas.
Galedo Senhora do Rosario, de 530 toneladas, 15S
soldados, 108 marinheiros, € 24 pecas.
Galeéo S. Miguel, de 530 toneladas, 160 selda«
dos, 1cz marinheiros, e 24 pegas. -
Galedo Sanita Anna, de 250 toneladas, 98 soldap
@os , 80 marinieisos , € 24 pegas.
com 2458 soldados, 1719 marinheir
ore's5 sell ¥ wil sag ss" OF ar
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eon bile Ganta’ Maris decPiza > de 666 todcladae, 236
soldados, 71 marinheiros, e 48:-pecas. 28
eluz dq Beridade ;. de 700 ronclidas 5 1307. ‘soldidos
marinheiros , e 22 Seis + 1 4 ,c008R
Total da for ~ dena Esqnadra : DezsNaosi,” cone
tendo Ssosttoneladad, -Com:2780: soldadok 957° Saag
nheiros, ¢ 280 pegas. SoD pt % 4209
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eve GP TM) am ue pSiorh stg
pobstior oct Esywatra dc Ureas @. wD
32! ele £85 20 ei 1 CCG Ss LSeveuta®
Seu General Joto Lopes Mexia. Srl roe
Cc. aoe Shoe aay oe : , a
Gro Grifo, em que hia © General, “de 50 tonee
ladas , 247 doldadné ,: > 43 arinheiros , e. "selladen
S. Salvador , de 650 toneladas rath dos:; “Ty
Warinheiros ,:e°24 pegas...
Cio Marinho , de 200 ronelades, 70 soldadoe 34
marinheiros, € 7 pegas.
Falcdo Branco Maior, de 500 toneladae,, 161 soke
dados, 36 marinheiros ; e 36 pegas...
Castello Negro, de 710 toneladas ; i239 soldados,
_ 34 marinheiros, e 27. pegas.
Caza de Paz Grande , de 600 toncladas , » +198 sole
Gados , 27 :marinheiros, e' 26 peas: ae ies
S. Pedro Maior, de 580 toneladas, 213 soldades
28 marinhciros,.e 29 pecass re
Samsio , de 550 toneladas, 200 soldades,-31 marin
Bhejr03;16 +3 pe as, nyt ese ora ed went. aeeeg ee
j.--
t 22 SacPedra: Menary: de. 500. toneladas , ss7anldadors
23 marinheiros, e 18 pegas i.) ie GSU.) she Diaid
&
(1) As Urcas erio navios grandes, mui bojudos do meio para vane
te, ¢ esguios do meio para re, de pdépa chata; ,o panno, e mastreacio
como as Nios,
Tomo Il, 5
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iy. = - t - se L.
Racal
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14 homens fodes D. Diogo Pimentel, 3
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maiores. navios , mas este respondeo pedindo licencga pas
ra conservar todos armados, mesmo 4 sua propria cus-.
ta; € como peras embarcagdes ligeiras, que trazia de
observagdo, ihe constou nao haver noticias da Armada.
Hespanhola, rcsolveo-se a ir buscalla 4 Corunha, para.
a atacar antes que se refizesse das suppostas avarias, que |
se dizia haver soffrido. Em consequencia, sahio a 8 de
Junho com vento Norte, e chegando no dia 10 a qua-,
renta leguas das Costas de Hespanha, foi com certeza
informado, que os Hespanhoes nio tinhao pddecido gran-.
de estrago: aproveitando-se entéo de hum vento Sul,
volrou immediatamente a Plymout , e ancorou a 12.
Entretanto o Duque de Medina Sidonia largou da
Corunha , e tomando hum pescador Inglez, este lhe dis-
se, que a sua Armada tinha andado no mar, e saben-
do da tempestade, que espalhdra a de Hespanha, se
recolheo a Plymout, onde os navios se estavao desar-
mando por se julgar que a invasio ja se nao verificaria.
aquelle Verao. Sobre esta noticia pouco exacta parece
que o Duque formou o projecto. de destruir os Inglezes
naquelle Porto, a fim de ficar senhor do mar, e operar
depois livremente, posto que as suas Instrucgdes lhe or-
denavao , que corresse o Canal encostado 4 Costa de
Franga até chegar ao Passo de Calé, e se ajuntasse ali
com o Duque de Parma, que devia sahir de Newport
com o seu Exercito embarcado nos transportes ja prepa-
Yados; e que evitasse nesta viagem toda a accdo decisi-
va coma Marinha Ingleza, no caso de a encontrar.
Os Hespanhoes avistaraio quasi ao pér doSol o Ca-
bo Lizard, ¢ tomando-o pela ponta de Ram-Head, que
Ihes ficava quarenta milhas mais a Leste, e he proxima
a Plymout , affastardo-se de noite para o mar, a fim de
virem no outro dia atacar os Inglezes. Por¢ém hum Pira-
ta Escossez, que cruzava no Canal, correo a Plymout a
avizar Lord Effingham, o qual apezar do tempo contra=
Tomo Il. a ee
-
e'sé achérao ‘al ois cin u
me 20 mnio de Mog ere *y que'and
srigarem. A Aqui Reeders com reed" de
e apinehtaoe: : rac . ym’
rem aos Cafres'o que Ihes scomo’ :
terta firme do Tica "que distra quatro ee carwash
guas , - morrerigo rodek de "Ge fame sl CE Ilha, victi~«
ets te
da Cafes pereatg"
Athen aro
leciedinnnte todos é Ale
er Repale ee estado, e grande ami-|
, © qual Thes forneceo alguns man-?
7 sa credito, outros’€m troca ae ferr0s/ ¢:
de g ‘iditor ‘do na OT, o |
bu: iy Conmbaliante Estevao da°Veiga, © Sota-Pilo-:
par Ferreira, ¢ outros onze homens resolverdo-se °
“terra. SNeepesad er wee rics coy ke
© que ‘consegui custa grandes tr
mes’, esedes; ec de Sofala passirao a Moga ogambique, O-
mesmo project. seguio, e realizou' Fr. Nicoldo Ro-
zaria ,, com alguns outros individuos. D. Paulo de Li-
pe resto dos Portuguezes\escolherao ficar nas ter=—
mes do inhaca, onde morrerao muitos de , 2)
essidade ale entre elles © mesmo D, Paulo, de ima,
I doside maior merecimento e reputagio do seu'tem-
ro. 0 5H bie crag tapho th no anno dogo
ique no navio do marfim, entrando n
eumero as tee Fa idalgas D. Beatriz, D. Joanna, © De
wi 3
Tome IL 7
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quilt -weio-A .praiayique Nurio. Velho corrancont pedas
os Pella'sam jhuma aAengels }.despeginao-s¢ as cobere
tas superibres de resto do cascp,,:.¢ -carsarag-até encae
Jharem: perto . da ,terra. -. Deitardorse ; logo 49 mar, os
que melhor. sabiio gadar, alguas dos. quacs ke-affogirie .
atropelades da ressaca. do mar, .qué nebeptaya BOs pes
nhagcos, ¢ da mua madeira que -bojaya,: Estavdo ens
tretanto ng castelle- de: prea -o Commandarte, ,o; Piloto,
£:6 Mestre com a maior parte da guarnicag;.e:na pbs
pa, Nuno Velho cem D. Tsabed » sua filha ,-e outras .
gressoas distinctas, esperando algiima-occasido opportu-
Na «para desembarcarem a dalyo, o que nas circumstane
¢ias-actuaes 20 era -posgivel, js "o> |
_.:t Chegida a noite, separou-se a pdpa da proa, e foi
encalhar.aa praia mui direita: era isto na vazante, e
temendo Nuao Velho, que quando voltasse a maré,
@srastasse para o.mat aquelle: pedaco da Ndo, mandou
a- Diego Fernandes seu criade, bom nadador, e animes.
$0,soldado ; com hum cabo na boca, @ qual fei amar-
Far a huns penedos; e¢ depois desta: manpbra.saltou sem
igAy ema. tegra muita geate,-Logo que 2-maré come-
gow, mencher, alandorsi{ o.cabo, chegou-se a pOpa tan=
te;:a -terra, que ma outra vazanre, ao amanhecer do dia
45.) <lesempbarcarao.a pé enxuto Nuno Velho, e.todas
9% Seahoras , Fidalgas,: e soldados que alli estavao. (1).
-i..- Reunidos finalmentte em terra os naufragantes, de-
pois. de darem a Deos as devidas gracas, passou-se mos-,
ern. 4 guarnicao, a qual constava no memento do naufra-,
gio.de cent: 6 Cingoenta c-tres Portuguezes, € cento e€
moyenta:.¢ quatre escravas: .achdrdo-se cento e vinte e.
cinco. doa; primeiros, ¢ cento e sessenta dos segundos ;
ee *, a) ; 1 ot
- tt) G logar ,. eM. qué naufragou esta‘N4o, ‘he chamado ainda ‘heje
:Retkklo das Fonres ,situado.em 33° 14’ ce Latitude Sul, e distane.
te gerte de duigntag jegtas 20 Sudocste da Habig da Alagoa
Tomo Il t 8
0° Nessp-‘neite-mandou Nune Velo. dar hum rebate.
fatso ; €: ficou: satisfeito da presteza, e actividade com
que todos :acudir3o a occupar os postos que hes: estae
. vio determinados, No.1.’ de Abril mpdou-se o Campo;
@ f%i nccupar ham valle, onde. chegou Luspance cons.
Gu guias, © duas vaccas, e dois carneiros, que vendeo
por tres. pequepos bocadus de cobre; e Nuno Velho, pae
ga-impeimir nos-Cafres hum salutifero terror, mandow
shatar:as,duas vaccas 4. espingarda , o que lhes causow
za} espanto.j queo mesme stncosse fugiria, se elle lhe
who 'travasse do braco. A muita: agua, que cahio de
noite , nao permittio comecar-se a marcha no dia see
guinte, ‘como estava determinado, porque foi necessario
enxugar as tendas, e 0 fato.
'. A 3 de Abril, pelas nove horas da manha se poz
em movimento o Arraial: hia na vanguarda Juhiao. de
Faria com o Piloto,-e -hum guia, seguia-se Nuno Vee.
tho com Luspance , e os outros guias; e apds elle o
resto da pente. 1D. Isabel Pereira, e sua filha hido em
eatres aos hembros de escravos, assim como alguns
Portuguezes: feridos, des quaes era hum Francisco Nu
Res Marinho ; e deixou-se alli hum Negro pequena
@eom: huma perna quebrada, dando algum cobre aos Cae
fres para o recolherem, e curarem, © quc promettérzo
fazer..O Piloto, marcando a direccao de caminho que
seguifio,.actou que hia a Nornordeste. Era este cami-
pho por huma: fresea varzea eheia de fene, ¢ marchane
do por ete de vagar, chegarao 4s tres horas a hum vab
le, por. onde corsia huma bella ribeira., que se cont
maunicava com hum Rio, e este com @ mar, e por cone
selho do guia fizerae aqui a primeira alte, alojando-se
ao fongo da ribeira, e das espessas .miatas, que occupas.
vio @ valle.
No dia 4, buscando véo para passar aguelle Rio.
(que cra o do Intante ) encentrarae dois. Negros, aos
64
Ihes dera; por euja causa Nuno: Velho o recebeo com
azalhado, Ao meio dia tomou-a Piloto a alrura do
Bo e achou estarem na Latitude de 32°, 6’, e terem
caminhado até alli dez leguas, segundo os rumeos que
haviio seguido, A’s quatro horas da tarde chegéraod
Aldeia de Ubabit, que os fez alojar junto 4 sua casa;
e hes mostrou o seu gado, que consisria em duzentas race
cas, e duzentos carneiros grandes, e chamou as suas mu
lheres, que erdo sete, com sres filhas, e alguns filhos, os
quaes todos baildrao, com outros sessenta Negros que se
ajuntarao. Acabadaa festa smandou Nuno Velho distribu
pelos rapazes, e raparigas algumas contas de cristal, e
outras bagatellas , de que satisfeitos os pais, promerté
rio quatro vaccas. Proximo a esta Aldeia se acamparie
&s Portuguezes ao longo de huma ribeira, em cujas mar
gens abundava a lenha,
No dia 10, havendo Ubabu faltado 4 promesss,
pedindo hum prego tal prlas vaccas, que nado convinhs
dar-lho, se pozerao em marcha, tendo somente obtido
huma vacca. De tarde fez-se alto junto de huma ribeira
povoada de basta arvoreda; e querendo o guia, irmde
de Ubabu, hir 4 sun Aldeia com promessa de volver
no dia seguinte, nao o consentiv Nuno Velho, sem de
xar outro Negro em refens, -.
A 12 passou Nuno Velho para.a vanguarda, por
que andava de vagar, e€ a outra gente poderia aturar O
secu passo. Neste caminho passdrao perta de huma Al-
dcia, em que comprarao huma vacca, e forse acampa
em hum sitio abundante de agua, e Jenha. Eira cease
me dos Porruguezes metter de aoite as vaccas no mid
do alojamento, para que nao as furtassem cs Cafres,¢
Ainha-se boa vigia-com os guias, porque costumao fugit
depois de pagos. Como es soldades hiao cancados do
MoOsjuctes, por serem nmi pezados, mandou Nuao Ve
dio, com parecer de todgs ,,dangallus -na ribeira.
67
Aqui>celebricio a Festa , como Shes foi »possi+
vel. yer Ri Ose p,0) 2 ~~ wu ae ken ag .% anew
ene) eo chegdrdo pelas:onze: horas a chu
de haGarbung poucarde agua
| Serene mn, is mar lojdréo;.
agns: pelodee Sn, fetes em alojarao ;
o @-peucd, apr 4G de a
ee ja ers.
ezes, j4 quasi
-_
2. EF . Nuno Vel
"seus ‘com m elles fia sabneeihen lhe
cs aio @ fe hat da “com:
. | >, delle: hum
ewe s de
mat 0 A
comeing ined
-do-Inhaca.a resti-
08 outros dizendo , que viessem ver homens, que erlo fia-.
hos do Sol, e 0 hiado buscar. Deixando todos elles as:
armas entregues a hum dos seus, vierao a correr, @-
ajuntando-se com os Portupuezes, caminhdrao até que
estes fizeriio alto 4 sombra de hum bosque para passae-
rem a forga da calma. Aqui vierdo alguns Negros com .
milho, que venderao por contas de cristal, e tiras de.
panno de cores; e veio tambem o seu Ancosse, no qual ;
nfo achando Nuno Velho o gazalhado que esperava, e
percebendo nelle desejos de saltear asua gente quando:.a2
achasse desapercebida, avisou os Soldados que o acome:t
panhavdo, que preparassem os seus arcabuzes, e cada»
hum marcasse o Negro a que queria atirar. O Ancose:.
se, pércebendo esta determinagao , dissimulou a sua, é
Nuno Velho mandou que continuasse a marcha,-e se nao
fivesse caso deste Cafre , nem da sua Aldea, pela qual |
logo adiante passou. Ao Sol posto armou-se o Campo.
em lugar provido de agua, e leaha, onde vier&o dois -
Negros de outras Aldeas, que contentes com dois peda-
gos de cobre, promettéréo voltar. no dia seguinte para
servirem de puias. or : ,
A 10 amanhecérao os Negros no Arraial, e por sua di- -
reccao sub{rao huma serra; e ainda que dalli descabririo...
outras, os Cafres os levdrao por caminhos, que diminuiao
a aspereza dellas, e alojarao-se 4 noite ao pé da ultima.
A 11 atravessarfo aquella serra, indo a Leste, ea
Lessueste, e acabada ella, torndrao ao caminho de Lese
nordeste por bosques mui espessos de arvores altas, e
sombrias ; e descendo huma encosta, no fundo della ene -
tre grandes rochedos estavao humas casas, junto das quaes
_ se-alojdrio. Estes Cafres erZo pobres ; e sé tinhado algum
milho, e leite , que vendérao. Aqui ficou entre elles, em -
hama cabana, que se construio separada das suas, tendo-se
rimeiro confessado, e recebido as consolac6es da Reli-
giSo.( unicas consolag6es verdadeiras!) Alvaro Gonsal-
Tomo II, 12
91
A 14 pelas onze ‘horas da manha chegou o--Ancé®
se, chamado Garnabela, acompanhado de cem Negrée
‘desarmados: sahio Nuno Velho-a réecebello com quite |
‘arcabuzeiros , e sentados ambos em huma.alcatifa,,. lhe
significou Nuno Velho quanto folgava deo ver, e a
‘ter entrado nas suas terras, pela certeza de achar nellas
© que necessitava para passar as do Inhaca: Gamabelh
Ihe offereceo tudo quanto estivesse debaixo do tea dos
minio. Passados estes ‘cumprimentos , -apréseatous]he
duas vaccas, e receheo delle humus conta’ de: Mada
perola, huma peca de prata, huma ‘pedta. de’ estancar
sangue, e alguns pedacos de cobre, Tratdro depoit dot
guias, e Gamabela deo pata isso o seu mesmo Capifio,
e outros dois Negros, e pedid, que lhe déixasse alpuing
pesa, que lhe servisse dé lembranca da sua pestda;‘e dos
ortuguezes. Respondeo Nuno Velho, que the daria a
Mais preciosa que havia no Mundo; e tirando a cruz dé
humas contas que tinha ao pescoco, com o chapeo na
mao, a beijou, ¢ assim o fizerao os Portuguezes , que
com elle estavao; e a entregou ao Ancosse, que: com’
igual acatamento a beijou, e o mesmo praticdrao todos
6s outros Cafres. Vendo Nuno Velfto’a ‘veneragao, que
élles mostravio 4 Cruz, mandou logo a hum Carpintei.:
ro, que de huma arvore fizesse huma Cruz de oito pale.
tos de alto, e a deo a Gamabela, explicando-lhé bre-
vemente as virtudes daquella Sagrada Insignia, para que
@ pozesse diante da sua casa; e todas as manhas quan-
do sahisse, a beijasse, e adorasse de joelhos; e s¢ fal-
tnasse saude aos seus Vassallos, ou chuva aos seus cam-
pos, com toda a confianca lha pedisse. O Ancosse, to-
mando a Cruz 4s costas, e despedindo-se dos Portugue-
zee, scguido de mais de quinhentos Negros, a levou 4
sua Aldea, para cumprir o que lhe disserao.
No dia 15 seguirao seu caminho em companhia de
Gamabela , que os quiz acompanhar na primeira jorna-
: 12 ii
93
sarem a calma. Acabada esta, subirio hum outeiro, que
ficava do outro lado, e delle se seguia huma dila
campina , que toda se regava da mesma ribeira, e nella
hhavia muita caga; ¢ em huma vasta alagoa, que se com-
‘municava com a ribeira, nadavao muitos cavallos mari-
nhos, que com os seus rinchos nao deixdréo dormir os
Portuguezes , que se alojarao nas suas proximidades, —
19 sahiréo mais tarde do costumado, pelo income
modo da noite antecedente, ¢ chegdrao a hum brejo, que
os guias disserao estar perto do 1 ate el e alojando-se
ao longo delle, enviou Nuno Velho hum dos guias a
avisar o Ancosse da sua chegada.
No dia seguinte 20 0 mandou visitar por Antonio
Godinho, © qual quando voltou, achou os Portuguezes
ja da outra banda da ribeira descangando do trabalho,
gue haviao tido em passar 0 gado, e deo por noticias,
- que o Ancosse era Capitao do Inhaca, e que lhe fizera
offerecimento de tudo quanto havia na terra. até cheg:
rem ao Inhaca, por saber a. amizade que entre e
existia; e que o navio de Mogambique nao era parti-
do, por quanto poucos dias antes passdrao por aquella
Aldea alguns Cafres, que Ihe levavao mar pated
depois chegou hum Capitao do Ancosse a visitar da sua
parte Nuno Velho, trazendo-lhe dois cabritos, e duas
gallinhas, e apds elle chegou © mesmo Ancosse, que fob
recebido em alcatifa, e confirmou as novidades : dera
_ Antonio Godinho. Apresentou elle a Nano Velho duas
vaecas, e recebeo deste huma tampa de hum copo de
prata, e quatro pedagos de cobre, e hum seu sobrinho
teve igual presente; e com) isto se retirarao, por estar a
sua povoacio longe. O Arraial conservou-se naquelle
sitio, e observando o Piloro a latitude , achou estar em
27° 20', fazendo-se trinta leguas distante do Porto, ent
| que se achava 0 navio.
A 21 pela manha comegirio. a caminhar para a po+
94
voacto do Ancosse, onde esperando achar puias ficis,
‘achdrao 0 contrario; porque guiando-os 0 proprio Ap
cosse, os levou por hum tal rodeio, que voltdréo 20
‘mesmo brejo de que haviao partido. Escandalizado No-
no Velho desta perfidia, pedio-lhe o que lhe tinha de
do, porque jd nio queria delle guias: a final o Ancos-
se, recebendo mais alguns pedagos de cobre, chamou
tres dos seus Negros, e comecou a dirigir o Campo por
hum caminho de aréa cheio ie palmeiras bravas, algu
mas das quaes tinhdo fructo; e sendo ja noite, alojarao-
fe debaixo de hum arvoredo sem agua.
A 22 de manh3, chegando a humas casas, lerou
© Ancosse os donos comsigo , e desviou os Portuguezes
do caminho, mettendo-os por hum bosque, a fim de ex-
traviar algumas vaccas, e fugir com ellas. Passado este
bosque, e huma ribeira, entrérao por outro, mas como
havia grande vigia nas vaccas, indo o Ancosse adiante
com o Lingua, e nao podendo fazer o que pertendia,
sendo o mato mui espesso, que se nao vido Os que tis
nhdo detraz delles, atirou com huma zapaia ao Lingua,
e errando-o, fugio. O Lingua, segurando hum dos Ne-
gros das casas, que estava proximo delle, gritou, e acu
dindo os Portuguezes, prendérao os companheiros daquel-
le; e sahindo do bosque, perguntdr4o aos Cafres, quem
era o Ancosse fugido? A que respondér4o, que era hum
grande Jadrao chamado Bamba , ao qual por temor
acompanhavao. E pedindo-lhes Nuno Velho, que o en-
caminhassem até ao Inhaca, promettério de o farer.
Postos com tudo a bom recado, forao marchando por
hum mato, e atravessando hum brejo, achar3o da ontra
banda bom caminho, que seguirao até 4 noite, e ao lon-
go de hum ribeiro se acampario, nao Jhes faltando le
nha. Esta terra he alagadiga, ¢ de muitos brejos, ¢&
que ja tinhado passado alguns.
' Na manha de 23 passario outro brejo com grande
oS
traballio, porque além de atolar muito, era no meio tio
fundo, que excedia a altura de hum pique. Atravessou-se
este espaco Com troncos de arvores , € cobrio-se 0 resto
com espadana, de que havia muita; e passado elle, des-
cancé4rao 4 sombra do arvoredo. Aqui mandou Nuno
Velho soltar hum dos Negros, para que fosse a sua casa
dar noticia dos outros, satisfazendo-o com hum pedaco
de cobre, ¢ huma tira de panno encarnado; e passada
a calma, marchardo até ao Sol posto, que se alojario ao
de outro brejo. Via-se ao Sudoeste a foz de hum
io, que tinha na Carta o nome de Santa Luzia, e estae
va situada em 28° de latitude 1), 0 qual tinhdo passa-
do o dia antecedente, mas em parte que nao os embara-
gou, por ser longe da sua boca. Neste Rio he que mors
reo affogado Fernao Alvares Cabral, Commandante da
Nao S. Bento.
No dia 24 pela manha descobrirao de hum alto
algumas Aldeas, cujas casas er4o similhantes 4s choue
panas das vinhas em Portugal, porém redondas como
as que até alli tinhao encontrado; os Negros das quaes,
em vendo os Portuguezes, se ajuntdrado em numero de
duzentos. Foi a elles o Lingua, e sabendo serem Por.
tuguezes, vierio logo a Nuno Velho, e o certificarao
de que estava nas terras do Inhaca, sendo aquellas Al-
deas de huma irma sua; e que o navio nao era partido.
Alvorocarao-se todos com esta boa nova, e chegando
ds casas, veio a irma do Inhaca com seu marido visitar
Nuno Velho, que os recebeo como devia, e dando-lhes
humm panno preto, e dois pedagos de cobre, mostrou-se -
roso de o tempo lhe nao dar lugar a deter-se com
elles alguns dias. Desta Aldea, situada onde chamao os
Medios do Quro, se descobria o mar. Passada a cal~
(1) A ponta do Sul da entrada do Rio de Santa Luzia, segunda
algumas Cartas Inglezas, esta na latitude Sul de 28° 2a’.
118
tal a epidemia que assalrou os soldados, e os marinhei-=
ros, que o Conde de Cumberland se vio forcado a aban-
donar a Itha, e regressar a Inglaterra, com perda de |
muita gente, e de immensos cabedaes; porque elle, e
Outros associados fizerao quasi todas as despezas deste
Armamento. | -
_ Em consequencia deste bloqueio, nado passou navio'
algum 4 India , o que foi grande perda para aquell¢ |
Estado, que muito necessitava de soccorros abundan#
tes, e efficazes, pelos armamentos navaes da Hollanda.
Nem havia o menor obstaculo em que as Néos partisn
sem juntas, ou separadas, logo que a Esquadra Ingleza:
desappareceo das Costas de Portugal; ou faltou o zelo,:
ou sobejou o terror panico (1). _
(1)° Neste anno (vede a citada Colleccdo tomo 1.) sahirio de Hol-:
Janda tres Esquadras armadas pela Companhia. A primeira constava da-
seis navios grandes, e dois Hiates; os navios erio: O Mauricio, em-
e bia o Almirante Jaques Cornelisz Van Neck , e por Commandante
vert Jansz, e Commissario Cornelio Heemskerk : o Amsterdam, com
o Vice-Almirante Wibrant Van Wanvyk , e Commandante Cornelio
Jansz Fortuyn ;: a Hollanda, Commandante Simiéo Lambertsz Mau: a:
Zelandia , Commandante Nicoldo Jansz Melk-nass ; o Gueldres, Come |
mandante Joao Bruyn: e o Utrecht, Commandante Jodo Martsz, O Hia :
te grande chamava-se Frizia, Commandante Jodo Cornelitsz; e 0 pee
queno Overissel , Commandante Jodo Jansz Hoen, Esta Esquadra levas.
va quinentos e sessenta homens de guarnicao; e sahio do Teixel no pri-
meico de Maio com destino de ir directamente 4 India, como fez; e
voltou 4 Hollanda em Junho do anno seguinte. :
A segunda Esquadra compunha-se de quatro navios, e hum Hiate, -
cujos nomes erdo: A Esperanca, de 500 toneladas, e 130 homens, no
gual hia o Almirante Jaques Mahu : o Amor, de 300 toneladas, e 110
homens, s.u Commandante Simao de Cordes, servindo de Vice-Almis :
rante: 3 Fé, de 320 toneladas, e 109 homens, seu Commandante Gee -
rard Van Beuningen: a Fidelidade, de 220 toneladas, e 86 homens,
Commandante Jurien Van Eockholt: ¢ o Hiate Feliz Mensagem, de
150 toneladas, e 112 homens, Commandante Sebald de Weert. Levava |
o Almirante Instrucqdes para pessar o Estreito de Magalhaes, a fim de
conhecer se seria mais facil este caminho para a India, do que o do Cas.
be de Boa Esperanca. . . Lo. :
Tomo LI. 15
| Vs
occorrérae de hovo; porque as Marinhas de Inglaterray
guadra 96 0 navio Fé voltou 4 Hollanda depois de vinte e cinco mezes
de penosissima viagem , sem ter feito descoberta alguma importante no
mar Pacifico.
A terceira Esquadra (vede 0 tomo 2. da citada Colleccio), levatie
do as mesmas Instruccées da segunda , constava de dois navios: o Mau- .
ricio, em que hia o Almiraute Olivier de Noort; e o Henrique Frederi-
co, commandado por Jaques Claasz, servindo de Vice-Almirante; e
dos Hiates Concordia, Commandante Pedro de Lint; e Esperanca, cone -
mandado por Joio Huidecooper: o total das equipagens era de 248
snens, O Piloto Inglez Melis dirigia a derrota.
Sahirio de Roterdam a 13 de Setembro. A 10 de Dezembro virgo
a Hha do Principe, onde querendo tomar alguns refrescos, e agua, ds
Portuguezes matdréo o Piloto Melis , e hum irmdo do Almirante, com
alguns outros homens. Retirarfoese os Hollandezes , levando muitos fee
ridos , ¢ doentes: corrério a Costa de Africa; estiverao ancorados nas
proximidades do Cabo de Lopo Gonsalves, e a 26 de Dezembro se po»
werio-a camioho para o Brasil. A 9 de Fevereiro de 1599 surgisfio fée
ga da barra do Rio de Janeiro: pedirio licenca para fazer viveres, e aguae
da; e nao a obtendo, fordo a Ilha de S. Sebastido, onde fizerdo alguma
agua. Gastarfio nisto até 20 de Marco, que vendo a estacéo adiantads
para buscar o Estreito de Magalhaes, tentaraéo ir d Ilha de Santa Hele-
Wa, que nao poderio tomar até 11 de Maio. Dirigiréo-se entio « Ibs
da Ascensio; e a 21 descobririo huma I}ha deserta Cera a da Trinda-
de } em 2° 135/ de latitude Sul, na qual nao achdrao refrescos. A 30
descobririo a Costa do Prasil. No 1.° de Junho ancordraéo em Rio Do»
ce (na latitude de 19° 32’), onde nao fori admittidos pelqs Portu-
quetes. Sahidos dalli, avistdrio no dia seguinte huma Ilha deserta (al>
guma. das de Santa Anna, ou talvez a que forma o Cabo Frio), que tix
arha menos .de huma legoa de contorno, e distava outro tanto da terrs
firme , na gual desembarcdrio os escorbutados, que se restabelectria
quiasi- todos ¢m quinze dias, Partirio desta Ilha a 21, queimando antes
© Hiate Concordia, que nao estava em termos de navegar. A 30 em
¢rarao na mesma Enseada da Ilha de S. Sebastiio, em que primeied
havido estado, e fizerio aguada. | .
A 16 de Julho se pozerio em derrota para o Estreito, ¢ nos fins
de Setembro ancordrio no Cabo das Virgens. Entrdrao depois no Estref-
to, havendo ja perdido cem homens; nelle encontrdréo 0 navio Fé,
pertencente 4 Esquadra do Almirante Mahu; e depois de grandes con-
tratempos , desembocdrio no mar Pacifico. Por ultimo o Almirante
Woort foi o unico, gue regressou 4 Hollanda com o seu navio a 26 de
Agosto de 1607.
15 il
|
&
dividix ice ee
deny cae canines Sct
; Reino, ou ’ Provineia,: que corria com as do seu
_ armamento; © assim se dizia:
. rab Dlachidlivctien gfitcbadententsiiea’
meral, e seu Almirante subordinados a ‘em Che
t
_ fe da Marinha, que: se: intitulava Capitdo Genera)
Mar Oceano; mas raras vezes os navios
ape or Seaeeinanlay vicaab amadnasdatvend
tinhao. as precedencias entre aquellas
ne Porngl 2 de Cut ea a ec ae ielsde p>
139
‘Antes da greacdo destes Tercos guarnecido-se os naviog
de guerra Portuguezes com gente collecticia, reunida-
para aquelle momento, e concluido o embarque, retira~
va-se cada hum para sua casa; e desta maneira faltavéo
Officiaes ,.e soldados veteranos quando se querifo.. Asy
sim a creacao destes dois Corpos foi huma idéa feliz. |
As Capitaneas das Ngos da carreira da India, quans
do.estas faziao Esquadra, estavao no uso de precede
rem, mesmo nos mares da Europa, 4s Capitaneas dag
Esquadras de Portugal. Ventilou-se este objecto na Cor-
te de Madrid, em huma Junta de Ministros Portuguezes
de Guerra , e de Estado, e resolveo-se conservar-lhe esta
preferencia, pelo fundamento, além de outros, de que
a bandeira das Capitaneas da India nao era huma Insie
gnia Real, mas sim huma Insignia Religiosa, ornada
@om a Cruz de Christo (a bandeira das Ndos da India.
tinha a Cruz vermeltha da Ordem de Christo por baixo
do escudo das Armas Reaes), a cuja Milicia competia.
todo o dominio util das Conquistas Orientaes; e por con-
- gequencia, huma Insignia quasi Sagrada, e Ecclesiasti~:
‘©a, nao podia ceder a outras Insignias, ainda que So-
beranas, simplesmente Seculares. -
_ Durante este Reinado sahirao0 de Lisboa para o
Oriente cento e vinte e quatro Naos, ou Galebes, treze
Ureas, sete Patachos, e seis Caravelas. Destes naviog
atribérao para Portugal vinte e quatre Naos, e hum Pa~
tacho; e sepguirio viagem cem Naos, treze Urcas, seis
Patachos, ¢ seis Caravelas. Nauwfragarao na sua ida pae
ya a India dez Naos, duas Urcas, e hum Paracho; e
na torna-viagem nove Ndos, e duas Urcas. Forao to~-
madas, ou. queimadas 4 ida cinco Ndos, e huma Ur"
€4; ¢ na torna-viagem duas Ndos. ‘“Fotal 32 vasos per~
didos; cujo valor nado se pdde calcular em menos de vine
te e cinco milhdcs.
Falleceo ElRei Filippe IIL. em 1623.
131]
Estas duas Esquadras se reunirfo-em Mocambique;
e chegdrio a'Goa nos principios de Setembro, excepto:
a Nido. Castello, que se perdeo no parcel de Sofala, jun-:
to a Quilimane; e ainda que se salvou quasi toda a gen-:
te em terra , fallecér4o alli. muitas pessoas de. enfermi~.
dades, em que entrou o seu Commandante.
- 1600. + A Esquadra da India -(1) constou de quatro
Nados, em que foi o Vice-Rei Aires de Saldanha em=
barcado em a Néo S: Valentim (que 4 vinda a tomdrao.
os Inglezes ancorada na Ericeira); os outros Comman< _
dantes erdo Fernao Rodrigues de Sa, no S, Francisco;
Gaspar. Palha, no S. Filippe 5 e Gonsalo Caldeira, no
S. Joao @).
b
x0, e forio. tomar o da Ilha de Anno Bom, cujos moradores lhes forne-
otrdo refrescos. Depois destas extraordinarias escalas , pozerdo-se em dere
sota para o Cabo de Boa Esperanca.
A segunda Esquadra constava de oito navios, commandada pelo Ak
mirante Pedro Both, embarcado em 0 navio Paizes Baixos, Sahio de Hole
landa a 21 de Dezembro; passou a Linha no 1.° de Fevereiro de 1600,
© dobrou o Cabo de Boa Esperanca a 27 de Marco.
Ci) Couto, Decada 12. Liv. 5. Cap. 8. — Epilogo de Pedro Bare
reto. — Discurso sobre los Commercios,
(2) Neste anno (vede a Colleccio jd citada, tomo 2.) mandou a
Companhia de Hollanda huma Esquadra de seis “havios para as Indias
Orientaes , commandada pelo Almirante Jaques Van Neck , embarcado
em 0 navio Amsterdam , e os outros erao o Dordreget, o Harlem, o
Leide, o Delfer, e o Hiate Gouda.
‘ Sahio a Esquadra a 28 de Junho: a 13 de Agosto vio a Ilha do
Miaio., e a 24 de Setembro passou a Linha. A 28 virio huima Jlha, que
onidéeso, ser a,de S. Mattheus ; .mas surgindo nella no 1.° de Outubro,
achasdo ser a de Anno Eom (0 que fazia hum erro de duzentas e sessen-
ta Jeguas) , cujos moradores, receosos de algum ataque, consentirao que
zessem os doentes em terra, e lhes forneccrio agua, e€ reforcos: pate
girdo dalli no dia 10, havendo-se restabelecido quasi todos os enfermo’,
e dobririo 0 Cabo de Boa Esperanca a 20 de Dezembro, .
- Com esta mesma Esquadra partirao de Hollanda, com destino a0
Achem, os navios Aguia Branca, e Aguia Negra, ambos de 600 tone-
Jadas , ¢ separando-se della, virao a 11 de Agosto a Ilha da Boa Vista
AS de Setembro encontririo a Esquadra de Van Neck, ¢ navegdrdo uni-
Tomo 11. I6
123
tar-lhe que se chegasse mais perto , porque ho a ou
visio; mas os da lancha fizerdo cea-voga, e se retirdrao,
. Qs Hollandezes comegarao entéo a bater a Nao
com muita furia, matéréo dois homens, cortéra0o o mas
tro do traquete, e quasi |he destrufr20 as enxarcias, e hy»
ma bala passou obliquamente o mastro grande. A equi-
pagem do S. Simao, vendo similhante destrogo em pou-
cd tempo, desanimou-se,; e€ muitos homens, desampae |
rando os postos, corrérao 4 borda da Ndo da parte d’on»
de estava o Caravel4o, para se passarem a elle, e fazere
se 4 véla, por ser embarcacao mui ligeira. Porém Dio-
go de Sousa os fez volver a seus postos, ora affrontan-
do-os de palavras, ora persuadindo-os a defender-se c6-
mo verdadeiros Portuguezes, affirmando, que para aquel-
das-duas Ndos bastava a sua. Com effeito a sua arti-
heria, sendo bem servida, matou muita gente aos Hol-
dandezes, e lhes fez taes- avarias, que alando-se pelas re~
geiras, ficarao pela sua proa, d’onde o podiao offender
com menos risco. | 7
O Mestre do S. Simao, homem experto, e habil
‘marinheiro, metteo na Jancha hum ancorote, e foi dar
huma espia, sobre a qual a Nao se atravessou, apresene
tando o costado aos inimigos, e deste modo se batérao
©8 tres navios por muitas horas, até que a final os Hol-
Jandezes largarao as amarras por mao, e fazendo-se 4
véla, fugirdo.
-. » Os Portuguezes desembarcarao, e apfoveitarao-se
para a sua aguada das pipas, que os Hollandezes tinhao
em terra para o mesmo fim; e na Ermida acharfo hum
detreirg, que elles alli pozerao para as-outras duas Ndos,
que ficavdo no Achem carregando, em que lhes faziae
saber, que os Javos os retiverao seis mezes cativos, até
chegarem outras duas Ndos, que os fizerao pér em liber-
dade. A raz4o desta prisao havia procedido de que.estas
duas Ndos forio carregar a Sunda, e todas as patacas
16
14
que levavo ero falsificadas ; e. tendo comprado com d-
Jas muitas drogas, vierao os Javos a conhecer a falsida-
de, e prendérao todas os que achdrao em terra, e os
conservdrao presps quatro, ou Cinco mezes, até que che-
ga4rao outros dois navios da sua conserva, e derdo aos Ja-
vos outra moeda de lei.
Sahidas de Santa Helena as duas Ndos Hollande
zas , concertarao os Portuguezes a sua Ndo; e a rrinta,
cinco dias depois da accao, surgio na Ilha a NioSe
nhora da Paz; aos 3 de Maio a Conceigdo, e a 16 0
S. Roque com o Chefe da Esquadra D. Jeronymo Cou
tinho. Neste mesmo dia apparecérao as outras dus
Nios Hollandezas, que esperavao do Achem; e indo
demandar o surgidouro, como virdo a Esquadra Port
ueza, fordo ancorar na ponta da Ilha, onde ficavao a
Farlavento; e D. Jeronymo preparou-se para as ir ata-
car, emo vento lhe dando lugar. A’ baca da noite veo
a Nao S. Martinho buscar a Ilha, e deacobrindo as dus
Ndaos Hollandezas, cuidou que erao da sua Esquadra,
e por ndo perder tempo na Ilha, seguto derrota para 0
Brasil , onde fez agua, e mantimentos na Bahia, e re
gressou a Lisboa.
* QQ Commandante das Nios Hollandezas, veado que
nao havia agua na ponta da Ilha, onde estava , mando
huma Carta a D. Jeronymo Coutinho, em que the disia:
99 Que elles erao Christus, e vassallos de hum Principe
»» amigo da Hespanha,; que erao mercadores , que bee
9» cavao sua vida pelo mundo; e como tinh4o necesside
9 de de agua, lhe pedi#o licenga para a mandae faser
9» nas suas lanchas.»» Respondeo D. Jeronymo, que pois
erio Christaos, e amigos dos Pertuguezes , fessem ance
yar junto. delle, e alli fariao agua a sua vontade.
Os Hollandezes, percebendo a astucia, nao quizerio
mover-se, e ficdizo alli mais cinco dias;. mas a 25 de
Maio chegou D. Vasco da Gama coma No S, Ma-
126
theus , e a tiros de canhao fez desamarrar os Hollande-
zes, que de noite se fizerao 4 véla, e desapparecérao.
‘-Apressou D. Jeronymo a aguada do S. Mattheus, e sahio
com a sua Esquadra a ver se ainda podia alcangar os
Hollandezes; o que nao péde conseguir, e assim nave
gou para Portugal, onde chegou a salvamento.
1601. — Neste anno (1) determinou ElRei mandar
4 India duas Esquadras. A primeira de tres Ndos, come
“mandada por D. Francisco Tello, embarcado no S. Ja-
.cintho; e os outros Commandantes Sebastiao da Costa,
‘ma Senhora da Paz; e Constantino de Mello, no S. Ro-
que A segunda Esquadra, commandada por Antonio
e Mello e Castro, constava de seis Galedes: O Sao
. Tiago , em que elle hia; a S. Jo#a0, Commandante Jor-
er de Moura; o Salvador, Commandante Francisco de
iranda Henrique; o S. Mattheus, Commandante Dio-
‘go Paes Castello; o Santo Antonio, Commandante’ Ma-
noel Paes Viegas; e a Senhora da Bigonha, de que nao
achei o nome do Commandante. Esta ultima Esquadra
Jevava gente, municdes, e dinheiro para remediar as ne-
cessidades , que padecido os Estados da India (2). _
. (1) Epilogo de Pedro Barreto. —- Faria, Asia Portugueza. — His-
toria ‘Tragico-Maritima, tomo 2. .
(2) Neste anno (vede a citada Colleccé0, tomo 3.) sahirio de Hol-
Tanda tres Esquadras para a India. A primeira commandada pelo Almi-
sante Wolphart Hormansen, constava dos navios Gueldres , em que elle
embarcou , de 250 toneladas; a Zelandia, em que hia o- Vice-Almirante
Hans Hendricksz Bouwer, de 400 toneladas, o Utrecht , de 240 tonela-
,das; e os Hiates Gardien, de 1203 e outro de 50 toneladas, |
A seguoda Esquadsa compunhase dos navios Amsterdam, Enchuise ,
_ Alckmaar, Ledo Negro, Ledo Branco, Ledo Verde , Leio Vermelho, e
Pombinha; repartida em duas Divisdes, 4s ordens dos Almirantes Van
Heemsketk , e Joio. Grenier.
A tesceira Esquadra era composta dos. navios. a Ovelha, em que lee
vava a sua bandeixa o Almirante Jorge Spilberg; e¢ o Carneiro, Come
maandante Guion le Fort ; ¢ do Hiate o Cordeiro, commandado por Guir-
Meesme Jansz.
(3126
Como nao foi possivel apromptar ao mesmo ten
_ SahirZo as duas primeiras Esquadras a 22 de Abril, e a 20 de Asap
#0 chegdrdo 4 altura do Cabo de Boa Esperanca, bavendo-se na vagem
separado a segunda.
Spilberg partio de Hollanda a 5 de Maio, a 29 vio a Madeira, 2
31 a Palma, da qual se dirizgio a Cabo Branco, que reconbeceo a 4 @
‘Junho, e a 10 ancorou ao Sueste de Cabo Verde. Deixando alli os seus
dois navios, passou para o Hiate, em consequencia de ordens da Com-
pavhia, e foi a Porto Dale, entdo aberto ao Commercio de todas as Ne
G6es. Achou neste Porto tres Caravelas Portuguezas mercantes, com 3
quaes teve hum combate , de que sahio ferido; e na sua retirada os Ne
gros da terra assaltirio a lancha do Hiate, em que elle hia, e o firrio
ptisioneiro,, conduzindo-o a Rufino, onde estavio algumas embarcacies
Francezas , que o livrdrio das maos dos Negros. Recolhido fiualmente
a bordo da sua pequena Esquadra, voltou com ella a Porto Dale, faa
se vingar das Caravelas, de que achou sé huma, que tomou, e toram
e largar por concerto, que fez com alguns Portuguezes estabelecidas
maquelle Porto.
Sahio daqui a 20 de Junbo, e a 11 de Julho achou-se a tres legos
de Rio de Cestos (*), ¢ determinou ir 4 Ilha de S. Thomé a busi
alguns refrescos ; mas a 26, avistando a Ilha de Anno Hom, ancos
nella, Para enganar os moradores, disse-Jhes, que tinha licenca d° ERei
de Hespanha para ir ao Brasil; porém vendo logo descoberta a sua fal
dade, tentou desembarcar com cento e vinte homens debaixo da pro
teccdo dos seus navios ; empreza em que foi rechagado. Partio desta Tihs
a 29, ea 31 vio ade S. Thomé, na qual lhe succedeo o mesma Em
consequencia destes acontecimentos , atravessou para o Continente, € 3
3 de Agosto ancorou na Ilha do Corisco. Sahio a 11 para o Cabo delo
po Gonsalves, em que deo fundo a17. A 30 fez-se de véla, ¢ &
nalmente reconheceo o Cabo de Boa Esperanca a 28 de Novembro.
Seja-me permittido dizer aqui por antecipacio, que tendo Spilberg
affirmado ao Rei de Candia, Que os Hollandexcs erdo os verdadeires
Christdos , e os que tinhdo o verdadciro Dees nos scus coragées 5 2a
teceo pouco depois aprisionar no Porto de Matecald , situado na mesas
Ilha de Ceilao, tres embarcacies mercantes Portuguezas , cujas ecvipr
(*) Este Rio esta situado na Costa da Malagueta na Jatieude XN. ¢°
$7'3 e longitude 9° 8’. He muito estreito, e sh capaz de pequenss em-
cagdes , mas as suas margens sio povoadas de muitas Aldeas, onde ha
abundancia de arroz , e outros inantimentos: a Costa be por aqui mm»
to aparcelada.
127
po tantos savios, sahirzo successivamente desde 11 até
27 de Abril; e arribdrao para Portugal as tres Ndos do
commundo de D. Francisco Tello, e os Galedes Bigo-
nha, e S. Mattheus. | .
Antonio de Mello levava debaixo da sua bandeira
as Frotas do Commercio destinadas para Africa, e Bra-
sil, que largou nas paragens convenientes; e seguindo
Viagem com os quatro Gale6es, que restavao da sua Es-
quadra se apartou voluntariamente na altura das Ilhas
e Tristfo da Cunha o Galefo Santo Antonio, que se.
foi perder em Socotora, onde morreo quasi toda a gen-
te; e o seu Commandante Manoel Paes Viegas, embare
cando-se para Goa com os que haviao escapado, nunca
mais appareceo. Os outros tres Galedes forao a Goa.
1602. — A Esquadra da India (1) foi este anno de
seis Ndos (2), commandada por D. Francisco Tello,
gens chegavioe a cem homens, rela maior parte marinheiros Indios. Des-
tes recebeo elle a seu bordo alguns, que acceitario o servico Hollandez <
dos outros mandou huns poucos de presente ao Rei de Candia, inimi-
go capital dos Portuguezes, ¢ mandou deitar 0 resto ao mar. Tal he
©-facto narrado no Jornal de Cornelio Jansz Vennip, PHoto do seu pro-
prio navio. — Vede a mesma Colleccao no tomo 2. jd citado.
_ €1} Faria, Asia Portugueza, —— Epilogo- de Pedro Barreto,
- (2) A Companhia Hollandeza mandou este anno 4 India. huma Es
adta de quatorze navios, e hum Hiate, commandada pelo. Almirante
W ybrandt Van Waarwik (vede a citada Colleccéo , tomo 21), tendo
por Vice-Abmirante Sebalde de Weert ; os navios eri0; © Mauricio (ens
gue hia o Almirante) de 800 toneladas; a Zelandia, de 800 tonela-
das; @ Hollanda, de 700 toneladas; o: Nassau, de 680 toneladas; o Sal,
de $00 toneladas; a Lua, de 500 toneladas; o [lessingue, de 500 to-
meladas; o Erasmo, de 500 toneladss; o Jardim de Hollanda,. d 400
soneladas ; a Estrella, de 360 toneladas; a Virgen de Enchuwise, de 340
toneladas; o Ganso ,. de 280 toneladas; a Coneordia, de 240 tonelas
@as; o Rotterdam, de 260 toneladas 3 e o Hiate Pombinha, ce 50 to»
neladas. Estas embarcacdes hiao bem artilhadas, e levavao mais de mil
homens, |
A 13 de Maio sahio primeiro de Hollanda o Vice-Almirante Wee
coon tres navios, @.a 17 de Junho o Almirante Waarwik com ¢ reste
128
embarcado em a Ndo S. Joo; e os outros Commandan-
tes Sebastiao da Costa, na Senhora da Paz; Sebastizo
Macedo de Carvalho, no S. Francisco; Constantino de
Mello, no S. Roque; Vicente Paes Castello Branco, 9
S. Mattheus; e Vicente de Sousa, no Galefo Conceicio,
Sahio a Esquadra de Lisboa'a 25 de Margo, e che
gou a Goa no mez de Setembro. .
Determinando-se em Goa (1), que 0 GaledoS. Tia
go voltasse carregado para Portugal (ainda que consmi-
do para a guerra), deitarao-lhe hum entrecostado para
o fortificar, e metterao-lhe no porao quatro mil quit
taes de pimenta, e nos baileos, coberta, convéz, tol
da, tombadilho, e até dentro da lancha, e 4 roda doce
brestante er2o tantos os caixotes, e fardos a cavalete,
que nao podia passar hum homem entre elles; e ainda
nao satisfeitos desta espantosa carga, pozerdo fardos, e
camarotes de vento nas mezas , e em posticas armadas
por fora do costado , de maneira que o Galeao vinha en-
terrado no mar, e era impossivel marear oO panno em
qualquer momento critico. Em recompensa nfo tinha
partido da India desde muitos annos hum navio tio im
portante.
A 25 de Dezembro de 1601 sahio Antonio de Mel-
lo e Castro no Galedo com perto de trezentos homens,
entre marinheiros, soldados , e escravos; e além destes,
vinhdo trinta Fidalgos , e pessoas nobres , como ero D.
da Esquadra. A 24 de Julho descobrio a Madeira, e€ a 3 de Agosto 3
Ilha da Boa Vista, A 23 achou-se junto a0 Cabo das Palmas, e a5 de
Setembro reconheceo a Ilha de S$. Thomé, que néo péde tomar, A1}
vio o Rio de Gabio, e a 24 ancorou no Cabo de Lopo Gonsalves, pm
ra fazer agua. Sahio a 28; a 11 de Outubro chegou d Iiha de Ano
Bom, onde por forca de armas, e com perda de gente, fez seuada, co
Iheo algumas fructas, € queimou , e saqueou tudo quanto pdde alcapar.
Largou desta Ilha no dia 21, ¢ a 12 de Dezembro dobrou o Gabo ds
Boa Esperanca.
- (1) Vede a Historia Tragico-Maritima, tomo =
do, p or serem effeitos es eat attett c a1
| : A.) qe ~~. aa at a Pie Hed
scabs hd Tadir stave oderem defender,
. = wlll eee a fied v enh ee wk “— ‘- ties:
: Shred , On ok Bs
eaten 2
ce ae _— rat OF
at Brow te eI cnad Wt ed
rig aed llc 5 i ag ain
_*
—
==
‘332
consequencia expedio logo huma lancha com hum trom
beta a fallar aos Portuguezes, e foi-se entretanto fazen-
do 4 véla com a sua Nédo, e mais outra, deixando a ter-
¢cira no ancoradouro. A lancha fallou de largo, sm
ge perceber o que dizia, e retirou-se logo, porque isto
era artificio para entreter 0 Galedo, que foi dar fundo
no Esparavel , onde ao mesmo tempo surgirao as duss
Nios Hollandezas, que forgande de véla, baviao ganbs-
do barlavento, vindo com bandeiras, e famulas, cocan-
do as trombetas, com a artilheria fora, e morres acce-
sos. SimZo Peres, Mestre do Galeio, bradonu a Anto-
nia de Mello, que n4o consentisse os inimigos naquelle
lugar. Antonio de Mello atirou-lhes bum tiro, a qe
elles respondérdo com toda a artilheria, e@ assim se nx
vou huma furiosa batala a tio de arcabuz, arma de
que os Portuguezes usirao todo o dia, mas com poun
effeito, porque dos inimigos nao apparecia pessoa algu-
ma descoberta , pers boas trincheiras que traziaZo. Ver
do Antonio de Mello, que na posicdo em que estara,
Ihe nao servia huma parte da sua artidherie ,
dar huma espia em terra pela pops com que @ Galeio
Se atravessou; e Sentindg os Hollandezes oe damno,; #
fizerdo 4 véla, e no outro bordo vierao- surgir em tal
sicio, que hum dos seus navios ficava pela prda do Gz
lefo. ‘Com esta vanzagem pelejirao todo o. dia, haver
do de. parte a parte muitos mortos, e feridos, entre os
uaes foi hum Francisco. de Mello e Castro, que estat-
@ no. convéz apontando huma pega, cufa guarnigio o
tinha desamparado, recebeo treze mortaes feridas, e per
deo hum olho pelos estilhacos que levantow huea bala,
que atrayessou os costados. E estando cahido sem accor
do, querendo D. Pedro Manoel encobrir a sew pai este
triste successo, nado pode, porque como elle acudia 2 to
das as partes, veio logo alli, e cuidando que o filho o
taxa morta, leyantou a voz, e disse: Sesbares , abt
148
Carrio; e os outros Commandantes D. Luiz de Souss,
tha Salvacio ; Pedro de Tovar, na Oliveira ; Miguel Cor-
rea Baharem , na Ajuda; Christov4o de Sequeira Alra-
renga, na Palma; e D. Pedro Mascarenhas, na Conceicéo.
Levava o Vice-Rei debaixo da sua bandeira outra
Esquadra de seis Galedes, e duas Urcas , destinada pera
ficar servindo na India, a qual era commandada por D.
Christovio de Noronha , que hia servindo de Almirante
no Galedo Santo Antonio; e os outros Commandaste
erfo Diogo de Sousa de Menezes em outro Galeio da
invocac#o de Santo Antonio; D. Diogo de Almeida, no
S. Bartholomeu; Francisco Pereira Sodre, no Bom Jess;
Manoel da Silva da Cunha, no S. Joo Evangelist; ¢
D. Constantino de Menezes, no Santo Espirito. Ma-
foet de Frias commandava a Urca David; e Manoel
de Matos,-a- Urca S. Marcos.
Esta Esquadra navegou com pouca ordem, como
fazido quasi todas. A Ndo Conceicgao, e o Galedo Seno
Espirito arribarao. O Vice-Rei falleceo de doenca no dia
15-de Maio, e o seu corpo foi remettido para Porter
na Urca David. Em consequencia tomouw D. Christorio
de Noronha o commando em chefe das duas Esquadrs,
e mudou a sua bandeira para a Nao Monte do Carmo,
fa qual invernou eth Mogambique, 0 que tambem fne-
r8o os dois Galedes do nome de Santo Antenio, o Sio
Bartholomeu, e a Urca S. Marcos; que todos no anno
seguinte passirdo a Goa. As Naos Salvacdo, e Palms
naufragarao, a primeira junto a Mocambique, e a sepun-
da em Angoxa , salvando-se a gente de ambas. A Nio
Ajuda perdeo-se na Costa da Mina, por ma na vegacao.
A Néo Oliveira foi incendiada pelos Portuguezes nos
Ilheos Queimados , para evitar que a tomassem os Hol-
Jandezes, como tomario o Galeio Bom Jesus deffonte de
Mocambique. Na torna-viagem foi a pique em Ceiléo
© Galeao S. Bartholomeu. j
148
tres Ndos; commandada por D. Antonio de Atzide, na
Guadalupe; ¢ os outros Commandantes Antonio de Mes-
donca, no S. Filippe; e Francisco Correa , na: Piedade,
Sahio de Lisboa a 20 de Margo: a Ndo Piedade
chegou 2 Goa a 9 de Setembro, e as outras duas a 12.
A 3 de Outubro parrirdo de aviso para a India duas
Caravelas: o Santo Antonio. commandada por Antosio
‘de Abreu , com destino a Malaca; e a Esperanca, Con
mandante André Coelho, para Goa, onde chegérao am-
das em Maio do anno seguinte, havendo invernado em
Moca mbique.
. & 17 de Novembro sahio de Lisboa o Galego Sio
Jo&o Evangelista, Commandante Antonio Pinto da Foa-
ceca, com o novo cargo de Visitador das Fortalezes da
India: invernou em Mocgambique, e em Setembro do
anno seguinte chegou a Goa.
- 1612. — A Esquadra deste anno (1) -foi de tres Néos,
commandada por D. Jeronymo de Almeida , embarcads:
em a Nazareth; e os outros Commandantes Christovio
de Sequeira Alvarenga, na Senhora do Carmo; e D. Luiz
da Gama, na Senhora do Cabo.
Sahio a ro de Abril D. Luz da Gama, invernoe
em Socotord, onde Ihe morrério de enfermidades qu:
trocentos homens. As outras duas Ndos chegar3o a Goa
em Setembro; e na volta para a Europa combatério na
Ilha de Santa Helena, com quatro navios Hollanderzes,
de que mettério hum a pique, e vierio a Lisboa a sal-
_ yamento.
1613. — A 29 de Janeiro (2) partio de Lisboa com
avisos para Malaca o Patacho Senhora dos Remedios,
commandado por Belchior Rodrigues Cardoso, que che-
(1) Epiloge de Pedro Barreto. — Faria, Asia Portusueza
(2) Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, na Asia Portuguen d+
wersifica de Barreto.
; 967
| ‘as
. Panpenge peouundegeraviva Peis Se SAU Fal
abt t-emovg sath ss euepmnase ch arteee Natinw:
r bs gual achou w'aito pe
ie
168
pelo Cavalleiro de Racily, e cem Indios frecheiros,
com a artilheria necessaria para formar o sitio do For-
te. :
Jeronymo de Albuquerque partio logo com o Ea
genheiro Mor, 0 Capitio Manoel de Sousa d? Ega, se
tenta e cinco Soldados, gente escolhida , oitenta frechei-
ros Portuguezes, Soldados velhos costumados ds guer-
ras do Brasil, ¢ alguns Indios. Ficou no Forte o Capi-
tio Manoel de Brito Freire com trinta Soldados, e ma-
rinheiros, e todos os doentes. Dingo de Campos mur-
chou pela praia com alguns Portuguezes, e cem Indios
commandados pelo valente Capitio Madeira, ao qua
ordenou, gue quando o visse accommetter de frente os
inimigos , atacasse os Indios que !hes cobrido o flanco;
€ ao mesmo tempo chamou do Forte o Capitgo Grego-
rio Fragoso com a sua Companhia, de que formou hum
pequeno corpo de reserva, mandando-lhe, que seguisse a
retaguarda dos seus Indios, para lhes dar calor, e apoiar
© ataque do flanco.
Feitas estas disposic¢6es, esperava Diogo de Cane
pos que Jeronymo de Albuquerque comecasse o assalto
do monte, quando vio saltar na praia hum Trombers
Francez, que trazia huma carta de Mr. de Ravardiere,
e abrindo-a, achou que era huma intimag4’o a Jeronymo
de Albuquerque, para se render no espago de quartz ho-
ras. Chegou logo o Alteres Manoel Vaz de Oliveira,
enviado pelo General a saber o que buscava o Trombe-
ta; e Diogo de Campos, mandando-lhe explicar a sub-
stancia da carta, accrescentou, que principiasse a acsio,
como estava assentado, que clle hia fazer o mesmo. Je-
ronymo de Albuquerque marchou aos Francezes com
grande coragem, e Diogo de Campos assalrou as trin-
Cheiras da banda da praia cdém tanto vigor, apoiado pé-
los Indios, do Capitao Madeira, e pelo ataque de flaa-
co do Capitde Fragoro, que os Indios inimigos que a8
-
1
i
. _
tures
|
176
ez-3= t2e 2 tio de pistola da N4o’S. Julito, ea salvou
om tages ce trombeta, a que lhe respondérdo com igual
witet zi: 2. |
O Akc:rante Hollandez enviou entZo hum escaler
z sez ferdo, requerendo que D. Manoel. de Menezes
ate ‘oss: fallr. Escusou-se elle, e havendo mandado
cz=tem bem Official a bordo do navio -Carlos , este
Sz:240 cegressou Ihe disse em publico, que qualquer
rccriles mavios era capaz dé sé bater com a sua Ndo,
c2 22 D. Maaoel o reprehendeo asperaimente. O resii-
acy Jestas mensagens foi travar-se hum furioso comba
te. re crincpio do qual huma bala de arrilheria partio
mig meio o Almirante Hollandez. Soccedeo-lthe o su
smccadizto no commando do navio, que depois de meia
bee2 de acgio, se retirou do fogo, e fez signal de cha-
vs2z 2 comviho. AjuntarZo-se a bordo do Carlos os or
ses Com:-eancantes, e instalarao por Almurante o C2
riko Hear-eze.
etreranco continuou D. Manoel a-sua- navegac20;
© como era ii noite, accendeo farol aos Hollandczes,
cue o semnrio, ¢ foi dar fundo na Ilha de Mohilia (1'.
Qs HeNinwezes ancorario proximos delle. No dia se
sive andre a tande, havendo reparado’ do modo poss
rer zg avarias da sua Nao, se fez 4 véla, e apds delle
es Hetusteres; e anoitecendo, accendeo D. Manoel o
Sr. TAO], COAIO que Os provocava ao sepuirem. Pela
wr- =i travan-se hum porfiado combate, em que os fa-
tics Hoaxleres se revezavio huns aos outros. Em bre
we acusa de rempo o novo Almirante recebeo huma fe
-cx snoctet; ¢ 0 Master, e alguns marinheiros for
eoctos Durou esta desigual batalha até ds tres horas
Sz tance, @R achanio-se a Ndo S. Juligo sem mastros,
em —
amar 9. he fi eee ae! a
a
et gas CaF ~ =.
: Para Nt en omar Banc
doieShei Prwbte 2 ye
a. hel 1h ales
¥78
Dangaips pars: transportar os-naufragantes a Mocambi-
que ,.e Ihés fea resticuir joias mui vicas das que tinkéo
salvado; Ensbercou finalmenre D. Manoet noe dois Pan-
grice, ie@-passou 2» Mocambique, onde ancorou..a 4 de
tembro ; e dalli foi a Goa emvoutras embareagrées,
- 36U7.: +i Bsee anno (1) foi pasa Vide-Rei da Iaiis
o Conde doRedondo -D. Joto- Coutinhe.: Constava a sua
Esquadra das Néos: Penha de Franca, em que elle em-
barcou; a Guia, commandada :por Nuno Alvares Bote-
Iho, que servia de Almirantes a Senhora do Cabo, Com-
mandanee Lancarote da Franca de Mendonca; e 0 G2-
leSo::Santo Antonio , Commandante JoZo Pereira Corte
Real; huma Caravela, commandada por D. Jodo de Al-
meidas e hum Patacho, de'que era Commandant D.
Nuno Soutomaior. te ,
Suhio-de Lisboa 0 Vice-Rei a 21 de Abril: save-
Esquadra -espalhada, mas toda entrou em Goa de-
ie 20 de Outubro at¢:17 de Novembro , menos o Pate
cho, que da alrura do Cabo de Santo Agostisho arribor
para Portugal. 3 oT
1618. — A uadra da Indra (2) fot este anno de
tres Ndos, ¢ duas Urcas, commaridada por D. Christo-
vo de Noronha, embarcado ema Ndo S. Carlos. Qs
outros Commandantes de Ndos erao Jo#o Rodrigues Ro-
x6, que servia de Almirante; e Jo#0 Soares Henriques.
Commandava a Urca S. Francisco, D. Luiz de Menezes;
e: Manoel Ribeiro a Urca S. Sebastiao.
Sahio a Esquadra a 16-de Abril, e navepou derra-
mada. A Urca S. Sebasti&o encontrou sobre a Itha de
S:. Lowrenco seis navios Inglezes, que a aprisiondrdo; e
sabendo gue pertencia 4 Esquadra da India, ficdrdo alli
cmzando até que appareceo D. Christovio de. Noronha.
(1) Epilogo de Peden Barreto. — Faria, Asia Portugueza,
(2) Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, Asia Portuguesa
arro
$- wat a
180
" Wedas; forriecidas de viveres. para dez mezes, armada ca:
Ua hinma’ de quatro canhées , quatro pedreiros , trinta
Mosquetes;vinte prqtes, cas muni¢Ges hecessarias. Con-
efava 4 equipagem de cada huma de qtrarenta marinhe-
ros todos Portuguezes, sem levarem soldado algum, aos
quaes se pagdrio dez mezes de soldo adiantados, Hiio
por Pilotos’ ioge Ramires de Arellano , que depois foi
Cosmografo, ¢ Piloto Mor; e Joio Manco, ambos Hes-
anhoes. Chamou-se a primeira Caravela , Senhora da
tocha, ea segunda Senhora do Bom Successo.
A 27 de Setembro deste anno de 1618 sahio de
Lisboa o Capitio Bartholomeu Garcia com as duas Ci-
ravelas , e navegando. ao S.O. com ventos do quadran-
te do N.E., achou-se no dia seguinte raxado junto a0
calcez o mastro grande da Caravela Bom Successo, cuja
' avaria remedidréo enrocando o mastro com vergontess
de sobrecellenre
A 30 pela manha avistdr4o a Ilha de Porto Sante,
havendo sempre seguido o rumo de S.O.- Logo
montarfo a Ilha, forfo a O.S.O. até passarem a Me.
deira , que tornio ao S.O. até ao 1.” de Outubro,
que ao meio dia achdrao 31° 40’ de latitude. A 2 n2-
vepirfio ao S. 4.S.0., e a0 $.S.0., vento constante 40
N.E., e tiverao de latitude 30° 40’. . :
A 3 virdo a Ilha da Palma, e navegdr4o pelo rumo
de S. 4.8. O. até ao dia 10, que trverao de latitude 13°
e 40’, e julérao demorar Cabo Verde a E.4.N.E., e
a Ilha de S. Tiago a O.N.O. Continuérao o mesmo
rumo a rr com o vento N.E., ¢ achdérao zx° 30) de lz-
titude.
A 12, passando a noite ao S.O., navegdrzo 20
S.S.E., ¢ assim continudr§o até 14, que tiverao 8° 48!
de latitude. A 15 fordo a0 S. 4.8.0. com vento O. bo
nanca. A 16 navegario ao S. com vento O.S.0O., ¢
observdrao 5°55’ de latitude. Até 20 achdrde venms
388
§3° 13’), que-se communica.com o Estreito de Maps-
Zes.. A 22 entrarfo. -no Estreito de le Maire, a gee
pozerfo nome de S. Vicente, e por elle continuarao pz
ra o Sul, desembarcando algumas vezes para commuai-
ear com os indigenas, aos quaes virao Comer hervas, ¢
sardinbas cruas.
o 1.° de Fevereiro estavao em 56° de latitude,
tempo muito escuro, e no dia 5 pela manhda virao 0 G-
bo de Horn (em 55 56’); em distancia de cinco lepus,
e lhe derao o nome de Santo Ildefonso ; tiverZo a0 meio
dia de latitude 55° 50’. Continuando a sua derrota 20
Sul, descobrirao no dia 10 a Ilha de Diogo Ramires
em 56° 40’). A 138 estavdo por 58 30’ de latitude,
"onde navegdrao a rodear a Terra do Fogo pela parte
de Oeste, para entrarem no Estreito de Magalhies pe-
lo mar do Sul;-e no dia 25 reconhecérao o Cabo Dese
jado (em 52° 50’), € os quatro Evangelistas (em 53°
23’), e embocdrdo o Estreito com vento Oeste mui fer-
te. Dalli forao registando todos os Portos, e Bahias do
Estreito, ancorando muitas vezes; até que no dia 12 de
Marco sahirdo pela banda de leste, e derao fundo no
Cabo das Virgens, collocando-o na latitude de 52° 24.
A 13 pozerdo-se em derrota para a Europa, ea
28 de Abril, estando em 9° 17’ de latitude Sul, virao
de noite a terra, ¢ sondarao em 30 bragas; a 30 derao
fundo em Pernambuco em 16 bragas, € no outro dia fo-
rao ancorar no Recife, sem haver fallecido hum sé indi-
viduo a bordo das Caravelas. Achdrao aqui surtos vinte
e,oito navios Portuguezes, e poucos dias depois chegé-
rao da Bahia outros treze: a 14 sahirao todos juatos
em Frota para Portugal ; e como entre elles vinhao em-
barcagdes ronceiras, que demoravao a viagem, separa-
rao-se as Caravelas no dia 28, e seguirao sds sua. der-
rota.
A 23 de Junho, estando ja em mais de 38° de Ie
194.
mandada por Nuno Alvares Botelho, embarcado na Nio
Paraiso; os outros Commandantes erao, Diogo de Mello
e Castro, na Penha de Franga; Pedro dé Moraes Sar-
mento, no Santo Amaro; e D. Francisco Lobo, em ou-
tra Nio. |
Sahio a Esquadra de Lisboa a 21 de Marco, e arm
ribou D. Francisco Lobo. A Nido Santo Amaro per-
deo-se em Mombaga, salvando-se a gente: na mesma
Ilha invernou Nuno Alvares; e sé Diogo de Mello che
gou a Goa a 15 de Dezembro...
1621. — Neste anno (1) sahio de Lisboa D. Affonso
de Noronha, nomeado Vice-Rei da India, com huma
Esquadra de quatro Naos, e seis Galedes. Erio Com-
mandantes das Naos D. Francisco Lobo , na Conceigio,
onde embarcou o Vice-Rei ;.D. Francisco Henriques,
servindo dé Almirante, no S. Thomé; D. Rodrigo Lo
bo, no S. Carlos; e Nuno Pereira Freire, no S. Jost.
Commandavao os Galedes Antonio Telles, na Trinda-
de; Gonsalo de Siqueira, no S. Salvador ;. Francisco So-
dré Pereira, no S. Pedro; Francisco Cardoso de Almet-
da, no Rosario; Luiz de Moura Rolim, no S. Joao; ¢
Gonsalo Rodrigues, em outro. .
Partio a Esquadra nos principios de Abril, e logo
que sahio a barra, teve hum temporal, que a forgou a
entrar. Desembarcou o Vice-Rei, e ficarao em Lisboa
quatro dos scis Galedes da Esquadra; Os outros navios
sahirdo outra vez a 29 de Abril; e mettendo-se na Cos
ta da Malagueta, achdrdo tantas calmarias, que depois
de perderem muito tempo, sem poderem avancar cam
nho, arribarao a Lisboa. O unico Gale#o de Gonsalo
Rodrigues, que quando os outros navios sahirao, ficou
na Trafaria .com os mastros cortados , e sahio depois
delles, foi o que passou 4 India. | |
(1) Epilogo de Pedro Barreto,
596
quando foi a metter-se dentro, estando o Commandan-
te ao pé do cabrestante, que virava , rebentou a espia, e
desandando o cabrestante, huma barra delle matou o
Commandante, que na vespera se havia confessado, e fe-
to testamento. 7
‘Por sua morte foi eleito D. Luiz de Sousa. Gas-
tarao-se oito dias em fazer aguada; e sahindo com ren-
to feito, navegarao até aos Agores, onde lhe deo bum
temporal , com que estiverao quasi perdidos na Ilha do
Faial. Acalmando o tempo, forio 4 Terccira, e pai
rando em papafigos, escreveo D. Luiz ao Governador,
pedindo-lhe mantimentos, Soldados, e Artilhciros, que
de tudo vinha faltro. Os mantimentos, e refrescos vier20
em abundancia, mas em lugar de Solfdados, mandarao
homens inuteis, huns. por muito mogos, e outros
muito velhos; e nenhum trazia armas. Chegdrdo nesta
occasiao duas Caravelas de aviso, com Cartas d’ ElRa,
que dizido: «« Viesse a Nédo em estado de guerra buscar
99 a altura de 39 go’, pela qual acharia a Esquadra de
x9 D. Antonio de Atatde, que a estava aguardando; ¢
99 que navepasse com cautcla, porque se tinha noticia de
x9 andar fora huma Esquadra de ‘Turoos. »9
Partio D. Luiz-da Terceira, e em sere dias yio as
Berlengas pela meia noite, e quasi rendido o quarto dal-
va, estava perto da Ericeira, quando se ouwo hum re-
mor de gente, que fallava; e cuidando todos achar-se
no meio da Esquadra de D. Antonio,‘e estando-se talio-
gando as amarras para irem dar fundo em Cascaes, fo-
rao descobrindo com a luz da manh&a dezesete navios
grandes, que logo percebér30 nao ser a E:squadra Portu-
gueza, mas cuiddrio que seriao navios carregados de
sal, que vinhao de Setubal.
Estes navios erao ‘Turcos, que havia quatorze diss
tinh’o sabido de Argel, todos de 34 a 40 pegas, os quacs
sabendo que aquella Ndo era da India, pela informa
198
Fureas abordérao a hum tempo por todas as_ partes,
disparando primeiro as suas pegas Com assaz damno cas
Portuguezes, porque matar’o o Condestavel , que dirigia
habilmente a artilherig, e D. Luiz recebeo duas feridas
em huma perna, na qual nao: podendo sustentar-se, dei-
fou-se sobre huma caixa, e dalli dava as suas ardens.
. °© Os Turtos recebtrio tanto estrago da artilkeris, so-
bre tudo das balas encadeadas, e de alguns peés de ca-
bra, com que os Portuguezes thes atiravaa , que se afis-
tario da Nao ; porém Agan-Arraes ,.rencgado Grego,
gue commandava hum dos maiores navios, e era conhe-
cido pelo homem mais valente de Argel , vendo o seu
navio desarvorado, e em termos de ir a pique, pelos
muitcs rombos gue tinha, saltou dentro da Ndo com a
‘sua gente, que erdo quatrocentos Turcos, e Mouros ¢s-
colhidos, levando na mao a bandeira encarnada, que
trazia.na pdpa., e ganhando o Castello, péz nelle a sus
bandeira, e¢ comegou a deitar huma chuva de balas, ¢
de frechas sobre os Portuguczes, que defendiao o con-
vez, e a tolda; e outro renegado, natural de Setubal,
subindo pela enxarcia do traquete, corrou com huma
" machadinha todos os cabos da verga, a qual cahindo de
subito , esmagou quantos Turcos apanhou debairo. En-
trctanto os mosqueteiros Portuguezes , que atiravao 40
castello , nao perdido tiro, por estarem os Turcos api-
nhoados , sem poderem dalli sahir; e dois que o inten-
taro, forao logo mortos.
Os Turcos vendo diminuir acada instante o seu nu-
mero, € que o seu navio ja tinha ido a pique, e os o0-
tros combatiao de largo, Comegarao a capear-Ihes .que os
soccorressem , 0 que fizerao , mandsndo escaleres para os
recolher,. Mas antes que chegassem, os Portuguezes ata
cirio o Castello com grande vigor; e ainda que deses-
peradamente rechacados por duas vezes, 4 terceira os rre-
cipitarao so mar, ficando dentro hum sd, que se rendeo.
200
e com as ancoras promptas para dar fundo, quando veio
de terra hum barco 4 véla, com tres homens do mar, e
chegando 4 falla, disse hum delles, que trazia ordem
verbal (nao se sabe de quem), para que se fizessem lo-
go na volta do mar; porque a Costa naquzlle tempo era
perigosa, e ao largo acharido a Esquadra de D. Anto-
nio de Ataide, que os andava esperando. D. Luiz cha-
mou o barco, para lhe deitar a bordo as mulheres, e me-
ninos, e alguma pedraria, visto que no bordo do mar
hia encontrar os inimigos; mas os do barco responde.
rao, que trazido ordem para nao chegar a bordo, sob
pena de morte; e logo metteo de 16, e se foi embora.
Fim consequencia desta intimagao , virardo no mar,
e pelas oito horas da manha do dia 1r de Outubro avis
tdrio os inimigos, de que D. Luiz nao julgou acertado
fugir, tanto..por obedecer 4 ordem,-e ‘na esperanga de
apparecer a Esquadra Portugueza, como por nao dar
maior animo aos Turcos, cusos navios, sendo mais ye-
leiros , os alcangariao em breve. .
Posta novamente a Nido Conceicdo em som de com-
bate, porém com visivel falta de gente, sobre tudo de
Artilheiros, D. Luiz, sem causa alguma., mandou por
hum Polaco cortar a cabega ao Turco, que ficdra pri-
sioneiro, dizendo-lhe, que havia pagar o mal, que os
seus Ihe vinhZo fazer. Os Turces, sabendo depois esta
acc4o, nao se vingérdo delle, nem do Polaco.
A Esquadra Turca, composta de dezeseis navios,
com a sua Capitanea em testa de columna, e formada .
em linha, veio com forga de véla. buscar a Ndo por bar-
lavento; e a Capitanea , que trazia huma_ bandeira bran-
ca, chegando a tiro de canhao, disparou hum tiro sem
bala , ao qual a Conceigfo respondeo com outro de ba
la; e logo comegou a fazer fogo. Os Turcos seguirio
© mesmo bordo, e virando depois sobre ella, arriou a
sua Capitanea a bandeira branca, e carregou papafiges,
208
de tres Nios, e cinco Galedes,, commandada por’ D. An-
tonio Tello , embarcado em a Naéo S. Francisco Xavier,
que 4 vinda se perdeo na barra de Lisboa; e das outras
as Ndgs-er4o Commandantes: D. Diogo de Castello
Branco, que servia de Almirante, da Santa Isabel; e
Francisco Correa da Costa, de outra Ndo. Os Comma
danres dos Galedes erao D. Filippe Mascarenhas, do
Santo André; Francisco Borges de Castello Branco, da
Misericordia ; Cosme Cassao de Brito, do S. Braz; An-
tonio de Freitas Mascarenhas, do S. Simao; e Manoel
Pessoa de Carvalho, da Guia.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 2 de Marco, ¢ rere
desgracada viagem. Manoel Pessoa perdeo-se na Costa
da Arabia. D. Antonio Tello, e Francisco Borges in-
vernarao em Mogambique, e€ no anno seguintre fordo4
Goa. D. Diogo de Castello Branco, Cosme Cassio, e
Antonio de Freitas perderao-se em Mocambique; ¢
passirio este anno 4 India D. Filippe Mascarenhas, e
rancisco Correa.
1623. — Neste anno se constituio na Hollanda 4
Companhia Occidental, cujo objecto cra fazer conquistas
no Brasil, sobre tudo naz Provincias de Pernambuco. e
Bahia; porque se julgava que cstabelccendo nellas boas
Colonias, e gdnhando a affeicio dos habitantes, se po-
deriao dalli fazer expedigces ao Mar do Sul, e ds Indias
Occidentaes.
Concorrér30 para o estabelecimento desta celebre
Companhia, e os planos de invas20 que ella meditou, as
_ informacées que obtiverao os Commandantes dos navios
Hollandezes nos doze annos da tregua, que em 1610
concluirio os Estados Geraes com ElRei Filippe IIL,
em cujn epoca frequent4rao elles muito as Costas do
Brasil , como jd observei nestas Memorias; e tambem 3s
insinuaydes dos Judeos, que a imprudencia do Governo ti-
nha deixado estabelecer nas Cidades maritimas daquelle
2k0,¢
Caste Reat;.¢ S; Joie, por-Sebastiao’ da Coste Vatente,-
Sano Antonio , por oe Seaetile tie, Menezes; 0 Sin:
Jago, por Simao, yenial; a Conceiga r Frea--
cisce de Tavord da Cunha; 60S. Pedro por Ferman.
do da Costa de Lemos. Cincg destes Galedes devido fi-
Car servinda -na India. | -_ | on
Sahio de Lisboa a Esquadra a 18 de Margo, e che
gou. reunida a Goa, nos principios-de Setembro,
Na rorna-viagem o Galeag Conceigao ancorou na
Ifha de. Santa Helena tdo aberto,-e arruinado, .que ar-
mando a lancha em Patacho, a.enviou com. aviso 4 G-
dade da Bahia, d’onde se mandou buscar a gente, ¢a
carga, como adiante. direi. a
1624. — Decerminada a Companhia. Occidental de
Hollanda (1) a invadir o Brasil ; comegande. pela Cida--
de da Bahia, ou S, Salvador, que ‘era. ent&o. a Capital
daquelles riquissimos . Paizes ;:aprestou. huma Esquada
de vinte e cinco navigs, dos quaes treze ergo de guerra,
e.doze afretados, todos bem armados, e guarnecidos com.
tres mil homens. escolhidas, entre marinheiros , e solda-
dos, e¢ abundantes munic6es de’guerra. Era General em
Chefe da Expedigdo Jacob Willekens , Official de muita
experiencia nas gucrras de Flandos,; Almirante o famoso
(1) Para o que respeita 4 conquista, e restauracio da Bahia, vede 2
Historia da Guerra do Brasi] , escrita em Italiano pelo Padre Fr. Jodo
Jose de Santa Theresa (Portuguez) , imptessa em Roma em 1698, Par
te-3. Liv. 3. —- Portugal Resaurado,:Tomo 1. Liv. 2, — Historia
da Guerra Brasilica, por Francisco de Brito Freire, Livros a,, ¢ 3. —
Historia do Brasil, por Roberto Southey, Inglez, Tom. 1, Cap. 14. —
Compendio Historico de la Jornada d'el Brasil, manuscrito, feito em
1626 por D, Jo%o de Valencia e Gusm30, que servio como Volunuatio
na Restauracdo da Bahia. — Faria © Sousa, Europa Postugueza, Parte 2,
Cap. 3. — Jornada dos Vassallos da Coroa de Portugal pasa recuperar a
Cidade de S. Salvador, pelo Padre Bartholomeu Guerreiro, Lishoa, 1625.
— Relacio verdadeira de tudo © succedido na Restauracio da Bahis,
mandada pelos Officiaes de Sua Magestade a este Reino, Lisboa, 1625.
-— Castrioto Lusitano, Paste 1. Liv. 1,
214
podito ser alli anniquilados. Era‘ isto-j4 ao anoitecer, ¢
os soldados Hollandezes, cangados, e abatidos do calor,
e quasi todos bebados , -ow'-se deitavao a dormir, ‘ons
espalhavao a buscar agua; de maneira, que se aquella
foite os atacassem duzentos homens resolutos, nem hum
96 escaparia. :
Os navios Hollandezes, que batizo a Cidade, o fize
rao com grande furia , e ainda que os Portuguezes respon-
dido ao seu fogo, este era tio superior, que todas as for-
tificagdes ficarao desmanteladas , e algumas embarcacées
tomadas , e outras queimadas. Restava’ o Forte novo,
que os Hollandezes assaltirao nessa noite, e ganharao fe
cilmente, morrendo vinte dos defensores : depois encra-
wd4rdo as pecas, e recolherao-se a borda. Os Portugue-
zes , vendo-os retirados, torndtio a occupar o Forte, gue
o Governador mandou abandonar, vendo -impossivel 2
sua conservagao.
No dia seguinte 10 occupdrao os Hollandezes todes
os Fortes da marinha, e os deSanto Antonio, e Tapagr
‘pe. Os moradores, dando tudo por perdido, tinhio dee
amparado de noite a Cidade, com o Bispo. Ficou somer
te no Palacio o Governador, seu filho, o Capitao Lourer
go de Brito Correa, o Sargento Mor Francisco de Al-
meida de Brito, o Ouvidor Geral Pedro Casqueiro da
Rocha, o Alfercs Manoel Gomes,.e sets criados. O ari-
so desta desergao foi levado naquella manha aos Hollar
dezes por hum Judeo chamado Liiogo Lopes de Abran-
tes; e cntrando logo na Cidade as tropas, que occupavie
§. Bento, chegdrao.ao Palacio, d’onde sahio o Capitio
Lourenco de Brito a dizer-lhes, que o Governador estt
va alli com muita gente, e se renderia se Jhe conceder
sem sahir com todos os seus livremente , alias se defer
deria, e na ultima extremidade poria fogo 4 polvora.
Concedério os Hollandezes tudo, c entrando a occupar
a paste inferior do Palacio, o Governador imprudente
218
duas Nios, tres Urcas, e dois navios. Levava mais qua-
tro Caravelas carregadas de provisOes, e outras quatro
embarcagdes com viveres, e bagagens. E:ra Alniraore
D. Francisco de Almeida; e Mestre de Campo -dos dois
Tergos da Marinha, que se embarcdrao, o Mesmo Al-
mirante do primeiro, e Antonio Moniz Barreto do se
gundo, que se creou por esta occasiao. Ejis-aqui 0s n0-
més dos navios (1):
Nao Santo Antonio, em que hia o Capitao General
D. Manoel de Menezes, de 900 toneladas , 460 Solda
dos de Infanteria, 160 Artilheiros, ¢ mariaoheiros, e 42
as. :
Nao Santa Anna Maior, em que embarcou o Almi-
rante D. Francisco de Almeida, de 500 toneladas, 300
Soldados, 110 Artilheiros, e-marinheiros, e 24 pecas
Galedo Conceicao, em que hia o Mestre de Campo °
‘Antonio Moniz Barreto, de.430 toneladas, 200 Soldz-
dos , 1co Artilheiros , e marinheiros, e 24 pegas.
Galedo S, José, Commandante D. Rodrigo Lobo, de
‘400 toneladas , 200 Soldados,-100 Artilheiros, e marr
nheiros , e 24 pegas.
Urca Caridade , Commandante Lancgarote da Franc,
de 300 toneladas , 100 Soldados , 80 Artilheiros, ¢ ms
rinheiros, e 20 pecas.
_ Naveta Santa Cruz, Commandante Constantino de
Mello. de 280 toneladas, roo Soldados, 80 Artilhet-
ros, e marinheiros, e 18 pegas.
Urca S. Joao Baptista, Commandante Manoel Dias
de Andrade, de 300 toneladas , 100 Soldados, 60 Ar-
tilheiros, e marinheiros , e 20 pegas.
Urca S. Bartholomeu, Commandante Domingos da
(1) Esta Relacio he tirada do Manuscrito, que mais vezes tent.
citado nestas Memorias, o qual em substancia concorda com o cue dix
gem os melhores Escritores.
219
Camara, de 230 toneladas, r10 Soldados, 109 Artilhei-
ros, e marinheiros, e 13 pecas.
Navio Rosario Maior, Commandante Tristao de Men-.
donga Furtado, de 350 toneladas, 155 Soldados, 50 Are
tilheiros , e marinheiros, e 20 pecas. |
Navio Rosario Menor, Commandante Ruy Barreto
de Moura, de 300 toneladas, 90 Soldados, 50 Artilhei-
ros, e marinheiros, e 14 pegas.
Navio Rosario, Commandante Christovao Cabral, de.
230 toneladas, 85 Soldados, 45 Artilheiros, e marinhei-
ros, € II pegas.
Navio Mercés, Commandante Domingos Gil da Fone.
ceca , de 220 toneladas, 30 Soldados, 40 Artilheiros, e
marinheiros, e 10 peas. - |
Navio S. Joao Evangelista ; Commandante Diogo
Furtado, de 220 toneladas, 85 Soldados, 45 Artillei-
ros, ¢ marinheiros, e 14 pegas. 7
Navio Senhora da Ajuda , Commandante Gregorio
_ Soares Pereira , de 200 toneladas, 60 Soldados, 50 Ar-
tilheiros, e marinheiros, e 14 pegas. |
Navio Penha de Franca , Commandante Diogo Vare-
j40, de 200 toneladas, 60 Soldados, 50 Artilheiros, e
marinheiros , e 18 pegas. = ;
Navio Boa Viagem, Commandante Bento do Rego;
de 150 toneladas, 50 Soldados, 40 Artilheiros, e ma-
rinheiros, e 8 pegas. |
Navio Senhora das Neves Maior, Commandante Gone.
galo Lobo Barbosa, de 150 toneladas, 50 Soldados, 40
Artilheiros, e marinheiros, e 90 pecas.
Caravela Conceicao , Commandante Sebastiio Mar-
ques, de 139 toncladas, 10 Soldados, e 22 marinhei-
ros. :
Carayela Rosario, Commandante Manoel Palhares
Lobato, de 93 toneladas, 10 Soldados, 22 marinhei-
TOs.
e
28 i
220
Caravela Remedios, Comimandante Roque de Mor-
tearroio, de 120 toneladas, 10 Soldados, 22 marinhe-
ros.
Caravela S. Joao, Commandante Cosme do Cont,
de 90 toneladas, 10 Soldados, 22 marinheiros.
Embarc4érao nesta Esquadra dois Medicos, e todos
os navios armados levavao Cirurgido, e Botica. Eno
total das tropas 2260 Soldados de Infanteria , além dos
Officiaes, e Aventureiros , que néo recebido soldo: Art-
Iheiros, e marinheiros 1298, nao contando os Officiacs;
assim a guarnigéo da Esquadra devia ser de perto de qu-
tro mil homens. O numero de canhées chegava a 303,
Iévando munigdes para mais de oitenta tiros por pe
a (Ir).
‘ in quanto em Lisboa se trabalhava com a maior
actividade , reunia-se em Cadix a Armada Hespanhol,
dividida (segundo o costume daquelle tempo) em cinco
Esquadras. Nomeou ElRei para commandar em Cte-
fe as forcas navaes, e terrestres da Expedigdo da Bahia,
a D. Fradique de Toledo Osorio, Marquez de Villa
Nova de Valduesa Capitao General da Armada do Mer
Oceano; 0 qual, quando desembarcassem as tropas, de-
via tomar o governo supremo destas; assim como tom
sia neste caso o da Marinha D. Jofo Fajardo de Gue-
(1) Importou a despeza desta Esquadra em 472g) cruzados; ¢ tub
quanto para ella se comprou foj pago a vista. Levavado os navios agua
para 120 dias, a canada por praca, Biscouto. para 238 dias, alibae .
meia por praca. Arroz para 32 dias, ameia libra, Bacalhgo para $0
dias , a meia libra. Carne salgada para 25 dias, a libra. Queijo pasa
26 dias, a meia libra, Cosinhava-se huma vez ao dia. Custou 0 trig
@ 99 ris o alqueire: 0 biscouto a 275 réis a arroba d’ Hespanhe: 0 at
te a 996 réis o almude: a carne 389 réis a arroba: o bacalhdo a 366 a
atoba: a pipa de vinho a 5557 ris; ¢ ade vinagre 4454 rcis. Apo
Vora a 105 é réis a libra. O breu a.177 r€éis a arroba. He o que cuasia
do citado Manuscrito, que he hum documento authentico, por sf &
trahido dos Livros dogs Armazens da Marinha,
222
nao ousou desembarcar; e contentarido-se com algumas
faceis presas nas embarcagées de trafico, voltou dilli 4
Capitania do Espirito Santo. A 12 de Marco do anno
seguinte desembarcou alli, com o intento de ganhar a
Villa da Victoria, Capital da Provincia ; porém foi re
chagado com perda pelo Donatario Francisco de Aguiar
Coutinho, auxiliado de Salvador Correa de Sa, que seu
pai Martim Correa de S4 mandava do Rio de Janeiro
em soccorro da Bahia com duzentos homens, e por hum
feliz acaso entrara no Porto do Espirito Santo. Nao foi
Heyne mais venturoso em huma segunda tentativa, cm
que perdeo huma lancha com perto de quarenta homens,
EF fazendo-se 4 véla para a Bahia, chegou 4 ponia de
Santo Antonio, d’onde descobrio a Armada de Hespa-
nha surta no Porto; o que o obrigou a seguir derrow
para a Europa.
1625. — A Esquadra da India (1) reduzio-se ese
anno a duas Naos: S. Bartholomeu, em que embarcou
o Chefe Vicente de Brito e Menezes: e Santa Helem,
de que era Commandante Joao Henriques,
Sahirao de Lisboa a 2 de Abril; chegdrio a Goa
nos principios de Setembro; e na torna-viagem se per-
dérao na Costa de Franga, como adiante direi.
1626. — A 14 de Janeiro deste anno (2) sahio de
Cadix a Armada Hespanhola, que constava de vinte e
hum navios de guerra, sete navios afretados, e armados,
e sete transportes; pela maneira seguinte :
Esquapra Do Mar OckAno.
Galeio Pilar, em que hia o Capi.2o General D. Fra
(1) Faria, Asia Portugueza. — Epilogo de Pedro Barreto.
(2) Vede os Escritores jd citados sobre a Conquista, e¢ restaursdo
da Bahia; e Castrioto, Parte 1. Liv. 1.
223
dique de Toledo, de 1040 toneladas, 330 Soldados de
Infanteria, 20g Artilheiros, e marinheiros, e 52 pecass
Galeao Santissima Trindade, de 500 toneladas, 233
Soldados, 80 Artilheiros, e marinheiros, e 24 pegas.
Galeao S. Nicoldo Tolentino, de 500 toneladas, 269
Soldados, 78 Artilheiros, e marinheiros, e 24 pecas.
Galeao Victoria, de 450 toneladas, 127 Soldados, 70
Artilheiros, e marinheiros , e 20 pegas.
Navios afretados, e armados.
Urca S. Miguel Turquillo, de 294 toneladas, 62 Sol-
dados, 42 Artilheiros, e marinheiros , e 17 pecas.
Urca D. Henrique, de 292 toneladas, 67 Soldados,
49 Artilheiros, e marinheiros, e 16 pegas.
Urca Salvador, de 530 toneladas, 83 Soldados, 84
Artilheiros, e marinheiros, ¢ 25 pecas. oo
_ Urca S. Paulo, de 318 toneladas, 6 Soldados, 44
Artilheiros, e marinheiros, e 18 pegas.
Urca Rei David, de 231 toneladas, 50 Soldados, 33
Artilheiros, e marinheiros , e 12 pegas.
Urca Porto Christovao, de 292 toneladas, 31 Solda-
dos, 27 Artilheiros , e marinheiros, e 14 pegas.
Urca Esperanga, de 319 toneladas, 61 Soldados, 30
Artilheiros, ¢ marinheiros, e 12 pegas.
EsquaDRA DO EsTREITO.
GaleZo S. Tiago, em que embarcou D. Joao Fajardo
de Guevara, de 900 toneladas, 244 Soldados, 225 Ar-
tilheiros, e marinheiros, e 44 pegas. |
GaleZo Rosario, em que hia o Almirante Roque Cen-
teno, de 652 toneladas, 225 Soldados, 157 Artilheiros ,
€ maripheiros, e 32 pecas.
224
GaleZo S. Jodo Baptista, de 400 toneladas, 176 Sol-
dados, 80 Artilheiros, e marinheiros, e 18 pegas.
Galeio S. Paulo, de 360 toneladas, 142 Soldados, 77
Artilheiros , e marinheiros, e 16 pegas.
Galedo S. Miguel, de 450 toneladas, 190 Soldados,
gr Artilheiros, e marinheiros, e 16 pegas.
EsQuaDRA DA BISCAIA.
Galeio S. Jodo Baptista, onde hia o Capitao General
Martim de Valccilla, de 600 toneladas , 248 Soldados,
114 Artilheiros, e marinheiros, e 28 pegas.
GaleZo S. José, de 400 toneladas, 136 Soldados, 48
Artilheiros , e marinheiros, e 16 pecgas.
GaleZo Santa Theresa, de 446 toneladas, 172 Solde-
dos, 77 Artilheiros, e marinheiros, e 20 pegas.
Galeijo Senhora da Atalaia, de 446 toneladas, 1%
Soldados, 66 Arulheiros, ¢ marinheiros, e 16 pees
EsQuADRA DAS QuATRO VILLAS.
Galeio Bom Successo , em que hia o CapitZo General
D. Francisco de Azevedo, de 700 toneladas, 245 Sol-
dados, 124 Artilheiros, e marinheiros , e 28 pecas.
Galeao Santa Anna, de 304 toneladas, 189 Soldados,
88 Artilheiros, e marinheiros, e 24 pegas.
Galeao S. Francisco, de 379 toneladas, 173 Solda-
dos, 63 Artilheiros, e marinhciros, e 18 pegas.
GaleZo S. Jodo da Vera Cruz, de 402 toneladas, 159
Soldados, 72 Artilheiros, e marinheiros , e 16 pegas
‘ Galeéo Santa Catharina, de 411 toneladas, 149 Sd-
dados , 69 Artilheiros, e marinheiros, e 20 pecas,
Galedo S. Pedro, de 450 toneladas, 13 3 Soldados, 8:
Artilheiros, e marinheiros, e 24 pegas.
225
f
EsqouApRkA DE Napo.es:
Galeio Conceig#o, em que hia o Capitfo: General ‘Ds
Francisco de Rivera, de 1200 toneladas, 398 Soldadosj
203 Artilheiros , e marinheiros, e 46 pecas. "
Galedo Annunciada, de 800 toneladas, 344 Soldadosy
138 Artilheirus, e marinheiros, e 26 pecas.
Transportes.
Patacho S. Jorge, de 200 toneladas, 150 Soldados4
413 Artilheiros, e marinheiros. :
atacho Senhora do Carmo, de 200 toneladas, 156
Soldados, e 113 Artilheiros, e marinhciros.
Caravela S. Joao Baptista, 17 Soldados, e 30 Arti-
Theiros , e marinheiros. :
Caravela Remedios, 17 Soldados, e 30 Artilheiros ;
€ marinheiros.
Tartana S. Jo%0, 27 Soldados, e 21 Artilheiros, e mas
Finheiros. —
- Tartana S. Pedro Maior, 27 Soldados, e 21 Artilhei-
fds, € marinheiros. |
Tartana S. Pedro Menor, 27 Soldados, e 21 Artilhei«
ros, e marinheiros. |
Os navios de guerra levavZo munig6es para quaren4
ta’ tiros por peca.
- '“Yoral das guarnic6es , excluindo Officiaes, Aventu-
Tits, e Creados; Soldados de Infanteria §232; Artilhei~
ros, ‘e marinheiros 1878; Pecas de artilheria 642.
_ ~A 6 de Fevereiro chegou D. Fradique de Toledo
a Ilha de S. Tiago de Cabo Verde: arriou D. Manoel
de’ Menézes'a' bandeira do tope grande, e salvou-o com
cinco tiros de canh2o, a que D. Fradique respondeo com
tres tires, arriando igualmente a sua bandeira, que logo
Tomo LL 29
33236
ambos tornd4rado a igar, € a0 mesmo tempo sahira4o nos
seus escaleres a visitar-se.. -Chegou. primeiro D. Fradi-
que 4 Capitanea Portugueza , e ahi esperou que D. Ma-
el voltasse de bordo da sua ,. havendo-se desencontra-
© no caminho, Passados os primeiros cumprimentos,
‘Voltarao ambos para a Capitanea de Hespanha , onde
conferirio sobre as futuras operagdées.
_ Publicou-se a bordo de todos os navios a ordem de
successio no Commando geral da Expedigao, que EiRei
determinava se praticasse em caso de faltar o General
em Chefe, a qual era a seguinte: Primeiro successor D.
of0 Fajardo; segundo D. Manoel de Menezes; tercei-
ro o Marquez de Cropani; quarto Martim de Valecilla;
f ultimo D. Francisco de Azevedo.
A 11 de Fevereiro sahio toda a Armada da Ilbe
sie S. Tiago; passou aLinha a 5 de Marco;.e soffren-
do algumas calmarias, adoecérao myitas pessoas a boro
dos navios Hespanhoes, porém fallecérao poucas.
A 29 avistdrao terra da Bahia, e tomardo lingua
na Torre de Garcia de Avila, onde soubergo o estado
das cousas, e que os Hollandezes j4 sabido da. sua vin
da, por haverem tomado hum Patacho expedido de Lis-
boa com avisos a D. Francisco de Moura. No mesmo
Gia derao fundo defronte da Ponta de Santo Antonio, ¢
alli veio D. Francisco de Moura a bordo de D Fradi-
que, e lhe contou que os Hollandezes tinhZo na Gidade
dois mil e quatrocentos homens, e cento e oitenta cx
Dh6es nas baterias, e havido feito muitas presas, tanto
“MO mar, como em navios entrados no Porto, sem sabe
rem que .estava occupado por elles. Que agora tinkie
abandonado os atrabaldes do Carmo, e S. Bento; e que
a sombra de tres Reductos construidos na Marinha, es-
tavao ancorados os seus navios em numero de vinie ¢
seis, sendo seis de guerra de 30 a 40 pecas, e os ourros.
06 que achdréo no Porto, ou apresdréo depois, ¢ ciahae
~~ @ t= . -
“~
a Quazene AUS ie
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Fe ale, detlnea Kilt nach darth peat
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1 : to ¢ la
ara te oT - to da =. anda do Con 7.
228
Marquez de Cropani com dois mil homens, favorecido
dos Portuguezes sitiados, que alli acudirao logo; e adian-
tando-se elle com quatro Companhias de Infanteria, pas- -
sov além da Ermida de S. Pedro, e depois de reconhe-
eer o terreno, sem ver inimigos, volrou 4 sua primeira
posicao.
No 1.° de Abril desembarcou D. Fradique, e unia-
do-se-lhe algumas tropas escolhidas da Divisao de D.
Francisco de Moura, comecou a marchar para a Cida-
de, nao tendo ainda desembarcado artilheria alguma, e
fez alto na Ermida de S. Pedro, a tiro de canbio da
Cidade. | -
' A 2 tomou porto o Marquez de Cropani com.qua
tracentos homens na Igreja de S. Bento ,. cujo Mosteiro
estava desmantelado; e alli formou hum alojament .
tiro de mosquete das muralhas, comegando. logo a levae
tar terra para se cobrir do seu fogo de artilheria, ¢
mogsqueteria , que n@o cessava de noite, e dia.
_ A 3 desembarcdrao outros dois. mil homens, cm
artilheria , e deixando D. Fradique no Quartel de S.Ber-
to ao Marquez de Cropani, com os: Meseres. de Campo
D. Pedro Osorio, D. Francisco de Almeida, e o Mur-
quez de Torrecuco., e dois mil e -trezentos soldados,
marchou a estabelecer o seu Quartel.General. na Igreja
do Carmo, a tiro de mosquete -das obras do inimigo,
tendo ds suas ordens os Mestres de Campo D. Joao de
Orellana, e Antonio Moniz Barreto, com. a maior par-
te dos Aventureiros Portuguezes, ¢ Hespanhoes. Aqui
o reforcdrdo com dez Cempanhias de Infanteria Portu-
gueza §, Divisio de D. Francisco de Moura, que teriéo
quinhentos homens; com cujo-reforgo perfez o numero
e dois mil e quinhentos soldados, e fez occupar o Quar-
tel das Palmeiras. Os Hollandezes. desamparirdo os. Fore
tes de Monserrate, e Agua de Meninos, por estarem
mui. proximos dos postos ayangados dos. Porruguezes, que:
230
forfio rechacados cetti-pefdd pelo Tergo de Marquez de -
Torrecuco, que: estava de puarda. - -
| A‘G aproximaradse os ndvioe dé’ guerra a tird de
canhao da Cidadé. Conservavie-se a berdo os Generaes
de Marinha, excepto D. Francisco de Almeida, por ser
Commandatité’ de hurtit T'ergo.- Comegou a’ Esquadra a
batér-as Fortificag6es ,‘@ os navtos Hollandezes , fazen-
do bastarite damno-‘a hiins ;- € outros ; e ainda que elles
respondérao' ao fopie ,* nao Catvdu' este aVarias de conse-
menciag 2 ia
’ Os Hollandezés; observaifld qiie’ os* havios com in-
sipnias de'Genétaes , estav#0 fo centro da limha (nio se
sabe por que) ,’preparardo tres’ Brulotes ; que ‘nessa noi-
té, sendo a'sharé de vasio,; manddrZ0 cintra elles pelas -
dez horas: hum encalhou 4 sahida ; e fic6u ‘inuril;. O se.
ondu aproximou-ee do Gak@o- Rosatio ; do! Almirante -
Roque Centcno; e sendo vist das sentinelfds , imagici-
r46 os Hespanfioes , que op ‘havios Hollandezes fugiio,¢
come¢drao a fazer-se 4 véla para-Thes cortar o paso.
Entre tento o Galefo deo-Ihe' huma:‘descarga’ de palan-
quetas, de que tinha a sud artilheria’ carregada, com que
logo d desarvorou , e abrio§ e os marinbreiros , que nelle
vinhao , der#o fogo a0 Brulote ,” estando 4 perto, queo
calor derreteo o breu das costuras do Galego. A Jencha
deste colheo no mar hurt Hollandez, que’ confessou ha-
verem sahido aquelles tres Bralotes , destinados para as -
Capitaneas de D. Fradique, D. Joao Fajardo, e D. Ma
noel de Menezes. ot oe
O claro do incendio deste Brulote fez distinguir o
terceiro, que vinha com a préa ao GaleZo de D. Fradi- .
que; ¢ tanto este, como o de D. Manoel de Menezes,
que.estaya junto delle, cort4rao as amarras,‘e fizerdo-se
a véla. Os do Brulote peparad-se foo, e rebentou del- -
Je- huma grande quantidade- de bombas,-e fopuetes incer
—-233-
- de: escolhido em seu lugar o Coronel Quif} e!
pay oh de capitular, Com tice Schoutens nado ti-»
nha o ae eta ee necessarios. para o. commando ,
que nelle recah io pelo.acaso da sua antiguidade, Au
tava mais a sua frouxidao a falsa idéa em que esta de
ser impossivel 4 Bamavba mandar huma expediga&o 4
Bahia, antes que a sua Republica Ihe enviasse hum po-)
deroso soccorro; e to em perrado se conservava nesta opi-'
nido, que quando entrou a Armada Hespanhola, ainda
ceria que era a Hollandeza. A guarnigdo era composta em-
grande parte de mercenarios Francezes, ¢ Inglezes; que:
nao tinhdo interesses nacionaes que os moyessem a pro-
as resistencia até 4 ultima extremidade; ¢ por ou-
escandalizados das mas disposigdes , e conheci
da pusillanimidade de Schoutens, movério huma sibleva-
Ee cujo resultado fica referido, Porém o brilhante va-
ie Quit nao péde restabelecer a disciplina em tropas
io mal organizadas: além disso, estava jd a todos pa-
nte, que ao menos de om promptamente de Hollan-
da huma Esquadra capaz de destruir os Hespanhoes, a
seria forcada a capitular; e sendo incerta a be
a da'vinda do soccorro , , poderia ie entretanto ganha=
assalto ; projecto que D. Fr 1€ muitos dias an-
cs aha hes ees ender, ¢ nto foi approvado.
Resolutos a final os Hollandezes-a. capitular, |
#0 no dia 30:da Cidade o Commandante da Artilheria
Guilherme Stope, o Commissario Geral Hugo Antonio,
: ©. Capitéo Francisco Duchs, todos tres do Conselho,
> yierao ao Quartel de D. Fradique, com bes se acha-
_ v0 0 Marquez de Cropani, os Mestres de Campo D.
> Al eida ae ees Quijada d
ci Fe e Almeida, o mo ae
solo ano - Auditor Geral do Rercis. , o Tenente de
a 64 . General Diogo Rodrigues, ite cel )
toM Ja ena Conselha
ncio de S. elice, woios do
inte ec seis navios, c quatro Patachos, que os Hollande
zes tinhio no principio do cerco; existido em bom esta-
do sé dois Patachos, e seis navios: mandarao-se aprestar
estes ultimos para o transporte da guarnigfo.
A perda dos sitiantes deitou a duzentos e sessenta
mortos, e feridos (outros a fazem maior), em que es-
trdrdo muitos Officiaes distinctos, Portuguezes , e Hespa-
nhoes.
Ficou por Governador da Cidade D. Francisco de
Moura, com mil soldados Portuguezes de guarnicio.
No dia ro embarcdrao os Hollandezes para borde
dos navios , que os devido transportar; e a 32 comerdté
a embarcar as tropas Hespanholas, que no erdo ja ne-
_ cessarias em terra. A 14 expedio D. Fradique para He
anha o Patacho Monte do Carmo, com cartas pera
IRei, e nelle embarcdrao os Capitaes D. Henrique de
Alagoa, e D. Pedro de Torres e Toledo, ambos ses
sobrinhos.
No dia 19, apparecendo na Costa hum Patache
Hollandez, que fez presa em huma Caravela Portogue-
za, que vinha de Lisboa, sahio Tristfao0 de Mendong
no navio Sol Dourado, e represando a Caravela com al-
uns Hollandezes a bordo, soube-se por elles, que de
Hollanda havia sahido huma Esquadra de trinta e tres
mavios, com muitas tropas, e destino 4 Bahia. Este mes-
mo avisd tinha j4 chegado por duas embarcacées, huma
expedida de Cabo Verde a D. Manoel de Menezes, ¢
outra de Canarias a D. Fradique. A Esquadra sahio de
Hollanda antes que a Hespanhola de Cadix, mas os tem-
pos ruins, que encontrou no Canal de Inglaterra, a de-
mordrdo até aos principios de Margo. Deteve-se pairan-
do sobre a Ilha do Maio, onde recebeo alguns refrescos
por meio de dois Patachos; e dalli mandou hum 4 Bahia,
que foi o que tomou a Caravela; e na Costa de Guiné
teve muitos enfermos, e lhe morreo alguma gente. Era
238
panhola sepguia os Hollandezes, atirando-lhes tiros de ca-
¢a, a que elles nao respondiao; e o Galedo Santa Anna,
perrencente 4 Esquadra de Biscaia, encalhou em hum
daquelles baixos, d’onde sahio cortando o mastro gran-
de, e com o auxilio das lanchas, e escaleres. Os outros
Navios seguirao no bordo de Leste, com o fim de virem
no outro bordo a barlavento dos Hollandezes; porém
Fradique, estando sotaventeado, fez signal de reuniio,
temendo que os Hollandezes se mettessem entre os seus _
Navios mais avangados e os que estavao a ré delle; e de
noite continuou a bordejar para melhorar de posicio , 0
que nio pdde conseguir; porque carregando o vento com
mais forca, cahio para sotavento.
O Almirante Hollandez, aproveitando-se de noite
da vasante da maré, que o deitava para féra, fez-se de
véla, e sahio da Bahia, havendo ‘antes intentado que-
tmar o Galeao Santa Anna, enviando a isso algumas lar
chas munidas de materias incendiarias, as quaes forio 1
pellidas , e duas tomadas.
D. Fradique pdz em conselho, se seria conveniente
seguir os Hollandezes ; e decidio-se que n&o, por se acha-
rem todos os navios faltos de viveres, e aguada, e ne
cessitados de reparos; e porque naquella estacao, huma
vez que sahissem do Porto, talvez nio o podessem oF
tra vez tomar. Em consequencia desta resolucio, foi a
Esquadra buscar 0 seu ancoradouro.
A 29 fez-se novo conselho, e concordou-se em com-
boiar até aos Acores os navios dos prisioneiros , para
que nao acontecesse, no caso de partirem sds, irem-st
ajuntar com a sua Esquadra, e invadirem algum Porto
do Brasil.
A Esquadra Hollandeza navegou para o Norte, ¢
apparcceo a vista de Pernambuco com vinte e oito n-
wios, mas ndo pdde ferrar o Porto, porque o escorreo de
moire com tormenta de yento, e foi ancorar na Babia
239
da Traicio, seis leguas ao Norte da Parahiba, onde se
reunirao trinta e quatro navios, e derdo fundo. Tratdrao
com os Indios de huma unica Aldea, que alli havia,e
desembarcarao seiscentos soldados, com que guarnecérdo
algumas trincheiras, para protegerem mais de duzentos
enfermos, que pozerao em terra, Logo comecdrao a alim-
par os navios, e a fazer agua, é lenha, e dirigidos pelos.
Indios, fizerao algumas entradas pelo Rio Mamangape,.
e colhérao muito gado vaccuin,. de que abundavao aquel:.
las planicies. :
O Governador da Parahiba Affonso da Franca, sa»
bendo da visinhanga dos Hollandezes, reunio tc:da a gene
te que pdéde ajuntar para thes defender a campanha; e
aavisado Mathias de Albuquerque em Pernambuco, fez
rtir Francisco Coelho de Carvalho, que chegava de
Lisboa nomeado Governador do Maranhao, com quatro
Caravelas, e dezoito pegas. de artilheria , nas quaes met-
teo todos os soldados que podia dispensar em Pername
buco. Chegado Francisco Coelho 4 Parahiba, marchow,
com sete Companhias de Infanteria, que trazia de Per-
rambuco, e a gente da terra, e mais trezentos Indios
frecheiros conduzidos por dois Jesuitas, e tomou posigao.
a duas leguas dos Hollandezes, onde se fortificou.. Se-
-guirao-se alguns pequenos combates, em hum dos quaes
morrérao quarenta. soldados Hollandezes,, e trinta: dos
-seus Indios.
Nesta situag¢ao o General Henrik julgou acertado
Targar o ancoradouro, e no dia 4 de Agosto se fez 4 vé-
Ja; e expedindo depois para. Hollanda: os navios afreta-
dos, dividio os de guerra em duas Esquadras, huma das
:quaes foi atacar a Ilha de Porto Rico, e com a outra se
dirigio 4 Costa de Africa, da qual tratarei logo. —
No 1.° de Agosto sahio da Bahia D. Fradique de
Toledo com. todos os seus navios, menos os Galedes:
«Mespanhoes Atalaia, e S. Miguel, que por fazerem mui
240
ta agua, necessitavdo carenar. O mdo tempo fez am-
bar a Esquadra ao Porto da sahida, excepto quatro na-
vios dos que levavdo tropas Hollandezas, que continud-
r40 a sua viagem.
Tornou a sahir D, Fradique a 4 de Agosto, como
projecto de recolher em Pernambuco os navios de Com-
mercio, para os comboiar a Portugal. Os ventos con-
trarios, e violentos espalhdrao a Esquadra: algumas em-
barcacSes Hespanholas acompanharao D. Manoel de Me-
nezes, que n4do podendo tomar Pernambuco, seguio pa-
ra a Europa. D. Fradique ancorou em Pernambuco com
o resto da Esquadra a 21 de Agosto, e soube que ja ti-
nhio passado para o Norte alguns navios, entre elles o
de D. Manoel, e alguns dos que levavao os Hollande
zes; e que se havia alli perdido huma Urca, de que s
salvou a gente, e a Carregacao.
Estavao neste Porto quatro Ureas , que vinhio de
Cadix carregadas de provisdes para a sua Esquadra, con-
mandadas pelo Capitao Joao Luiz Camarina , o qual lhe
entregou duas Cartas d’ ElRei, huma em que Ihe orde
Nava, que ndo viesse avistar os A¢gores , por “haver s-
speitas de que o esperava naquella altura huma Armada
de cento e trinta navios Inglezes, e Hollandezes; e na
outra Ihe mandava, que enviasse 4 ilha de Santa Hele
na dois navios da sua Esquadra, acom panhados de tres
Caravelas que se apresentavao em Pernambuco, para re
colherem a carga, e gente da Ndo ConceicZo, que se prr-
déra naquella Ilha. D. Pradique enviou logo ordem aos
dois Galedes, que deixdra na Bahia, para que, conclui-
dos os seus reparos, viessem a Pernambuco, e dalli fos
sem a Santa Helena com as tres Carayelas, o que elles
cumprirao (1).
(1) Esta expedicao foi commandada pelo Capito JoZo Martins de
Arteaga, o mais antigo dos dois Commandaptes dos Galedes, Chegon
241
A 29 de Agosto partio D. Fradique de Pernambu-
co, deixando alli huma das Urcas vindas de Cadix. Pas-
sou a Linha a 2 de Setembro com bom tempo. No dia
seguinte, estando o mar mui sereno, mandou repartir
os mantimentos das Urcas pelps navios de guerra. A 6
amanheceo o GaleZo S. Nicoléo Tolentino desarvorado.
de hum aguaceiro, que houvera de noite, em cujo desas-
tre quebrou huma perna o seu Commandante André Dias
da Franca, de que falleceo; e como este navio fazia
muita agua, ordenou D. Fradique, que se lhe tirasse a
artilheria, gente, munig6es, e aparelho, e se repartisse .
pelas outras embarcagées. Esta faina durou quatro dias,
que houverao de calmaria; e no dia 10 se lhe deitou fo-
go. Assentou-se em Conselho, que se navegasse por me-
nos altura, pata evitar o encontro da Armada inimiga,;
e D. Fradique deo ordens selladas a todos os Comman-
dantes, prescrevendo-lhes o que, deveriao praticar em caso
de separacio. |
O resto do mez de Setembro foi de trovoadas, cer-
racdes, e ds vezes calmarias; e D. Fradique procurava
sempre encostar-se 4 Costa de Barbaria. Os mantimen-
tos erdo tdo escassos, que se davdo de raciio diaria a ca-
da homem quatro ongas de biscouto podre , outras tan-
tas de farinha de p4o, e meio quartilho de agua, sem ™
haver vinho, nem outra alguma cousa. De 5 de Outu-
bro por diante tiverado bom vento, e a 15 virao o Estrei-
elle a Santa Helena a 10 de Dezembro, e poucos dias depois ancorow
tambem na Ilha huma Nio Hollandeza de setenta pecas, que parecia vit
da India. Comecario-se a bater huns, e oysros, mas o Hollandez fez-se
logo 4 véla, e os Galedes © fordo seguindo, e por ultimo o abordirdo,
bum pela alheta, e outro pela amura. Os Hollandezes defenderio-se brae
vamente , e depois de norto Arteaga, e muitos Officiaes, e soldados ,
se desatracdrio os Galedes, e voltdrio para a Ilha; a Ndo continuou a
sua derrota. Os Galedes entrdrio em Lisboa com a carga da Conceicao
a 14 de Maio de 1626. Vede Brito Freire, Liv. 3., ¢ o Compendio
Historico de la Jornada del Brasil , Cap, 16.
Tomo Il, 3}
242.
to de Gibraltar, porém o vento Ponente era tao violen-
to, e€ O tempo t4o escuro, que se espalharao os navios
D. Fradique entrou no mesmo dia o Estreito com alguns
delles, e amanheceo 4 vista de Malaga: a fome era tal
a bordo do seu navio, que ja se comiao ratos, e se be-
bia vinagre em lugar de agua. Deteve-se. aqui D, Fra-
dique quatro dias para receber algumas provis6es; ¢ so-
rando Levante, se fez 4 véla com intento de tomar Gi-«
raltar, ou Cadix; mas saltando logo o vento ao Ponen-
te, tornou para Malaga, onde desembarcou a artilheria,
metteo os navios no Molhe, e tratou de se fortificar,
por saber que estava sobre Cadix a Armada Ingleza, ¢
se temia que viesse a Malaga queimar a Esquadra (1).
Os Galedes Senhora do Rosario, e S. Jodo Vera
Cruz, e¢ os dois de Napoles entrarao em Cadix seis dias
antes de chegarem os Inglezes, e servirao de muito pz
ra a defensa daquella Praga.
O Galeao Santa Anna do commando do Almira
te D. Francisco de Almeida, achou mdos tempos em 30°
de latitude Norte, e logo hum temporal do Sul tio fr
‘Tiogo, e com tao grosso mar, que forZ0 a pique nove na-
(1) Este Armamento compunha-se de oijtenta navios ( outros dizem
que mais), ¢ era commandado pelo Visconde de Wimbleton. As tro-
pas constavao de dez Regimentos , sommando dez mil homens, com-
mandados pelos Condes de Essex, e Denbigh. Sahirdo de Plymouth a7
de Outubro de 1625 3 e tendo soffrido huma tempestade , se reunitio a
19 em Cabo de S. Vicente, seu ponto de reuniio. O projecto era it
terceptar a Frota Hespanhola , que se esperava da America -em Novem
bro. Os Generaes Inglezes resolvérdo entretanto assaltar Cadix , onde se
bido que estavao muitos navios, O ataque, feito a 22, nado produzio 0
effeito, que esperavao; ainda que ganhdrio com facilidade o Forte do
Pontal ; porque os soldados Inglezes, havendo arrombado muitos arma
zens de vinhos , embebedarao-se , ¢ foi necessario fazellos embascar a to
da a pressa. Pouco depois espalhou-se a bordo dos navios huma molestia
contagiosa, em consequencia da qual voltou a Armada para Inglaterra,
sem fazer cousa alguma , tendo custado enormes despezas, Yede o It
dente Erigaanico, Tomo 6, Cap. 50.
243
s)
vios, que © acompanhavao, em que entrou o Patacha
5. Jorge, Hespanhol e o navio Portuguez Senhora da
Ajuda, armado em guerra, de que era Commandante
Gregorio Soares Pereira ; os outros ero Transportes.
O GaleZo abrio doze palmos de agua, e o mar levou-
lhe as obras mortas da pépa, ea lancha que vinha no cons
véz: hum rodomoinho arrebatou pelos ares sete homens,
dois dos quaes metteo huma vaga a salvo dentro do na-
vio. Alijdrao ao mar a artilheria, e cortd4rdo o mastro
grande, que estando. ja rendido, ameacgava ruina com
a sua quéda. Todo o mantimento, e aguada se avaq
riou.. Como nao existido vélas, pelas ter levado o ven-
fo, fizerao. huma de varias colchas, com que fordo gn~
vernando a demandar os Acores, quasi mortos de fo«
me , de sede, e de trabalho , havendo fallecido por
estas differentes causas oitenta e seis pessoas, em que
entrarao D. Antonio de Castello Branco , Senhor de
Pombeiro , o Sargento Mor Jorge Mexia Fouto, e o
Padre Antonio de Sousa, Jesuita. Finalmente avistdrao
a Iiha de S. Jorge, e apenas tiverao tempo de saltar
em terra, foi-se o Galedo a pique. Dalli regressdrao de-
pois todos a Portugal.
D. Manoel de Menezes, nio podendo tomar Pers
nambuco, seguio a sua derrota, e a 24 de Setembro,
na altura da Ilha de S. Miguel, trazendo em sua con-
serva o GaleZo Hespanhol Santa Anna, em que vinha
0 Mestre de Campo D. Joao de Orellana , descobrio
tres navios Hollandezes, que Ihe parecérao de guerra ,
porque hum largou bandeira no tope grande, como Cae
pitanea, e o outro no tope de proa, figurando de Al-
mirante. Anoitecendo logo, D. Manoel os foi seguin-
do; e ao amanhecer, estando mui proximos, arribou
para elles, que o esperavao com os papafigos estingas
ios. Travado o combate, o navio Capitanea comegou-
é¢ a afastar do fogo; ¢ o.seu Almirante ficou tao mal-
| : 31
247
tratou logo de reparar. E neste anno mandou EIRei:as-
sistir em Lisboa o General Thomaz de Raspur, Biscai-
nho, para defender as Costas de Portugal, a cujo fim
reunio alguns navios Hespanhoes, e os Gale3es Portu-
suezes S. Filippe, e S. Tiago, que se acabavao de con-
struir. Veio tambem o Marquez de Inojosa nomeado
Capitio General dos Presidios Hespanhoes, com ordem
de auxiliar o General Raspur na defensa das Costas do
Reino. : |
Aproximava-se o tempo de sahir huma Esquadra a
esperar as Naos da carreira da India, e a Frota do Bras
sil , que ordinariamente chegavao 4 altura de Lisboa
nos fins de Setembro, o que era difficultosa empreza,
porque os navios de guerra Portuguezes erdo poucos, e
arruinados , 4 excepcao dos dois Galedes novos, e fal-
tava tropa experimentada no mar,.por se acharem re«
duzidos a algumas Companhias desorganizadas os dois
Tercos da Marinha , que servirao na Expedicao da
Bahia. }
- Por ordem da Corte de Madrid entrou D. Manoet
de Menezes a servir o seu Posto de General da Mari-
nha Portugueza, que se !he deo agora de propriedade,
assim como a Antonio Moniz Barreto o Posto de Al-
mirante, e Mestre de Campo de Infanteria, como féra
D. Francisco de Almeida. Embarcou D. Manoel nd
mesmo GaleZo Santo Antonio, em que viera; e o Almi-
rante Antonio Moniz Barreto no Gatedo S, Joao, de milk
toneladas, e quarenta pegas; os outros Commandantes
erdo [). Antonio de Menezes , do Galedo S. José, de 30
ecas; Gongalo de Sousa, do Gale#o S. Tiago; Manoel
Biss de Andrade, do Galedo S. Filippe, de 28 pecas;
e Christovao Cabral , da Urca Santa Isabel, de vinte e
de.la Perdida de la Armada de Portugal del afio de 1627, escrita pela
progtio D, Manoel , ¢ impressa em Lisboa no mesmo anno de 1627.
7
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¢
32 ou
284
Oito légoas ao mar da Bahia virao-se dois navios
Hollandezes, a que de balde se deo cassa. Como os ver-
tos erao contrarios,.e a8 aguas corriZo0 ao Sul, no dia
11 achava-se a Esquadra em 17° de-Latitude, e ao pie
do Sol foi vista da Esquadra Hollandeza , serfi que esta
fosse percebida dos Hespanhoes; o que muitas vezes suc-
cede no mar. No dia seguinte ao amanhecer apparect:
rao os Hollandezes duas leguas a barlavento. O Conde
de Banholo passou 4 falla da Capitanea, e disse ao Ge-
neral, que lhe parecia conveniente tirar a Infanteria das
Caravelas, para reforgar as guarnicées dos ‘navios; a que
elle respondeo: Owe os dezeseis mavios inimigos crie
pouca roupa. ‘Talvez receava elle, que recolhendo a tro-
pa das Caravelas, poderido depois occorrer circunstat
cias, que nado lhe permittissem resticuilla, e ficaria in
utilizado @ soccorro de Pernambuée. Em fim, mando
as Caravelas, e navios mercantes para gotavento da Es
quadra; e formando a sua linha de batalha, seguio o
mesmo bordo.
-O Almirante Patry fez signal de chamar 4 ordem,
estando atravessado; e vindo a bordo os escaleres dos
navios, enviou ordem aos Commandantes de abordarem
os Hespanhoes, para cujo fim vinhto todos promptos,¢
com.as gavias entrincheiradas, guarnecidas de soldados,
e munidas de artificios de fogo. Expedidas estas ultimas
instrucg6es , arribou em pdpa sobre os Hespanhoes, diti-.
gindo © seu proprio navio contra a Capitanea de Oquer
do; e o seu Vice-Almirante contra a de Valecilla.
A’s nove horas da manha estava o navio de Paty
a menos de tiro de mosquete nas aguas da Capitanea,
quando D. Antonio, que estava ao pe do leme, mettco
subitamente de 6 , e obedecendo logo a Nao, como Pas
try nio fez a mesma manobra, antes seguio avante, D.
Antonio, dando huma arnbada, abordou por barlavenr
to. Travou-se huma accao matadora, em que de parte
362
one nas tinha a sua’ frente. puma peca de campanhz,
& Esquace Hellandeza- yeio surgir defronte da Ensea-
‘Antonio de. ‘Albuquesque, que apenas trezia quinhes-
tos homens, em vez de reticat-s¢ promptamerre , fez al-
to, € esperou 2. determinagia dos Hollandeges, - Eatéo
Schoppe o atacou pela frente, e flanco esquerde; e ain-
da que os Portuguezes.. resistisdo algum. tentpo', fordo ro-
tos, ¢. forgadps a retirar-se cont perda. de dezoito tice.
tos, muites feridos, e dez prisioneiros. -
_ + Antevendo.o- Albuquerque que o$ Hollgnderes is
Vestiride primeiro 9 Forte do, CabedgHo., que commse-
dava Jago dg Matos Cardoso, lhe-augmentou a gum
go até wezeatos homens, ¢.se recolhee. ao Forte de
anto Antonio, situado da banda do Norte da. berra, pe
Fa, enviar. dal}: ‘saforges ende. fassem recessaclos, —
donse ja' comm: aruuita. falta de gente, tanto- pela
dea-na ultima aggac, camo. por se. haverem returade t a
guas casas. alguns dos moradores,. que o agempanhavio.
E avigou de. tudo a Mathias de ‘Albuquerque , que lhe
enviou. trezentos homens commandados. pelo Conde de
Banholo. '
No outro dia § tomérdo os Hollandezes posicio a
tira: de- pega do Cabedello, e se fortificdrao, havendo
recebida algum damno.
Dentro do Rio da Parahiba, a tiro. de canhio do
Cabedello, ha huma pequena Ilha chamada dos Padres
Benras, e sobre huma restinga desta havia huma bateria
aberta, com quarenta homens, ¢ sete pecas,. cujos tires
iacommodavio os trabalhos dos Hollandezes, e seria de
grande vantagem para elles estabelecerem-se naquelle
to, n30.s6 por esse matiyo, mas porque dalli podito
Prater o Forte, ¢ evitar os soccorros que descizo: da.Ci-
dade da Parahiba pelo Rio abaixo. Em consequencia
‘destas consideragSes no dia 9 de madrugada , tendo bom
308
do o traquete, sendo o vento Lewante , fordo encalhor
em huma praia proxima de hum Rio, que sabia ao mir,
e pelo qual entrava a maré; porém nZ0 0 enxergario scs-
$a occasiZo , por ser baixamar, e rebentar muito o a
nas aréas, que cercdo a sua foz. Abonangon depois o
tempo, ¢ passardo a noite a bordo. Os Cafres tinbio
descido 4 praia em numero.de mais de oitocentos; ma
as asmas de fogo, que o Commandante teve o bom acar-
do de levar, os contiverao. Desembarcada a salvo toda
a gente, se alojisdo todos os Portuguezes em terra com
ordem, e grandes cautelas, por serem os Cafes mui
ladrdes , que sd os continha © receio das armas, como
succedeo em hum assalto que na primeira noite derio
ao campo, no qual forao rechagados com perda s2:,¢
ficardo espantados do effeito das balas de mosquete.
Esta terra era de tao bons ares, que redos os doet-
tes convalecera4o em breve, 4 excepgao de quatro, oa cin-
co, e nunca adoeceo pesspa alguma. Os Caftes erio
grandes, robustos, e de bom aspcecro, e r4o ligeircs,
que corriZo por cima das serras mais fragosas, como g>
mos: cobrido-se com capas curtas de couro de boi, cur-
tidas por tal modo, que ficavao macias como panro:
as suas armas er4o 2agaias com seus ferros bem feitos;
e rodelas de couro de elefante; acompanhavio-x de
muitos cies, que lhes serviao para a caca dos animes
silvestres; porque havido no Paiz elefantes, bufalos, ti-
gres, ledes, e porcos montezes; assim como caga vol-
til, e do matto de toda a especie. Criavao estes Calres
mui formoso gado vaccum, ¢ laveavao grandes semen-
teiras de milio.
Achou José Cabreira acertado mudar o sew campo
4 outra margem do Rio, e alli formou huma povoagao
de cabanas com boa policia, e estabeleceo commercio
com os Cafres , que lhe vendido mantimenro a troco de
pedacos de cobre, mercadoria a mais estimada daqel
selhor, “Que ser ae
2 se eid rio
—_ ws
B18
-: ¥6q6 = Saktrfo de Lisboa eere anne para a Indi
(1) duae Néos, a pritaeira comnmfrmadude Gorsalo
de Barros , Chefe da expediclo; € » sepunda pot Amo:
sio de Ataujo, ‘que atribom O Chefe entrow em Gos
salvatnento.
. 1636 — DBD. Laiz de Roxas (2) , querendo entrar ex
cathpanha , remettto para a Alegoa do norte a srtilie-
ria, munigdes, e doentes (que io edo pouces), ¢ dei
xando afli de puarmicse. ao Conde de Banholo com e-
ts ccntos lovnens, s€ poz em marcha a6 de Jandie
eom mil, & quatre centus Portupguezes , além des Indios
de D. Amanio Filippe Camario, sepuitndo hum rer
da gee mamil4ra abrir pelo meio dos bosques, 1 quit
se uchou petsima. Tendo aqui noticia, que o General
Schoppe cetava descuidado ah Porto Calvo com sis
centos soldados , destacou o Capitao Francisco Revel
hs com tres Companhias para o entreter “até :4- sua che-
yada, devendo antes marchar tapidemenre a surprehet-
lo. Chegado 2 cinco leguas de Porro Calvo, recebeo
aviso do Capitio Rebello, de que jd se tinhia apodere
do dos ptincipaes caminhos, e aprissonando o Secte
tario de Schoppe,; ¢ se levasse maior forca, accontece-
ria O mesmo a este, que na noite de 14 escapou, sem
ser:serkido , com toda a sua columna, guiado por hum
mogo natural de Paiz, que o condwzio por atalhos des-
mados, ¢€ O poz a salvo na Barra Grande sem outa
perda, que a de vinte e oito homens mais atrazados,
gue os Portuguezes matdraio no alcance,
- >Batrou.D. Luiz de Roxas-em Poftto. Caleo, onde
athou viveres , ¢ municdes , e scbre ham aviso falso de
- €1) Faria e Sousa, Asia Portugueza. ;
(2) Memorias de Duarte de Albuquerque, pag. 218, até peg.
436 — Brito Freire, Livros 8.°, € 9.°— Southey, tomo 1.°, Gap’
16°-— Ft. Jo#o ‘José de Santa Thereza, Part. a. Liv. 6. — Cestsito
Lusitano, Parte 1. 3 Liv. g.°. Sot ees . ‘: ° ;
$20
perdeo hum momento em retirar:se 4 Peripueira, le.
vando prisioneiro o Sargento Mor Heitor de la Cal-
cha, e-deixando duzentos mortos no campo. A perda
‘dos Portuguezes nao excedco a noventa homens este
elles alguns Officiaes de merecimento.
Succedeo no Commando a D. Luiz de Roxas, 0
Conde. de Banholo em consequencia de huma /’1e de
Wuccessdo , que o primeito levéra de Hespanha. Cont-
nuou o Conde pelo resto do anno na mesma guerra de
postos, ¢ assaltos que antoriormenté se fazia com grave
damno dos Hollandezes, que nfo podido por essa cav-
sa tirar fructo algum da Campanha ,.por onde de con-
tinuo andavdo partidas soltas , que incendiavdo os cana-
veaes, e destruitao as planta¢ées de tabaco, e mandio-
ca; © que incommodou de tal sorte os Hollandezes,
qjue largérao a final os Fortes da Peripueira, e Barra
Grande. pe
' Chegardo 4 Bahia Cartas do Conde de Banbolo
dirigidas ao Capitéo General Pedro da Silva, ¢ a0s
‘Generaes das duas Esquadras, que ainda alli. se conser
vavdo, em que lhes partecipava a morte de D. Luiz
de Roxas, e ped’a que na sua volta avistassem a Costa
de Pernambuco; porque segundo as poucas tropas, ¢
navios com que os Hollandezes se achavdo, quica ha-
veria occasiao opportuna de tentar alguma faccdo util.
Chamou Pedro da Silva a Conselho, a que tambem as-
sistio Mathias de Albuquerque, o qual era da opinido
do Conde de Banholo, ese offereceo a servir de Vo-
‘luntario; mas tudo foi inutil, porque D. Lopo se escv-
sou com as ordens positivas, que tinha para hir a e-
pedicdo de Curacau com Diogo Luiz de Oliveira, 0
que nio teve effeito, pois que sahio depois sem elle,
Jevando sdmente a sua Ndo Capitanea , a Almirante,
e hum Patacho, e quatorze lcguas ao mar da Bahia en-
controu huma Esquadra Hollandeza de oito navios,
S24
sobre’ o Rio do mesmo nomie, que desagua no mr v-
to leguas mais abaixo , na qual enrrou no dia 17. Este
Rio.tem hum quarto de legua de largura, e em partes
menos, com huma barra capaz de embarcacoes de du-
zentas toneladas: a sua corrente he grande, e as cheizs
$40 na estagao do Ver4o. As margens sao abundanusi-
™as de pastos, em que vaguéa immenso gado vaccum.
~ Nelle acaba a Provincia de Pernambuco pela band: do
Sul, ¢ comega o districto de Sergipe d’EIRei, que f
parte da Provincia da Bahia.
Nao se dilatou muitas horas o Conde de Banholo,
eno dia seguinte comecou a passar o Rio, cuja oper
Zo concluio a 26 com precipitagao , e alguma peria,
ja quasi com os Hollandeaes 4 vista, os quaes entrisio
ao Outro dia na Villa; e o Conde de Nassaw, deixando
nella ao General Schoppe com mil e seiscentos dos me
thores Soldados, voltou com o resto das tropas para 0
Recife.
A 31 de Margo chegou Banhofo 4. Cidade de Ser-
gipe, vinte e cinco leguas distante da Villa de S. Fran-
cisco, e mais de sessenta da Bahia, d’onde escreveo 10
Capitao General Pedro da Silva, offerecendo-se a hit
soccorrelo., por jugar que Nassau, em. concluindo as
fortificagdes do Rio de S. Francisco, passaria a atzcat
aquella Capital. Ndo acceitou Pedro da Silva a cfferta,
duvidando que o General Hollandez tivesse similhsnte
proyecto. Em consequencia cesta negativa, ficou o Cot
de de Banholo em Sergipe, mandando dalli- partidas
além do Rio.de S. Francisco para devastarem a campr
nha, na qual causirao grandissimes damnos ; e avisot
a ElRei-pelo Tenente General Andrade de tudo. quac-
to havia occorrido.
A 27 de Junho chegou o- Almicante Lichthart com:
dezoito navios 4 Villa dos Ilheos, trinta leguas ao Sul
da Bahia,,e queimando huma embarcagZo mercante,
$26
gv munida. de boa artilhera , muitas- munigdes de gnep
ra. As condig6es fério, que a guarnigao seria transpore
tada. d Ilha de S. Thomé,y levando . cada individuo s-
mente 0 que tivesse vestido. Koin , deixando boa gur-
nigdo no Castello , voltou para o Recife. |
' A 16 de' Agosto chegou de Lisboa 4 Bahia Lus
Barbalho'com quatro Caravelas, e¢ duzentos e cincoer-
ta Soldadds, fazendo parte de hum Terco de oitocer
tos homens, que se organizava em Portugal, de qe
elle vinha por Mestre ‘de ‘Campo. |
Avisado .o Conde de‘Banholo de que Schoppe hz-
via ‘passado o Rio de §. Francisco com tres mil, e
quinhentos homens ,. se pdz em retirada para a Bahia,
sahindo de:Sergipe a 14 de Novembro, e a 29 ¢
4 Torre. de Garcia de Avila, quatorze leguas ao Nor
te da Bahia, onde se alojou. O General Schoppe «-
trou em Sergipe’ tres dias depois da sua partida, ¢
queimando a Cidade (menos as Iprejas) , ¢ oito Enge
nhos , volrou nos fins de Dezembro para o Rio de 5S.
Francisco. —
Outra conquista fizer$o..0s Hollandezes a 20 deste
mez de Dezembro, porque mandando-se offerecer os
Indios do Sear4 ao Conde de Nassau para o ajudarem
a tomar hum Reducto, que os Portuguezes alli cinhio
guarnecido com vinte homens, e duas pegas de artilhe-
ria, destacou quatro navios , e duzentos Soldados, que
unidos aos Indios, facilmente o ganhardo.
1638 — A Esquadra da India (1) foi este anno de
duas Ndos; era seu Chefe Joao Soares Vivas, e Com
mandante da outra Joao Cardoso de Almeida.
(1) Manoel de Faria e Sousa, na lista das Armadas que poz no
fim do tomo 3. da Sua Asia Portugueza, nio concorda com o ge
diz no corpo da sua Historia, relativamente a este anno, e 20 &
3640.
S28.
S. Braz, e alli passdrdo:a hoite. Na madrogada seguin-
te marclirdrao a octupar him’ monre superior ao Enge
nho de. Diogo Moniz Telles, no qual hzerao alto; po
rém o Engenho foi logo guarnecido por algumas tn-
pas Portupuezas, que segufdo por terra o movimento
dos navios; e apds estas tropas chegou o Caritio Ge
fityal Pedro da’ Silva, o Conde de Banholo, e Deare
de Albuquerque com todas as forgas disponiveis ; ¢ to-
mdrdo posicio em outro monte a tiro de canhio do itt
migo. Por espago de “duas horas se observarSo huas
aos outros, e por conselho de Banholo se recolhéio
os Portuguezés, parecendo ao Conde imprudencia srris-
car huma accdo , de cujo mdo successo seria a perda da
Cidade a necessaria consequencia. Mas os da Camara,
convocando o Povo a toque de sino , o amotindrio con
tra: os Generaes querendo por forga que se désse bate
tha aos Hollarndezes. Tanto receayS0 os trabalhos do
cerco! Custou muito a6 Bispo, e a Duarte de Albu
querque socegar 6s animos da multidgo com a promee
$a, de que se atacariao os Hollandezes.
Sahio com effeito no dia 20 o Conde de Banholo
com as tropas de Pernambuco , e os.dcois tergos da f:-
hia a buscar os Hollandeézes, que jd nfo encontrov, por
haverem mudado de posicg#o; e retirando-se para a C-
dade, njo 0 quiz fazcr o Mestre de Campo D. Fer-
nando de Lodonha, Commandante de hum d’aatelles
pore Tercos; ainda que pouco depois o obrigario of
ollandezes a obedecer, expulsando-o d’aquelle posto.
‘Como as tropas da guarhiggo da Cidade recu-avio
obedecer ao Conde de Banholo, e as de Pernambuco
ao Capitio Gencral , 0 que éembaragava a boa ordem do
servico, tinha este transferido ao Conde toda a sua aus
thoridade milirar; e desse momento em diante desen-
volyeo a Banholo tanto zelo, actividade, e¢ ralentos, qué
fez cmmudecer a inveja, ¢ concorrerem todos para a
332
rate o,.cerco: dispardrig contra 9° cidade 1446 balas, e
perdérdo quasi. mil homens mortos , e feridos.
+ A 28 enteoy-a salvo hum navio Portuguez vindo
da Cidade,.do Porto, ¢ nessa mesma noite sahirio os
Hollandeacs para.Pernambuco..
. fh 47.48, Novembro entrou na .Bahia huma Esqux
dra ‘Hollandeza de “dez nayios, e dois Patachos: su-
gio defrente de Tapagipe e desembarcando alguma
penis: saqueou hum Engenho, e a _3 de Dezembro sx
id do Porto, « |
,, 1638 — Resolveo-se finalmente no Gabinete de Mx
drid Beer hum grande esforgo para expulsar os Hollas-
dezes de Pernambuco; ao menos foi este o motivo
tensivel das duas Esquadras, que se armdrdo em Lis
hoa, e Cadix (de que néo achei a relagao) (1), som
mando mais de. gitenta navios. Nomeou ElRei para Ge
neral em Chefe ,.¢ Governador do Brasil, ao Conde
a Torre D. Fernando Mascarenhas. Sahio de Lisboa
nos fins .de Outubro de 1438, ¢€ foi esperar nas Ilhas
dé Cabo: Verde pela Esquadra de Cadix, demora que
Ihe-custou ‘mais de mil homens fallecidos de doencas,
em que entrou o seu Alnurante Francisco de Mello ¢
Cation 1 nn
Reunidas as Esquadras, seguiraS a sua derrota, ¢
a 10 de Janciro do anno seguinte virdo o Recife. O
Conde da Torre, ou porque levasse para isso ordens
particulares, ou pela muluiddo de doentes de que hiio
empachados os seus navios, nao se deteve diante d’a-
quella Praga, e proscguio.a-sua navegacao para o Sul.
Enviou o Conde de Nassau duas embarcagées ligeirss
em seu seguimento, para observarem o Porto que to-
mava, crendo que surgiria em algum d’aquella Costa,
(1) Portugal Restaurado , tomo 1., Liv. 2.——Southey, tomo
?., Cap. 17 —Castrioto Lusitano, Parte i, Lie. 3. — Fr. Joao Jot
334
la para huma acgZo geral, avistdrdo os Hollandezes;
qué conservavao 6 barlavento. Torriou a crescer o tem-
po furioto , e as Esquadras forgo arrastadas para 0
orte. No dia seguinte, athando-se entre Goiana ¢
Cabo Branco, tivério outro combate parcial. A 14 2
tacdrao-se de novo defronte da Parahiba; ea 17, nz
altura do Rio Grande, trav46 a ultima accZ0, em que
os Hollandezes se retirdrao de todo; e as correntes le
vaviio cada vez mais para o Norte os Hespanhoes. Nes-
tes quatro combates nfo foi ‘grande a perda das dus
Nacdes; e€ posto que a victoria ficasse ao Conde da
‘Torre , com tudo as consequencies fér&o favoraveis 20s
Hollandezes, por se mallograr 0 cerco do Recife, que
nfo podia resistir naquella conjunctura. O Conde de
Nassau ficou tio escandalizado da conducta de muitos
Commandantes dos seus navios, que alguns férdo p-
nidos com pena de morte. |
Perdidas finalmente as esperancas do desembarque’
na Costa de Pernambuco , rogarao os Chefes das tro-
pas da Bahia ao Conde da Torre, que os desembar-
casse em qualquer parte, porque se atrevido a hir d’al-
Ji 4 Bahia, atravessando o serfio , © que elle fez no
Porto do Touro, quatorze leguas ao Norte do Rio
Grande, pondo em terra ao Mestre de Campo Luiz
Barbalho com mil, e trezentos homens, e os Tercos
de Indios, e Negros de Camarao, e Dias Luiz Bar-
balho fez huma marcha de trezentas leguas das mais
trabalhosas , e difficeis; reunio-se no caminho com os
Officiaes destacados antes da Bahia: entrdrdo0 todos nes
ta Cidade com pouca perda, deixando arruinadas as
possess6es dos Hollandezes, e destruidos muitos dos
sous destacamentos,
O Conde da Torre seguio viagem para as Indias
Occidentaes, onde tinha ordens d’EIRei_ para hir de
pois de concluido o negocio de Pernambuco, a fim de.
336
, eiico ,, commandadcs pelos Mestres de Campo D. Je
ronymo de Aragio, D. Martim Affonso de Sarria, D,
Antonio de Ulhda (composto de Napolitanos bisonhos)
e D. Gaspar de Carvalhal, Consclheiro de Guerra, ¢.o
Sargento Mor D. Francisco Palominas.
Para conseguir a gente de que necessitava, tratow
a-Corte de Madrid coin alguns particulares, para apre-
Sentarem as recrutas em Carthagena, e Corunha, me-
diante huma gratificag3o de vinte e tres cruzados por
homem. Seguio-se deste systema, que os Contractado-
res fazido prender por todas as Cidades de Hespanba
.os Lavradores, Artistas, e pais de familias sem exce-
pgao alguma , assim ajuntarao mais de dez mil homens,
¢scondendo-se entre tanto os que podido servir para a
guerra ; de maneira, que querendo 9 Duque do Infa-
tado, e outros Grandes, apromptar certo numero de
Soldados a que erao obrigados, e¢ promettendo dezescis
reales (440 reis) de soldo diario, ninguem concoreo
a assentar praga. |
Como a Franga tinha preparado hum grande ar-
Mamento maritimo em auxilio dos Eseados Geraes,
commandado por Henrique de Escorbeau Sordis, Ar-
cebispo de Bordeaux (1), € se reagava viesse atacar al
guma das Pragas de Galliza, recebeo ordem o Marquez
de Val-Paraiso, Governador d’aquelle Reino, para se
premunir contra qualquer invasao. Em consequencia cha-
mou 4 Corunha todas as tropas, ¢€ ajuntou dezoito mil
homens, quasi todos bisonhos , porém faltavdo yiveres,
e até munigdes para tanta gente amontoada em huma
‘pequena Cidade, e¢ comegarao logo a grassar as doencas.
Para obstar a que os Francezes penetrassem no Porto,
C1) Este Prelado guerseiro tinha commandado outra Esquadra Frate
ceza no anno antecedente, e sobre a Costa de Biscaia ataccu oito nz
vios de guerra Hespanhoes, cos quacs fomeou,-ou cucimiou sete, es
pando lium sd.
. 840
Sposa Napoles; e D. Joio Ascenso no Galcio
» Joao. « :
“" Distribuido-se cada dia a.bordo desta Armada vin-
té e-cinco mil ragdes, e levava abundancia de muni-
goes de toda a especie, e dinheiro para pagar os sol-
OS, y
Antes de sahir a Armada da Corunha , susciton-
se.a duvida se a devia commandar D. Antonio de 0-
ve gue tinha o Titulo de Almirante Real do
r Oceano, ou D. Lopo de Hoses, que governava
muito maior numero de navios; principalmente porque
as-Instrucg6cs de Oquendo erio em termos geraes, e
nio comprehendido o caso presente. Para decidir este
qusstdo chamou o Marquez de Val-Paraiso a conse.
os Officiaes Generaes , € o Duque de Villa Formo-
$2, € seu irm4o0, que tinh%o vindo em soccorro da Co
tunha. A proposta do Marquez continha dois artigos:
1.° Que forma se daria dquella Armada, para que ti-
vesse hum Chefe unica? 2.° Como se preencheriio me-
lhor os dois fins para que ElRei a destinava ? Cumpre
adgbrtir , que as Ordens Regias determinavZo, que @
Armada Hespanhola buscasse a Franceza, e a destruis
Se; e que tendo-se esta ja retirado das Costas de Hes-.
panha, para se hir ajuntar com a de Hollanda (como
se receava), a perseguisse, e procurasse destruir mesmo
dentro dos Portos de Inglaterra, sem embargo de ser
huma Nac#o amiga, e de se quebrantar 2 neutralida-
dé; porque a razae d’Estado assim o pedia, por ser
mais facil satisfazer depois as queixas d’aquekle Monar-.
eha, do que organizar outra forga tal, que podesse ar
Fostar as forcas das duas Nagoes. |
Sobre o primeiro artigo, todo o Conselho pro
ndia para dar o commando a D. Lopo, gue tinha ab
j muitos amigos, pelos saber grangear com prudencia,
¢cultivar com beneficios ; ao contrario de Oquendo, bo-
342
da’: D. Antdnio de’ Oquendo chamou para Coinman-
dante do ‘seu Galedo a0 General Miguel de Orna, e ceo
a.commando do nayio deste a D. Jeronymo de Aragio.
Doze navios Inglezes afretados accompanhavio esta ex-
pedicao, carregados de tropas para Flandres. Navegou
a: Armada cam bom vento até ao.dia 11 de Serembro,
que achando-se por 48° 40' de Latitude, conhecco pe-
las sondas estar na bocca do Canal de Inglaterra:, peio
qual entrou com vento largo, e.4 vista de Cabo Lizart
se athou toda: reunida ,-:excépto,.os doze navios Ingie-
zes, que na noite: da sahida se amar4r30 tanto, que
nurca mais apparecérZ0, e.f6r30 cahir nas mZos dos
Hollandezes ; © gue: muitas ‘pessoas j4 de antemio sus-
peitavao. re
. Lodos os navios de guerra,.que paquelles tempos
navegavio no Canal, er#0 obrigados a abarer a bax
deira 4 Capitanea Real de Inglaterra. - Encontrou-se .2-
qui huma_ pequena Fragata, a qual ‘vindo 4a -falla de
Oquendo, pedio a devide acatamento d Coroa de In-
laterra, na falta da sua Capitanea. O General
espanhol respondeo: Oue quando se emcontrasse com
a Capitanea Real da Grado Bretanha., ssaria com
ella das cortezias que ElRei seu Senbor lhe mands-
va, € assim o podta certificar ao General Inglez lw
£9 queo visse.
Fallou-se no dia 15 a hum mercante Inglez, que
disse haver encontrado no dia antecedente a Esquadra
Hollandeza no estreito de Calé. Com effeito, os Esta-
dos Geracs, sabendo da expedigao preparada na Cor-
nha, tinh’o armado quarenta’e quatro navios para a
combater , dos quaes déra4o o commando ao famo-
so. Almirante Tromp, sendo seu Vice-Almirante D.
Witt , e Contra-Almirante Van Kart. Espalhada a-
quella noticia, forao a bordo de D. Antonio de O-
guendo os principaes Officiaes Generaes, para. recebe-
844
‘© Almirante Tromp, talvez por ignorar a verds-
deira forza, e navegac’o dos Hespanhocs, havia diri-
dido a sua: Armada em: tres: Esquadras: com a ‘primei-
ra, composta dos onze navios melhores , que tomon pa-
-Ta si, ficou cruzando.sobre as.Costas da Flandes; man-
dou a segunda, commandada por Van Kart para o
Norte, a fim de interceptar os Hespanhoes se quizessem
rodear por aquelles mares, como. na realidade projecz-
vJ0 primeiro; e. enviou a terceira, as ordens de De
Witt, a correr os Porros de Inglaterra , e estes erio os
\meis Navies que se avistés3o em outro bordo. Achando-
se agora diante de hum inimigo tres vezes mais forte
-do que elle ,.nao recusou a batalha, e formou mbil-
mente a sua Esquadra em huma linha tao cerrada, que
© gorupcs de cada navio tocava quasi na grinalda co
que o precedia. -. a ,
. Como o projecto de Oquendo era abordar o Almi-
ante Hollandez, sem disparar hum tiro, foi-se prolon-
gando com elle por barlavento, mas quando arribou,
i fora de tempo, e ficou a ré delle: tornou entioa
-hir de 16, seguindo entre tanto os Hollandezes a bordo;
e querendo elle abordar outro navio, este igualmente o
-evitou. A Esquadra Holandeza, que tinha agora des-
passado a linha dos Hespanhoes , virou par davante a0
mesmo tempo, e a Capitanea Hespanhola recebeo m
passagem o fogo de toda ella, de que teve grandes 2-
varias, e mais de cento e cincoenta mortos, e feridos.
Desenganado Oquendo de que Ibe convinha servir-se da
sua artilheria, respondeo ao fogo, causando muito da-
mno aos Hollandezes, portomarem parte na acco osau-
tros navios Hespanhoes, que ficavao na pdépa do Gene
ral, e a distancia em que se achav4o ser tao pouca, que
a mosguctaria laborava de huma, e outra parte, em
que os Hespanhoes tinh3o grande vantagem , pelas mui-
tas tropas, que trazido. No meio desta baralha se rer
$46
fundedrao. mais avante. Seri§o. onze horas (da - noite
quando Tromp se fez 4 vela, e veio acccmetter os
Hespanhoes, havendo ordenado aes seus Commandar-
tes, que sc.conservassem féra de tiro de mosquete,
confiado na sua artilheria, que era melhor servida. 0
combate foi horroroso, por sera noite, ainda que be
nangosa , muito escura; mas a perda n4o correspondeo
de parte a parte ao dispendio das munigédes.
~ Com a luz da manhd se continuou a pelejar sobre
vela, ecom mais. furia, porém naa com mais unio
dos Hespanhoes , porque Oquendo nenhumas ordens
deo: huma parte da sua Armada achava-se em forms
tura combatendo com o inimigo, mas o resto espalhado
em filas de quatro, e cinco navios a traz da |inba
Tromp, organizando a sua Esquadra em duas colur
pas , penetrou 4 testa de huma por entre a linha de be
talha dos Hespanhoes, e os navios desordenados, qe
estavao amparados com ella; em quanto De Witt cm
a outra columina se batia contra a linha Hespanhola,
que se achou assim atacada de fronte e-de revez. 0
ogo da columna de Tromp, era tcrrivel por ambos 0s
bordos, e os Hespanhoes nado podizo responder-lhe com
outro igual na sua posig4o, porque se offendiao huns
aos outros. O Galeao Santa Thereza foi o que mais
illustrou nesta accdo, rechagando todos os navios Hol-
landezes que ousavao aproximar-se d’elle; e era tio ra-
pido o seu fogo, que da banda de estebordo disparon
1520 tiros de canhdo. Oquendo igualmenre se distix
guio mais como Commandante particular, que como Ge-
neral , porque nenhum signal fez, nem menos o Almi-
rante General D. André de Castro. Muitos Comma
dantes de navios, e alguns Officiaes Generaes se com
portdardo mal; e mesmo hum delles tentou por duas ve
ges fugir. O Almirante Francisco Sanches Guadalupe
foi partido cm duas metades por huima bala de artilhe
350
repartindo pelos que ficdrio a gente, e municdes one
tirou d’clles; e como necessitava muito de antennas pu
ra vergas, € mastareos, comprou em Dower com gran
de segredo algumas arvores grossas, e enviou escaleres
para as trazerem de noite a reboque, sendo a distas-
cia tres leguas, Sabendo disto o Almirante Tromp,
destacou huma Fragata a comboiar os escaleres Hespa-
nhoes, o Commandante da quil, depois de os accom
panhar até ds Dunas, foi a bordo de Oquendo, e \he
disse : Owe era tanto o desejo que tinbha o seu Alm-
vrante de se ver em batalba com tao grande Gensral,
gue ordenava d sua Esquadra ajudasse em tudou
apresto da Hespanbola, e que como bom amigo se je
dia servir delle, em quanto concorresse para o effti-
to, gue ambos pertcndido.. Respondeo Qquendo a este
recado com igual civilidade, enviando hum presente de
excellentes vinhos para a guarnicio da Fragata Holla
deza, em lugar do dinheiro que primeiro The manda
dar, e o seu Commandante nao acceitara.
_ Parece, que nesta occasizo sovberao os Hollande-
zes, que o Governo Inglez determinava nao dar protee
¢io alguma aos Hespanhoes; porque comecdrio a fazer
todos os dias tres, ¢ quatro Conselhos a bordo da sua
Capitanea ; e de noite passdvao em armas, dando tiros
de artilheria, e descargas de mosquetaria. OQ Almirante
Penington escreveo a Oquendo, dizendo; Owe o ses
inimigo crescia fa tanto em poder , camoem soberba;
e de tal modo, que elle receava, que no mesmo Ports
mao estivesse segura a Esquadra Hespanbola; pr
quanto, ainda que a Ingleza faria quanto lhe com
pria pela observancia da neutralidade, com tudo sev
do ella tao inferior em forcas aos Hollandezes, ew
trava em duvida se estes lhe guardariao o respeite
devido;, o que elle tanto mais temia, quanto estavs
certoem que E/Rep Carlos lhe néo ordenava, que or
363
fex 4 vela apts.a Capitanea, e logo na sia popa foi
sahindo D. Jodo Ascenso,.o Almirante Feijé , .c outros
mavios mais bem. commandados. Os Hollandezes envyia-
rio. tres Brulotes’ incendiados contra a Capitanea, de
ue se livrou por meio de escaleres armados , que O$
desviirdo , estand ja quasi atracades com ella.’ Qytros.
dois Brulotes vierao contra a Santa. Thereza, que 09
evitou por igual modo, porém como navegava nas a-
guas da Capitanea, embaracgou-se com os tres Brulo->
tes, de que havia escapado. J)... Lopo, a quem duag da-
Jas de artilheria haviao levado huma perna, e hum bra-
¢0, deo assim mesmo as‘ordens necessarias para des-
viar os Brulotes; mas ainda que os seus escaleres con-
sepuirao com temerario valor arredar dois delles, nao
podérdo evitar 0 tercciro, que cahindo na proa do Ga-
eao, em hum instante lhe communicou o fogo em que
vinha ardendo em altas labaredas. Desta maneira foi
queimado o Galedo Santa Thereza, sendo ja morto D.
Lopo, e nelle acabér4o mais de seiscentos Portugue-
zes, e Hespanhoes. Com a perda deste grande navio, des-
animérao de todo os Commandantes Hespanhoes, e
huns trat4tao de render-se, outros de salvar-se como
odessem, e tainbem alguns de vender caras as vidas,
p. Antonio conseguio recolher-se a Mardick , com ou-
tro navio, quepeucos dias depois naufragou, salvan-
do-se a gente. Tudo quanto fizerao os Inglezes em de-
fensa da sua neutralidade, se reduzio ‘a alguns tiros inu-
teis dos Castellos de Dower ,'e das Dunas.
Perdérao os Hespanhoes nesta batalha seis mil ho-
miens, € quarenta e tres navios, com sciscentas pecas
de artilheria de bronze, e grande numero de Officiaes :
dos Portuguezes morrério novecentos. |
Quasi metade dos navios naufragdrao pelas Cos-
tas de Hollanda, Franga, e Inglaterra; e alguns alli
Lomo. II 45
—_
‘354
' achdrfo ‘refugio, Os “Hollandezts “perdbito alguns nas
vios, e mais de mil homens.
1640 — Partio da India (1) o Vice-Rei JoZo da
Sitva Telfo cont duas Néos, e dois Patachos, de cuja
Esquadra foi por Chefe Jofo de Sequeira Varejao, com
uem hia embarcado o Vice-Rei. Cheparao todos a
a salvamento.
(1) Faria, Asia Portugeosa
FIM DA PRIMRIRA PARTE.
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